No meio dessa pandemia, Cleonice Felix de Araújo se perguntou, enquanto vislumbrava a cidade através da janela: "Em que mundo nós queremos viver?". Refletindo sobre tanta gente com tantas necessidades, que só pioraram com a covid-19, ela respondeu a si mesma: "Quero um mundo em que as pessoas se ajudem e se respeitem, Então, eu vou fazer a minha parte".
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Depois de distribuir cestas básicas para a comunidade LGBTQI+, para mulheres que foram vítimas de violência, e para pessoas que lutam contra o HIV, Cleonice, que é presidente da ONG Construindo a Igualdade, fez uma provocação aos demais voluntários, ao propor que fizessem pão para quem tem fome. Com a ideia na cabeça, Cleonice passou a ligar para diversas associações de moradores de bairros de Caxias do Sul. A proposta era que a Amob pudesse receber voluntários da ONG para que fizessem pão na sede da associação, pois a Construindo a Igualdade não tem um espaço apropriado para isso.
– Infelizmente, em algumas Amobs senti que as pessoas tiveram preconceito pela iniciativa ter partido de uma ONG que promove a igualdade de gênero e atendem mulheres vítimas de violência e pessoas com HIV. Mas é um momento em que temos de unir forças, e ajudarmos as pessoas como sempre fomos ajudadas – argumenta Cleonice, 41 anos.
A primeira Amob que recebeu de peito aberto a iniciativa foi a associação do Bairro Cinquentenário II, cujo presidente é Róbson Paim.
– Quando recebemos a ideia não sabíamos se conseguiríamos colocar em prática, porque não temos fornos industriais. Mas, na primeira vez, fizemos 50 pães (do tipo colonial), usando fornos elétricos que conseguimos com o pessoal da diretoria da associação – revela Róbson Paim, 25.
PÃO DA VIDA
A primeira fornada ocorreu na segunda-feira, dia 20. A segunda, ocorreu segunda-feira, dia 27, e por conta de uma nova parceria, dessa vez com a Associação de Dirigentes Cristãos de Empresas de Caxias do Sul, a ONG e a Amob conseguiram o empréstimo de dois fornos industriais, que deram conta da produção de 250 pães. Ou seja, quanto mais engajamento e união, maior será a produção.
– O pão representa a vida. Por isso, queremos que cada um dos moradores possa receber a vida através desse pão, que acaba sendo a única refeição do dia para muitas pessoas – avalia Paim, informando que essa iniciativa vai atender a cerca de 300 famílias.
Dessa segunda fornada, de 250 pães, realizada na segunda-feira, dia 27, 150 deles, ficaram na comunidade do Cinquentenário II, e os outros 100, foram enviados a Fundação de Assistência Social (FAS), que vão beneficiar o Centro Pop Rua, que atende a moradores em situação de rua, em Caxias do Sul.
DEPOIS DA COVID-19
Num período em que vertem metáforas que sugerem desconforto, é bálsamo ver ações que vislumbram atender necessidades de agora, e para depois da pandemia. Porque a solidariedade tem um vínculo com a empatia. Mas quando vai além da necessidade primeira, é mais do que se colocar no lugar do outro, é viver para tornar a vida do outro melhor. É por isso, que depois da covid-19, a ONG vai desenvolver outras iniciativas dentro do Cinquentenário II, como revela Cleonice.
– Quando passar a pandemia, vamos continuar com o projeto Pão para Todxs, e vamos levar para o bairro aulas de técnicas de redação preparatória para o Enem, e levar ainda o Espaço Literário Natalia Borges Polesso, uma vez por mês, para ajudar no incentivo à leitura. Porque um povo que lê, conhece a sua história, e também, vamos dar aula de artesanato para ensinar mais uma maneira de gerar renda às pessoas – promete.
Cleonice diz que esse tempo estranho impede que as pessoas possam dar um abraço, por conta da prevenção à covid-19, mas ela diz que está ajudando a plantar sementes para o bem comum.
– Se não conseguimos dar um abraço, podemos dar um pão, que é alimento.