A simpática Racheli da Silva, 10 anos, mostrava desde muito pequena que teria futuro como ginete. Não é para menos, afinal, alguém que anda a cavalo sozinha desde os três anos e se aventura no tiro de laço desde praticamente os quatro, tem mais do que facilidade: tem talento. A prova disso é o bicampeonato conquistado no último final de semana na categoria Infantil Feminino B do Freio de Ouro – em que competem crianças com idades entre nove e 12 anos –, durante a Expointer. Montando a égua Herança do Caapi, a jovem caxiense atingiu média final de 9,312, superando sua adversária por 0,201.
– Quando a Racheli era bem pequena, a gente costumava amarrar ela no cavalo. Lembro que uma vez fui num ferro velho e comprei vários cintos de segurança. Fiz uma enjambração para prender ela no cavalo e deu certo – diverte-se o pai, Fabiano Rodrigues da Silva.
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A paixão pela lida campeira vem de berço, uma vez que tanto o pai quanto a mãe são envolvidos no movimento tradicionalista. Os dois participam do CTG Andança Serrana desde praticamente sua fundação. Silva é declamador e laçador, colecionando mais de 250 premiações em rodeios. Já a mãe, Claudia Bertuol, dançava em invernadas. E foi pelas andanças da família em diversos rodeios pelo Estado que Racheli teve seu primeiro contato com o Freio de Ouro.
– Um dia eu assisti uma prova e me interessei. O pai começou a me incentivar a correr e percebemos que eu levava muito jeito para isso. Faz uns três anos que eu comecei a treinar para o Freio – conta a menina, que prefere bota e bombacha ao vestido de prenda.
O primeiro ano de treinamento foi coroado com sua primeira vitória na Expointer, na categoria Infantil Feminino A do Freio de Ouro – em que concorrem crianças com idades entre seis e nove anos incompletos –, ainda em 2017. Na época, Racheli tinha apenas oito anos. O mais legal dessa conquista é que a pequena competiu com Amore da Racheli, uma égua da cabanha da família, que é batizada em homenagem à menina. Vale lembrar que a sigla ou nome, antes ou depois do nome do cavalo, identifica a cabanha ou o criador do animal.
Para desenvolver ainda mais suas habilidades como ginete, a menina frequenta um Centro de Treinamento no distrito de Fazenda Souza. As aulas acontecem duas a três vezes por semana e têm duração de duas horas. O treinador Junior Daboit, que também é ginete profissional do Freio de Ouro, explica que os encontros servem para ajudar as crianças a melhorarem sua técnica e entenderem o funcionamento da prova. Daboit salienta que, para além da habilidade do cavaleiro, é necessário contar com um cavalo “craque”, como são chamados os animais campeões.
– Muitos me diziam, tu é louco de colocar uma égua craque, que custam R$ 40 mil ou R$ 50 mil, na mão de uma criança. Mas, quem é entendido do assunto e vê ela competir não pensa assim – diz o pai.
Modesta, Racheli reluta em falar que para ela a prova é fácil. O segredo, revela, está nas muitas horas investidas praticando:
– Não é que toda a prova seja muito fácil. Se tu treina bastante, os exercícios não são difíceis. Então, acaba que para mim todos eles são fáceis. Claro que eu fico nervosa antes de correr, porque tu se prepara um monte e quer chegar e fazer bonito. Ganhar o Freio na Expointer é um momento único.
Empolgado com o dom da filha para a modalidade, Silva conta que já está preparando animais para a jovem disputar a prova até 2025.
Sobre o futuro, a menina que está no 5º ano do Ensino Fundamental promete:
– Quero seguir competindo. Pretendo me formar em medicina veterinária e abrir meu próprio Centro de Treinamento. Lá eu vou treinar meus animais e vou poder correr quando quiser, também.
“Tem que entender o animal”
A cumplicidade entre a menina Racheli e égua Herança é visível. Treinando juntas há cerca de um ano, a ligação das duas cresce a cada encontro. A menina conta que antes de iniciar a aula costuma conversar e fazer carinho na égua que tem sete anos, pelagem picaça e é da sétima geração de animais da Cabanha Caapi.
– Sempre quando eu chego aqui no Centro de Treinamento eu fico beijando e abraçando ela. Acho que tu tem que conhecer o animal para se entender com ele. Se você não se dá muito bem com o cavalo não tem como querer que ele te obedeça – afirma.
Racheli conta que nem sempre os treinamentos ocorrem sem incidentes, às vezes, é preciso levar alguns tombos também.
– Nossa, eu já caí do cavalo tantas vezes. Tem vezes que eu estou no campo e acabo caindo. Daí a Herança foge e eu tenho que correr atrás dela. É algo que faz parte de montar. A gente aprende juntas – comenta, entre risos.
A competição do Freio de Ouro é dividida em dois dias e consiste em uma avaliação rigorosa do cavalo da raça crioula. Essa análise divide-se em dois momentos, sendo o primeiro morfológico e o segundo funcional. O primeiro parecer consiste em um estudo do padrão racial e do nível de enquadramento do animal aos padrões seletivos da raça. Já a segunda avaliação é responsável por medir o desempenho do cavalo em atividades que derivam da lida do campo. A avaliação funcional divide-se em:
COMO FUNCIONA A PROVA
1ª AVALIAÇÃO
Andadura: diferentes modos de andar do cavalo.
Figura: equilíbrio do animal e submissão a todas as solicitações do ginete.
Volta sobre patas: cavalo deve girar sobre o próprio corpo 360º para um lado e em seguida para o outro.
Esbarrada: animal deve executar uma freada brusca, fazendo com que se apoie sobre as patas posteriores.
Mangueira: avalia o trabalho do cavalo com o gado.
Prova de Campo: observa-se aqui a aptidão do ginete e a total submissão do cavalo ao cavaleiro.
2ª AVALIAÇÃO
Mangueira: a prova é uma repetição dos movimentos executados anteriormente.
Bayard-Sarmento: movimento composto de giros de 180 graus sobre o corpo e esbarradas que compõem a sétima etapa das provas do Freio de Ouro. O nome é uma homenagem aos idealizadores da prova.
Prova de Campo: observa-se novamente a aptidão do ginete e a total submissão do cavalo ao cavaleiro.
Outros campeões da Serra
Além de Racheli e Herança, outros personagens da Serra foram premiados durante a Expointer. O ginete caxiense Fernando Andrigheti sagrou-se campeão do Freio de Ouro pela primeira vez no último final de semana. Ele montava o cavalo Santa Alice Nublado II, da Estância Alice e El Casillero, que fez história ao atingir a maior nota entre os machos e a segunda maior da história da competição, tida como a mais importante da raça crioula no país.
Os borregos e as borregas da Cabanha São Roque, de Flores da Cunha, receberam seis premiações durante o evento. Também foi destaque na mostra o Centro de Treinamento Redomona, já que o cavalo Justo do Resplendor, da Cabanha Rota do Tropeiro de Caxias do Sul, recebeu prêmio na categoria Cavalo Adulto.
A HISTÓRIA
A mostra que deu origem ao primeiro esboço do que hoje é o Freio de Ouro ocorreu em 1977. Naquele ano, os criadores de cavalos crioulos perceberam que o desenvolvimento da raça também dizia respeito a promoção de provas funcionais. Até aquele momento, demonstrações desse tipo não faziam parte do calendário oficial da raça, existindo apenas julgamentos morfológicos.
Em 1982, a prova foi oficializada na Expointer e a partir daí o Freio de Ouro firmou-se como o maior acontecimento da raça no Rio Grande do Sul.
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