A maior parte dos profissionais que iniciaram em março o teletrabalho tiveram pouco tempo para a adaptação e poucas — ou nenhuma — mudança nas questões de contrato de trabalho. Essa realidade, no entanto, precisa ser diferente caso o home office seja a opção após a pandemia da covid-19.
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— Não é o fato de estarmos atravessando uma pandemia que possibilita a alteração unilateral do contrato sem ajuste. A Medida Provisória 927/2020 estabeleceu a possibilidade de que, se o empregador entender adequado, ele notifica o empregado de que em 48 horas ele será transferido para a modalidade home office — alerta a advogada e professora do curso de direito da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Adriane Lopes.
— A MP permite esta alteração sem qualquer anotação na CTPS (Carteira de Trabalho e Previdência Social) e apenas um acordo individual no período de calamidade pública que está previsto até 31 de dezembro, mas que poderá ser abreviado pelo Governo Federal — acrescenta a advogada trabalhista Ciane Pistorello, salientando que as alterações precisarão constar na carteira de trabalho:
— Caso a empresa entenda ser proveitoso e pretenda manter desta forma o vínculo precisará fazer as alterações para a modalidade conforme a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas).
Como as mudanças atuais foram feitas de maneira emergencial, algumas situações não foram ajustadas entre empregadores e funcionários. Despesas com luz, internet e outros gastos que o empregado acaba tendo para desempenhar a função em casa acabaram, na maioria dos casos, sendo custeadas pelo funcionário. No entanto, esse fato muda quando o teletrabalho passa a ser opção normal.
— Na atividade em home office, o custeio da atividade é do empregador. Sempre. É a questão da restituição dos valores despendidos proporcionalmente. O contrato de trabalho tem que prever formas de restituir as despesas ou a quem incube as despesas. Existe uma diferença entre eu ser contratado como home office e ter a alteração para ele. Nesse caso, a instrumentalização, os equipamentos e as despesas específicas em casa serão comprovadas e o empregador restitui os custos. Quando o contrato é feito nessa modalidade, isso já tem que estar descrito — explica a professora.
Relação de confiança é determinante
No teletrabalho, o profissional não tem a opção de bater ponto. Isso implica em uma relação de confiança entre o empregador e o contratado. Mas algumas situações precisam ser respeitadas para que não haja exageros de lado a lado. Ainda assim, o trabalho em casa muda situações em que o empregado está acostumado a uma jornada de trabalho no espaço físico da empresa.
— O home office não tem controle de horário. Não é só nesse momento, é sempre. Em toda a atividade feita fora da empresa não há controle. O que pode acontecer é que, o próprio trabalhador se organize e se, um dia, ultrapassar o limite de horário, pode no outro dia ou naquela semana compensar com um horário maior no seu intervalo de almoço. Por isso, também não tem pagamento de hora extra — afirma Adriane, explicando que nem mesmo no período em que a MP está em vigor a situação se altera:
— Nesse momento também não há. Você pode estar conectado ao sistema da empresa e não estar trabalhando. O que precisa ser respeitado é o que, em condições normais, também é: o intervalo de 11h entre um dia de trabalho e outro.
Mesmo sem o controle de horário, são necessários cuidados com mensagens e grupos de WhatsApp do trabalho. Isso pode configurar aumento da carga de trabalho do empregado. Mesmo que a amizade constituída no ambiente de trabalho ou em horas de lazer criem intimidade maior entre as pessoas, Ciane lembra que limites devem ser mantidos.
— O grupo de WhatsApp do trabalho é para falar de trabalho. Devemos lembrar o trabalhador que a hierarquia empresarial permanece. Por isso, o respeito deve ser mantido. Assuntos que não devem ser de conhecimento de todos devem ser evitados no grupo que integram toda a empresa. E o principal, as informações do grupo são sigilosas. Então, cuidado ao divulgá-las a terceiros dentro e fora da empresa — afirma a advogada, alertando para os riscos de exageros nas mensagens:
— O WhatsApp é um campo de trabalho e o empregado deve tratá-lo com muito zelo e respeito. Situações inapropriadas podem levar a uma demissão, podendo até ser por justa causa.
As medidas de restrição e de distanciamento social permanecem. Durante algum tempo o home office será a realidade para muita gente. Para quem não voltar às empresas e fizer da casa o escritório após a calamidade pública, porém, a vida do teletrabalho exigirá muita atenção.