Dez das 16 pessoas que se candidataram aos cargos de conselheiros tutelares em Vacaria e que não se elegeram protocolaram uma denúncia em conjunto no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Comdica) na cidade, na última sexta-feira, contra quatro dos cinco eleitos.
O processo eleitoral ocorreu no dia 6. Eram 21 concorrentes, cinco se elegeram e cinco ficaram na suplência. A eleição teve a participação de 5.049 votantes, o equivalente a 11% dos eleitores do município. Do total, 24 anularam o voto e oito votaram em branco.
No documento, obtido pela reportagem, os autores relatam uma série de irregularidades como compra de votos, transporte de eleitores, campanhas em locais proibidos e, até, boca de urna. Os denunciantes pedem a cassação dos eleitos ou a realização de novo pleito.
O documento aponta que a compra de votos se deu por diferentes meios. Um dos casos citados foi a entrega de cestas básicas a pessoas que colocavam banners de candidatos em frente às casas. Outra situação aponta pagamento em dinheiro, entre R$ 20 e R$ 50 por voto. Existe ainda relato de abastecimento de veículos para levar eleitores aos locais de votação.
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Além disso, relata que foi feita distribuição de material eleitoral (santinhos) dentro de uma igreja e da Câmara de Vereadores. Também refere a atuação de candidatos nas imediações das seções eleitorais no dia do pleito fazendo boca de urna, fato referido em um trecho do documento: "No domingo, no dia da eleição, a candidata ... (o nome foi suprimido) ficou em frente à Escola Bernardina Rodrigues Padilha, conforme se depreende nas imagens do DVD em anexo. Tomava chimarrão, ficou por cerca de uma hora, conversava com eleitores... após saírem, perguntava: confirmou? Os vídeos ocorrem em momentos distintos". O texto aponta a conduta como boca de urna. Em outra seção, dois veículos teriam sido flagrados transportando eleitores.
A denúncia refere ainda que pelo menos uma pessoa teria procurado candidatos pedindo vantagem,o que também é considerado crime.
Fotos, prints e vídeos comprovariam as denúncias feitas ao Comdica. Ao final, o documento solicita que sejam ouvidos os depoimentos de testemunhas e que seja considerada nula a eleição ou cassados os mandatos dos quatro eleitos citados nas denúncias. O Pioneiro não teve acesso aos nomes das quatro pessoas denunciadas, portanto, tentou contato com todos os cinco eleitos. Com um deles, as ligações para os celulares foram direcionadas para a caixa postal.
O que diz a lei?
:: É permitido ao eleitor, no dia da votação, usar broches e adesivos.
:: Constituem crime, no dia da eleição, a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna.
:: É crime dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outro, dinheiro ou qualquer vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção.
O que dizem os eleitos?
Fernanda Slongo Guaragna (460 votos)
A reportagem ligou duas vezes no sábado (12) e duas vezes na segunda (14) e todas as ligações caíram na caixa postal.
Vinícius Maciel Carraro (420 votos)
Disse que não teve apoios de políticos e partidários, que fez a campanha com amigos e amigos da família e que a maior força foi nas redes sociais. Disse ainda que se alguém cometeu irregularidade deve ser punido.
Rosângela Ramos Santos Graciano (400 votos)
Disse que está tranquila, que a campanha foi corpo a corpo e que jamais sujaria seu nome com compra de votos e etc.
Morgane Goulart Teles (354 votos)
Disse que não está sabendo de nada sobre a denúncia e que não cometeu irregularidade nenhuma.
Marinês Amaral de Paula (330 votos)
Disse que não sabe nada sobre a denúncia, não foi comunicada e está aguardando. Sobre a campanha que fez, Marinês disse que foi limpa e tranquila.
Comdica vai analisar denúncias
O Comdica de Vacaria confirmou o recebimento da denúncia na tarde de sexta-feira. Mas, segundo a presidente, Eliane Borges, os documentos e outros materiais, como fotos e vídeos, que estiverem anexados, começariam a ser analisados ontem.
— Quem não foi eleito tem o direito de discordar, de recorrer. Estou convocando a Comissão Eleitoral para lerem o recurso, darem parecer e, provavelmente, na terça ou quarta, o Conselho fará uma reunião para analisar o recurso e parecer da comissão — explica Eliane.
A comissão eleitoral é formada por cinco integrantes do Comdica — dois representando órgãos governamentais e três a sociedade civil. A comissão pode pedir diligências, ou seja, que sejam feitas verificações, antes de emitir uma decisão. O encaminhamento feito ao Comdica funciona como um recurso administrativo que se encerra com a decisão do conselho.
A mesma denúncia deve ser encaminhada à Promotoria da Infância e da Juventude de Vacaria, para a qual não há prazo estabelecido. O promotor Luis Augusto Gonçalves Costa explica que, se considerar pertinente, pode instaurar um inquérito. Depois, se confirmada, pode ajuizar ação civil. Na esfera cível, havendo provas, pode embasar um pedido de impugnação de candidaturas. Ele pode ainda encaminhar a denúncia para a promotoria criminal, se entender que é o caso. Daí, o resultado pode ser multa ou prisão.
Conselheiros ou cabos eleitorais?
Um ex-candidato que prefere não se identificar por medo de represália conta que a maioria dos candidatos tem ligação com partidos políticos e recebeu apoio de vereadores na campanha, sugerindo que os conselheiros se tornariam cabos eleitorais desses parlamentares nas eleições municipais de 2020.
— Como uma pessoa que se elegeu de jeito (cometendo irregularidades) vai cuidar de crianças? Precisa ter muito amor e carinho para tratar com elas. Fizemos uma campanha limpa, honesta, sem muito recurso. Sabemos que as coisas não são tão fáceis na política,mas nunca imaginamos que iria acontecer uma coisa dessas. Politizou muito (o processo eleitoral), quando não deveria, afinal, o bem maior do Conselho Tutelar é zelar pela criança e o adolescente — desabafou o ex-candidato.