A motivação que levou 1,2 mil alunos a ingressar em uma academia da Rua Pinheiro Machado tornou-se decepção em pouco tempo e, mais do que isso, virou prejuízo ainda sem solução para muitos. A unidade de Caxias do Sul da rede de academias da capital gaúcha, Bio Express, fechou as portas após cerca de cinco meses da abertura, em janeiro deste ano.
O encerramento de maneira abrupta lidera as reclamações de ex-alunos e professores. A contratação de planos anuais quitados à vista ou parcelados em 12 vezes variava em mensalidades de R$ 49,90 a R$ 59,90 contratadas em cartões de crédito ou cheques, além de dinheiro em espécie. O formato em boleto bancário não era aceito. Para o aluno que pagou o ano de treinos, a esperança de ter o investimento de volta é nula.
— Os planos continuam sendo cobrados pelo cartão. Pouquíssimos conseguiram estornar junto às administradoras. Eles sumiram com tudo, desligaram contatos, pararam de responder e-mails. Impossível contatar — relata o ex-aluno de Caxias do Sul, Diego Coimbra.
Os matriculados reclamam em mais de 180 comentários em um post de uma rede social, de 26 de junho, da falta de explicações. A maioria dos relatos exige esclarecimentos e demonstra indignação porque não conseguiram contatar os responsáveis. O recado anunciado na rede é de que, em função da pandemia, "a Bio Express de Caxias suspende as atividades até segunda ordem". No entanto, o entendimento de que o real motivo para o encerramento das atividades não foi ao vírus - academias têm liberação para funcionar com restrições - é reiterado pelo ex-gestor da rede, Everton Silva de Oliveira, 37 anos.
Oliveira faz parte do grupo de funcionários que reclama de atrasos nos pagamentos do FGTS e INSS por dois anos. Oliveira atuava na rede e, por isso, visitava todas as unidades, inclusive a de Caxias. Ele conta que houve uma reunião, em uma das unidades de Porto Alegre, no último dia 1º onde os proprietários anunciaram que haviam solicitado ao governo federal auxílio para redução de horário de trabalho dos colaboradores.
— Solicitaram, mas ninguém trabalhou menos. Cumpríamos até nove horas diárias muitas vezes. Por conta disso, houve confusão e um grupo registrou boletim de ocorrência naquele dia — lembra.
Mesmo assim, os funcionários receberam a ajuda de custo governamental, mas não tiveram salários completados pelos proprietários. De acordo com Oliveira, após o fechamento das unidades sem ressarcimento aos alunos e quitação de direitos a funcionários, os donos bloquearam o contato deles nos celulares.O grupo de prejudicados em Porto Alegre recorreu ao Ministério Público e Justiça do Trabalho com queixa-crime. Em Caxias, muitos efetivaram o registro na Polícia Civil e Procon.
— Fizemos muitos boletins de ocorrência por estelionato. Muitos já foram chamados pra prestar depoimento. Cada um está tentando por si gerar ações civis — diz Coimbra.
Segundo o delegado Vitor Carnaúba, responsável pelo caso na 1ª Delegacia de Polícia em Caxias, foi aberto um inquérito para investigação por estelionato - quando alguém recebe vantagem ilícita com prejuízo alheio por meios fraudulentos.
— O número de registros foi grande. Estamos identificando os verdadeiros responsáveis para chegar a quem está realmente recebendo os valores. Eles renovaram contratos pouco antes de fechar e simplesmente não deram satisfação — diz.
Conforme Carnaúba, ainda não é possível prever a pena que poderia ser aplicada no caso, por conta do número ainda inexato de vítimas.
No Procon, cerca de 60 denúncias foram protocoladas em menos de um mês. Conforme o coordenador do órgão, Dagoberto Machado dos Santos, reclamações sobre o fato chegam diariamente ao local.
— A academia simplesmente fechou e não deram mais retorno. As pessoas não tinham cópia do contrato, que é um direito e, às vezes, as pessoas não exigem. Estamos orientando que se faça um boletim de ocorrência na Polícia Civil. É importante também deixar uma denúncia no Procon para que possamos investigar e buscar uma abertura de processo administrativo para tentar, no mínimo, amenizar o sofrimento das pessoas lesadas — diz.
A intenção do Procon Caxias é oficiar o Ministério Público com um processo administrativo.
— Ainda estamos buscando alguns dados para ter mais subsídios e assim oficiar o MP, é uma maneira de pressionar e dar transparência ao que está acontecendo — afirma.
A orientação do Procon é que o consumidor procure o órgão pelo número 156 ou no WhatsApp (54) 9.9929.8190. O contato com a Polícia Civil pode ser feito pelo (54) 3221.4000.
Academia alega dificuldades financeiras
A reportagem telefonou para o número divulgado na página do estabelecimento no Facebook, mas a única resposta é uma mensagem de que "o número foi programado para não receber chamadas". Por mensagem direct, não houve retorno. O link do site que aparece na página direciona o usuário para a Academia Moviment, a antiga proprietária do espaço. Entretanto, os contatos são os mesmos, que apresentam a mensagem de voz de impossibilidade de contato.
Após inúmeras tentativas sem sucesso, a reportagem conseguiu chegar até o número de WhatsApp de um dos proprietários, que repassou o contato do advogado, Frederico Menna Barreto. O profissional representa os donos Leonardo Jacobs e Sergio Marques Filho. Segundo Barreto, a academia vinha passando "por dificuldades financeiras que foram agravadas pela pandemia do coronavírus e que a forçou a ficar fechada por um longo período."
Por meio de nota, o advogado afirma que a academia tenta operacionalizar a migração dos planos para outros estabelecimentos e que as negociações são tratadas há 15 dias estando "em vias de ser concretizadas."
Questionado sobre a falta de um canal para os interessados sanarem dúvidas, o texto informa que haverá um e-mail para contato e que ainda não foi disponibilizado porque "a academia está tentando operacionalizar da melhor forma possível". A nota afirma, ainda, que não tem conhecimento de inquérito policial em andamento.
O último post da academia era de 24 de junho com o aviso de que a Bio Express suspendia as atividades. No entanto, após contatos feitos pela reportagem, na sexta-feira (17) a academia publicou novo post, no mesmo dia. A informação, agora, é de que "estará acertando nos próximos dias a melhor forma de absorver os alunos". Novamente, usuários não deixaram de comentar. Alguns questionam se o e-mail para contato será o mesmo já informado, que nunca funcionou e voltam a pedir a devolução do dinheiro.
Sobre o relato do ex-funcionário com relação a direitos trabalhistas, a academia afirma que os valores estão atrasados por conta de dificuldades financeiras. Quanto ao recebimento de auxílio emergencial do governo sem redução de carga horária, a empresa nega a informação e diz que ninguém recebeu auxílio sem suspensão de contrato ou redução de carga horária.
CONFIRA A NOTA NA ÍNTEGRA:
"A Academia Bio Express Caxias do Sul vinha passando por dificuldades financeiras que foram agravadas pela pandemia do Corona Vírus e que a forçou a ficar fechada por um longo período.
Após a reabertura autorizada pelos Decretos Estaduais e Municipais, a retomada das atividades não foi o suficiente para sanar os prejuízos financeiros causados pela crise, que, frise-se vem acarretando no fechamento de diversas empresas ao redor do Mundo.
Conforme comunicado enviado aos alunos da academia, o qual foi enviado para V. Sa. por ‘whatsapp’, a academia vem tentando operacionalizar a migração dos planos dos seus alunos para outras academias, de modo que eles possam continuar treinando sem qualquer prejuízo e sem custos adicionais, essas negociações vem sendo tratadas já há 15 dias e estão em vias de ser concretizadas.
Ainda conforme o comunicado enviado, a academia disponibilizará um canal de comunicação via e-mail para aqueles alunos que não tiverem interesse em migrar seus planos para outras academias, para tratar do cancelamento dos seus planos e da devolução dos valores pagos correspondentes ao período não utilizado.
Este e-mail ainda não foi disponibilizado pois a academia está tentando operacionalizar da melhor forma possível, tanto a migração quanto a negociação dos cancelamentos, porém, os proprietários da academia não negam suas obrigações e não deixarão de observá-las, tão logo seja possível.
Com relação a suposto inquérito criminal, a academia destaca que não tem conhecimento, não tendo recebido nenhuma intimação ou qualquer documento oficial a respeito.
A academia agradece desde já a compreensão de todos os alunos com as dificuldades geradas pela crise que o Mundo vem passando e reforça que a sua prioridade absoluta é regularizar a situação com a maior brevidade possível.
A academia agradece ainda o contato da Rádio Gaúcha Serra e do Jornal Pioneiro de Caxias do Sul pela oportunidade de esclarecer e exercer o seu direito ao contraditório, se colocando à disposição para novas elucidações e contando com o profissionalismo da emissora para veiculação da matéria de forma justa, imparcial e sem manipulação dos fatos."