Sabe aquele clima quase paz e amor, de pessoas cantando nas janelas? Essas cenas ficaram famosas e emocionaram pessoas a partir da Itália e também ocorreram em Caxias do Sul. Então, à medida que o tempo passa, entre a esperança com a reabertura gradual, para a frustração de um novo fechamento com a indicação de permanecermos em isolamento social, tende a esfriar esse clima de ternura que pairava no ar lá em meados de março e abril, quando a cidade iniciou as ações de contenção do contágio do novo coronavírus.
À medida que o tempo de isolamento aumenta, cresce proporcionalmente a insegurança econômica e o tédio de permanecer em casa. Trabalhar em casa, a maior convivência com os filhos, dispor de mais tempo, quem sabe para colocar em dia leituras e estudos, ou ainda aprender, enfim, a tocar um instrumento, esmoreceu à medida em que diminuíram as perspectivas de que tudo voltasse a ser como era antes da pandemia. O professor da UCS, Lucas F. de Oliveira, doutor em Ciências Biológicas: Neurociências, revela que esse mal-estar, que grande parte confessa em redes sociais, é estresse.
— O estresse é uma resposta do corpo frente a uma situação desafiadora. Essa reação ocorre para que possamos dar conta de desafios específicos. Gosto de dar o exemplo do leão. Se ele estiver correndo em nossa direção, e mesmo que estejamos com uma unha encravada, vamos precisar mobilizar as reservas energéticas do nosso corpo para sairmos correndo. Esse estresse é do tipo agudo, para situações desafiadores de curta duração, de no máximo poucos dias — explica Oliveira.
Esse tipo de estresse, reforça o pesquisador, não é de todo ruim. Ele acaba nos movendo a superar situações problema. No entanto, quando esse estresse ultrapassa curtos períodos e passa a ser um incômodo para além de duas semanas, como é o caso de grande parte das pessoas atualmente, que têm passado cerca de 90 dias em condições de isolamento total, se torna um problema grave com consequências mais sérias.
— O estresse crônico, muito comum em nossa sociedade tem se intensificado nessa pandemia, não é uma condição adaptativa. Ele tem como características a piora da formação da memória, como a dificuldade em lembrar de situações anteriores que também provocaram estresse, e reduz a atividade do sistema imunológico, que traz uma série de consequências, como a maior propensão a ficarmos doentes, além de um maior tempo de recuperação — observa.
Isolamento aumenta o estresse
Nesse mundo globalizado, pós-moderno e pandêmico, em que nada mais será como antes, pelo menos é o que dizem os filósofos contemporâneos, as redes sociais se tornaram as janelas que dão acesso à vida íntima das pessoas. Por mais que sejam escapistas e difusas no que escrevem e publicam, um sem fim de internautas tem deixado aflorar que não suportam mais a falta de convívio social. Segundo Oliveira, existe, sim, uma fina sintonia entre estresse e isolamento.
— A explicação mais simples, deixando a linguagem técnica de lado, é que os vínculos sociais costumam diminuir a resposta de estresse. Enquanto que o isolamento está exacerbando o estresse nas pessoas — aponta.
Leia ainda
Quer saber a dica da Roberta Veber Toscan para encarar o distanciamento com mais equilíbrio?
Psicóloga Relim Hahn dá dica de como encarar as mudanças trazidas pelo coronavírus
O prognóstico não é lá muito promissor, ele reconhece. Apesar de o isolamento afetar relações de consumo e por conseguinte, a economia, Oliveira se diz um defensor das medidas de contenção do contágio, defendidas pelos órgãos de saúde.
— Por não sabermos até quando vamos precisar permanecer em isolamento, chamo a atenção para o fato de que o estresse elevado é um ponto essencial ou marcante para o início de episódios depressivos. A expectativa é a de que daqui não muito tempo veremos o aumento nos casos de diagnóstico de depressão.
Treinar a mente para enfrentar o isolamento
No início das medidas de isolamento social, ainda em meados de março, qualquer tosse ou mal-estar, ou mesmo uma ida ao supermercado causavam pavor à publicitária Clarissa Corrêa. Autora de sete livros na carreira de especialista em desenvolvimento pessoal, entre eles, o de nome sui generis, Para todos os amores errados, Clarissa precisou usar técnicas para treinar a sua mente.
— Nosso pensamento pode ser bizarro. Quando tu começa a acreditar que vai pegar covid, tua imunidade baixa, sim, e tu fica mais propenso a pegar. Por exemplo, tem mulheres que falam que gostariam de ficar grávidas e passam a enxergar toda hora várias grávidas na rua — diz Clarissa, sorrindo.
— Essas coisas realmente acontecem. O que eu ensino é usar de artifícios para treinar a mente. Por exemplo, quando o medo vier (de qualquer tipo) pense em uma placa grande de Pare e coloque ela, mentalmente, diante do seu medo. Quando outro pensamento desses vier, recoloque a placa. Parece papo de louco, mas funciona — complementa.
Ao longo da sua carreira como consultora, Clarissa desenvolveu diversos treinamentos, entre eles Reescreva sua historia: passado, presente e futuro em harmonia, criado ainda antes da pandemia. No entanto, o que Clarissa percebeu, foi que muitas pessoas passaram a procurar pelo curso durante o isolamento social, porque dilemas do passado e a falta de perspectiva quanto ao futuro causam situações de estresse crônico.
— Quando criei o curso pensei em usar a escrita à mão como fonte terapêutica. Em tese, é escrever sobre o que nos incomoda, mas de uma maneira condicionada, como um treinamento mesmo, durante um tempo determinado. Não é curso, porque precisamos treinar e refinar a nossa mente — diz.
O treinamento dura 21 dias em que, além da escrita, as pessoas são orientadas a fazer um filtro na origem e no tipo de informações que recebem.
— Sugiro até sair daquele grupo da família no whatsapp que só pregava fake news, sabe? — defende.
Além disso, a autora entende que esse tempo de isolamento tem condicionado as pessoas a olhar mais para dentro de si mesmas, mas é preciso entender que isso não é ruim. Aliás, é muito bom, diz Clarissa.
— A partir do momento em que nos conhecemos mais, aprendemos a ser mais generosos conosco, mais generosos com nossos erros, e a nos sentimos menos culpados. A partir do momento em que temos a delicadeza de sermos mais gentis conosco, passamos a ser mais gentis com o outros, com suas falhas e erros. Entendemos, por fim, que nem os outros, nem nós mesmos, atingiremos a perfeição.