Defensora da produção orgânica e estudiosa das plantas alimentícias não convencionais, Dirce Maria Mazzotti Kazmierski perdeu o sono e luta para não deixar a depressão invadir sua vida.
— Quando olho para os canteiros vazios, me dá um desânimo e não consigo dormir — diz.
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No interior de Nova Bassano, ela cultiva (ou cultivava) cerca de 100 diferentes tipos de ervas, raízes, folhas, bulbos, verduras, oleaginosas, flores comestíveis e outras dezenas de itens. Só de feijão, são 14 tipos de grãos. Há três anos, Dirce vende toda sua produção em uma feira que acontece aos sábados em Porto Alegre.
— Sinto uma tristeza profunda, porque sei que meus fregueses sentem falta.
Desde o final de dezembro de 2019, no entanto, ela e o marido, João Paulo, não viajam para a Capital por falta de produtos. Os canteiros estão praticamente vazios e as poucas mudas que resistem bravamente ao sol escaldante não produziram. A queda passou de 60%. A previsão era colher 20% a mais que o ano passado.
— Nunca coloquei tanta semente na terra. Plantei, plantei e não colhi nada.
Ela tem razão, nos 15 hectares de terra (que inclui o milho), só sobrou terra seca que ela tenta revirar com a enxada todos os dias para ver se surge uma chance de plantar novamente. Mas enquanto a chuva não chegar, sem chances.
Os moradores do interior dos municípios da Serra também sofrem com a poeira que já forma camadas nos móveis das residências. A maioria das estradas não tem asfalto e as nuvens de pó levantadas pelos veículos que passam encobrem as casas e as plantações.
— Além das perdas das lavouras, temos que lidar com este pó infernal, que nos deixa doentes — lamenta João.
Se não chover em breve, a situação vai piorar
A base da agricultura do município de Nova Bassano é a produção de leite e de milho. Ambas atingidas em cheio pela seca. Os cerca de 500 produtores de leite não têm milho suficiente para alimentar as vacas. A consequência é menos produto nos tambores e, também, menos qualidade no prato, já que os poucos grãos na espiga não têm nutrientes suficientes. É o caso do produtor Edson Boldori, 31. Com um rebanho de 30 animais para alimentar, ele viu o resultado da ordenha cair 40%.
— A produção de milho já não é suficiente. Tenho que comprar insumos para completar a alimentação. A oferta tá escassa e o preço nas alturas —explica.
E o valor do litro do leite pago ao produtor?
— Ahhh esse nunca sobe. Para manter o negócio seria necessário R$ 1,80 o litro. Recebemos R$ 1,40. Não sei quanto tempo vai dar para aguentar.
E ainda pode ficar pior caso não chova em breve.
— Não sei como vai ser daqui a dois meses quando este milho que não vingou iria alimentar as vacas. Dá vontade de desistir, mas o gosto pela terra me faz insistir.
Boldori integra o grupo de produtores que não contratou o seguro agrícola.
— Eu acho muita burocracia. Paguei do meu bolso. Agora, tenho que arcar com os prejuízos.
Graduação da uva chega a 22 graus
Na Serra, os percentuais das perdas por conta da seca variam de acordo com cada cultura. A uva e a maçã, por exemplo, tiveram queda de 20% segundo a Emater/RS – Ascar Escritório Regional. O engenheiro agrônomo Enio Todeschini explica que a perda está no tamanho do cacho, menor que as safras anteriores.
Mas a colheita deste ano tem um fenômeno pouco visto nos parreirais da região. O teor de açúcar chega a 22 graus em algumas variedades. É o caso das uvas finas para espumantes. No grupo finas de mesa, o grau também subiu de 16 para 20 graus, e nas de mesa saltou de 15 para 18 graus.
— Uma da melhores safras dos últimos tempos — garante Todeschini.
O produtor de uva de Monte Belo do Sul, Roberto Pasquali, 52, perdeu 35% da colheita deste ano devido à estiagem. Mas ganhou alguns décimos de centavos a mais devido ao alto teor. Em 2019 colheu 177 toneladas, este ano foram 120. O sol forte deixou as videiras com poucas folhas e os cachos de uva murchos.
Mesmo com o final da colheita, em boa parte dos parreirais (50%) é possível confirmar o rastro da seca e que também vai influenciar na próxima safra.
— As parreiras sofreram muito e vão produzir menos no ano que vem — explica o engenheiro agrônomo da Emater de Monte Belo do Sul João Becker.