Caxias do Sul caminha para um cenário diferente do que vem sendo visto nas últimas semanas, com mais pessoas nas ruas, mas dificilmente será a mesma cidade de antes de 11 de março, data em que o primeiro caso de covid-19 foi confirmado. É o que se pode chamar de uma nova normalidade, condição que vai suceder o esvaziamento provocado pelo fechamento de escolas, academias, casas noturnas, bares e restaurantes.
A flexibilização das atividades fabris e de parte do comércio, notadas desde a semana passada, ganha mais força a partir deste final de semana, com a abertura de restaurantes, lanchonetes e salões de beleza e avança na próxima semana com o retorno das grandes indústrias. Por um lado, alivia a pressão exercida sobre os gestores municipais, que têm sido duramente cobrados para reabrir lojas e o setor de serviços e reativar a economia. A incerteza é o que virá ali adiante, com mais pessoas circulando e aumentando as probabilidades de contágio.
Ao analisar o retrospecto do primeiro mês da covid-19, com 34 casos da doença, sendo 11 de pacientes curados e nenhuma morte registrada até o final da tarde de sexta-feira (10), a prefeitura acredita que tem o contágio sob controle, o que permitiu afrouxar algumas regras, num alinhamento com o governo do Estado. Agora, exige-se a cooperação da população, o que significa depender do incerto. O distanciamento social teve grande adesão apenas nos primeiros dias seguintes a 21 de março, data do primeiro decreto municipal. Após, muitas pessoas saíram às ruas colocando em risco a si mesmo e aos próprios familiares. Para amenizar o retorno parcial das atividades, a Secretaria Municipal da Saúde pede que todos usem máscaras para evitar a disseminação do vírus.
Para viabilizar a flexibilização atual, o município colocou na balança o plano de implantar leitos extras e equipar as unidades de saúde, ações necessárias para enfrentar o pico da pandemia na cidade, previsto para o final do próximo mês.
— Nesse primeiro período, é um bom indicativo de que está controlado. A preocupação é buscar equilíbrio entre a vida do cidadão e a economia, esse é o nosso principal problema, sendo prioridade a vida — reflete o prefeito Flávio Cassina (PTB).
Com longa vivência no comércio caxiense, o prefeito se viu sob enorme pressão para permitir a abertura de lojas e serviços, fechados desde o dia 21 de março, situação que ele classificou como o calcanhar de Aquiles da administração neste momento complexo.
— Tentamos fazer o melhor, mas chega um momento em que não temos como segurar. Há uma pressão muito grande, principalmente por parte do comércio e dos serviços. Mas ficamos restritos ao decreto do governador. Temos é de ganhar tempo para a curva ser linear, para dar tempo de ter os equipamentos (hospitalares) necessários — ponderou Cassina.
O chefe do Executivo caxiense diz que o aparente controle sobre o contágio da covid-19 reflete o empenho de muitos setores e pessoas.
— As duas grandes empresas, Randon e Marcopolo, nos ajudaram muito com férias coletivas e balizaram que outras fizessem o mesmo. Tudo o que foi construído até agora foi a muitas mãos, com sindicatos, entidades. A partir do dia 15, se depender da minha vontade, iremos liberar o comércio de forma escalonada, mas dependemos da decisão do Estado — disse Cassina.
"Estamos rezando para que isso não aconteça"
Se parte da população foi criticada por fazer uso de máscaras semanas atrás, agora essa precaução precisa ser obrigatória. O secretário municipal de Saúde, Jorge Olavo Hahn Castro, explica que a flexibilização exige uma postura responsável de todos. Uma campanha foi lançada para estimular o uso de máscaras caseiras ou descartáveis entre o público. Apesar disso, a principal recomendação ainda é ficar em casa quando possível.
— Se a população fizer a parte dela, com higienização e uso de máscara na rua, essa abertura gradual das atividades não deve provocar um aumento tão alto de casos — entende o secretário.
Ele estima que o pico de contágio será no final de maio, portanto, restam poucas semanas para preparar a estrutura hospitalar contra o provável aumento de internações.
— Agora, os casos estão sob controle, tem vagas nas UTI, o movimento nas UBSs está abaixo do esperado. Abrimos logo os centros de triagem (na frente das UPAs) justamente para não misturar pacientes sintomáticos com assintomáticos — elenca o secretário.
Conforme Castro, os leitos hospitalares estão com ocupação média de 70%, mas essa oferta de vagas tende a desaparecer com o surgimento das doenças sazonais do frio, como viroses e gripes.
O prefeito Flávio Cassina é cauteloso quanto a futuras decisões. Se a princípio o isolamento social teve relativo sucesso em evitar a explosão de casos num único período, nada impede a progressão geométrica da doença nas próximas semanas. Os números no Brasil, por exemplo, não são animadores: mais de 20 mil casos e quase 1,2 mil mortes.
Ou seja, a projeção de 51 mil infectados até o final de agosto em Caxias é uma ameaça palpável e a pandemia sequer mostrou seu poder.
— Os próximos 15 dias serão vitais. Se necessário, temos alguns planos engatilhados. O primeiro é hospital de campanha com o Virvi Ramos, mas estamos rezando para que isso não aconteça — admite o prefeito.
RETAGUARDA
Os primeiros 30 dias da covid-19 foram de preparo e planejamento. Agora, as próximas duas semanas serão fundamentais para abrir novos leitos e reforçar o aparelhamento da rede hospitalar e do atendimento básico do SUS em Caxias. Confira o cronograma contra a covid-19:
:: O Virvi Ramos trabalha na reforma de uma ala que vai abrigar o primeiro hospital de campanha, com 49 vagas. A previsão é ter a unidade disponível no início da segunda quinzena de abril. O Virvi também ofertará quatro leitos de UTI.
:: O segundo hospital de campanha será aberto no Pompéia. Serão 32 vagas a mais, sendo 10 leitos de UTI, sete de cuidados intermediários e 15 de isolamento clínico. Parte da estrutura abrirá no início de maio.
:: O Centro Diocesano de Formação Pastoral, no Colina Sorriso, é outra alternativa e teria capacidade para 64 leitos. O projeto arquitetônico ainda será elaborado. Se necessário, a previsão é que ele possa entrar em operação entre junho e julho.
:: O Hospital Geral (HG) terá 10 leitos extras de UTI para a covid-19. Os equipamentos foram fornecidos pelo Estado. Os leitos serão instalados na área física da recuperação, uma vez que as cirurgias estão suspensas.
:: Uma sexta unidade básica de saúde (UBS) terá horário estendido até as 21h: a UBS do Jardim Eldorado, na região do Serrano. Atualmente, os postos Esplanada, Desvio Rizzo, Vila Ipê, Reolon e Diamantino já atendem neste formato.
:: Até o final de agosto, a secretaria estima a necessidade de 56 mil máscaras N-95 e um milhão de máscaras cirúrgicas para as equipes de saúde do município. O estoque dependerá de doações, remessas dos governos federal e estadual e da campanha Caxias contra covid, que arrecada fundos para aparelhar a rede. Saiba como ajudar no caxiascontracovid19.com.br.
:: A secretaria tenta capacitar o laboratório do município para habilitar a realização de exames de covid-19. O serviço poderia funcionar em até dois meses, mas depende de liberação do governo federal, do fornecimento de kits, de treinamento de pessoal e validação de exames.