Desde o surgimento do novo coronavírus, os órgãos de saúde alertam que pessoas com 60 anos ou mais estão no grupo de risco. Ou seja, são mais frágeis à doença e, portanto, o cuidado deve ser redobrado nessa faixa etária. Para tentar entender como está sendo a experiência dos idosos em meio à pandemia, buscamos depoimentos de idosos que moram na Serra. Os relatos também poderão ser ouvidos diariamente no programa Gaúcha Hoje da Rádio Gaúcha Serra.
Eracema Silveira de Moraes, 75 anos, lembra a data exata em que tudo mudou. Desde o dia 18 de março, ela não vai mais às aulas de hidroginástica e, desde então, ninguém tem permissão para entrar em sua casa. Com isso, ela precisou encontrar outras formas para continuar com as visitas. Completando nesta segunda-feira (18) dois meses de isolamento, a idosa mantém contato com a família presencialmente, porém à distância. Sentada em uma cadeira de praia, a neta, Alessandra Teixeira, 22 anos, vê a avó através do portão. Uma de cada lado, elas aproveitam para conversar e matar a saudade.
– Eu tinha a casa cheia e, depois de tudo isso, a minha filha disse que ninguém ia entrar aqui porque ela ficou com medo. Como eles estavam na rua, poderiam entrar aqui e trazer o vírus. Então eles só chegam até o portão, não entram aqui. Isso pra mim foi muito difícil, está sendo ainda – lamenta, por telefone.
O neto Cassiel, 25, é o único que ainda tem proximidade com a avó, já que mora com ela. Entretanto, ele também não sai mais de casa. Eracema tem cinco filhos, 18 netos e quatro bisnetos. Emocionada, diz que sente a falta deles:
– Eu sinto muita saudade de abraçar a minha família... eles são tudo pra mim e eu acho que sou tudo pra eles também. Eles estão cuidando muito de mim.
A comemoração do aniversário deste ano da vó Cema, como é carinhosamente chamada, também teve que ser readaptada. Em 31 de março, sua família toda compareceu em frente à sua casa para cantar parabéns.
– Eles vieram e ficaram do lado de fora. Fizeram uma serenata pra mim. Eu fiquei só na janela, mas foi muito legal. Eu nem esperava. Trouxeram a torta na janela de longe e eu assoprei as velinhas. É uma coisa que vai ficar pra sempre.
Eracema teve que quebrar por duas vezes seu isolamento, uma para ida ao banco, onde era necessária sua digital, e outra para pegar remédios no postinho de saúde.
– É muito difícil, a gente tem muito medo. Já chega a preocupação que eu tenho com os filhos e netos que precisam trabalhar e têm que sair todos os dias. Aí a gente fica preocupada, eu pelo menos vou tentar me cuidar no que puder – garante.
A idosa ainda fala sobre sua indignação ao ver os vizinhos recebendo visitas:
– Eu vejo a família entrando na casa, filhos que já não moram juntos vão ali, almoçam. Eu fico muito chateada com isso.
Apesar de estar chateada sem poder sair de casa e reunir a família, Eracema acredita que a situação ainda deve se estender por um bom tempo.
– Quando a gente começou a ficar no isolamento, e que começou a ficar sério isso, falavam que ia durar uns dois meses, então eu estava tranquila. Mas agora me preocupa porque acho que isso vai muito longe. Nem faço ideia, mas acho que vai demorar pra voltarmos ao normal – finaliza.
Produtos no portão e dinheiro higienizado
Por conta da pandemia, Cema acreditava que não teria mais como vender seus produtos caseiros. Entretanto, à pedido da vizinhança, ela continua produzindo tortéi, agnolini, pão e biscoito. Para comprar, os vizinhos a chamam pelo portão e ela faz a entrega, de longe. O cuidado é tanto que até o dinheiro recebido é higienizado.
– Até o dinheirinho que a gente pega, mesmo que pouquinho, é tudo passado no álcool gel em spray. Depois deixamos secar pra guardar. Daqui sai tudo limpinho – conta, rindo.
Além disso, as mercadorias recebidas em casa também são desinfetadas. Já as sacolas plásticas, antes de serem reutilizadas, são deixadas em um ambiente isolado da casa por aproximadamente quatro dias.
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