Dos passos ordenados e cadenciados a verdadeiros espetáculos, com rodados e sapateados, as danças gaúchas são a primeira expressão típica criada após o ressurgimento do tradicionalismo no Estado, segundo os historiadores. Ao longo do tempo, deixaram os salões e ganharam os palcos em concursos, mas se mantêm sempre vivas de geração para geração por meio das invernadas nos Centro de Tradições Gaúchas (CTGs).
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A dança tradicionalista gaúcha surge a partir de 1949 inspirada nas danças uruguaias. Daquele momento em diante, danças folclóricas foram incorporadas e reeditadas e outras foram criadas a partir das pesquisas de Paixão Côrtes. Mesmo que, atualmente, elas sejam executadas ou apresentadas com algumas diferenças, são as mesmas danças escritas pelo homenageado deste ano nos Festejos Farroupilhas que são executadas pelas invernadas artísticas, atraem a atenção dos admiradores da cultura gaúcha e são apresentadas nos festivais e concursos.
Único representante da Serra premiado na categoria danças tradicionais no Encontro de Artes e Tradição Gaúcha (Enart) do ano passado, o CTG Heróis Farroupilhas de Caxias do Sul, tem 15 pares que ensaiam cerca de três vezes a cada final de semana. O Pioneiro acompanhou parte de um ensaio no final da tarde do último sábado. Mais do que reproduzir as danças tradicionais, os grupos pesquisam temas, compõem músicas e apresentam coreografias que contam parte da história do Rio Grande. Na apresentação que rendeu o quarto lugar no Enart em 2018, o grupo falou justamente sobre a perpetuação da figura do gaúcho. À época, a instrutora e coordenadora do grupo de danças, Marina Martins, explicou que a proposta era falar da imortalidade do legado e do sentimento que os fundadores do movimento deixaram.
– A dança é a forma de manter mais viva e de cultivar mais o Centro de Tradições Gaúchas. Envolve a chegada no CTG, o convívio, o mostrar a tradição de pai para filho e continuar cultivando ela. Depois que a pessoa entra no CTG, começa a descobrir tudo o que aconteceu e de que forma aconteceu. (Descobre) Que se dança isso porque tem um livro que alguém pesquisou, escreveu e que conta essa história, tudo fica muito mais interessante – disse Marina.
Foi o amor pela tradição gaúcha e pela dança que trouxe Natália Ferreira da Silva, 28 anos, e Edemir Carlos da Silva Júnior, 30, para o Heróis Farroupilhas. Eles são noivos e dançam na invernada adulta do CTG desde agosto do ano passado, quando mudaram de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, para Caxias. As famílias eram naturais de cidades gaúchas, mas os pais foram trabalhar naquele estado, onde Natália e Edemir nasceram e cresceram. Natália foi colocada na dança desde pequena porque, segundo ela, estar no CTG era a melhor forma de cultuar a tradição do Rio Grande do Sul estando longe do estado de origem. Edemir sempre gostou e praticou a cultura. Eles começaram em entidades diferentes, mas se conheceram em função do CTG. Começaram a namorar em 2015 e, em 2018, resolveram mudar para Caxias.
– Toda a vida dançamos, desde pequenos, mas tínhamos o sonho de dançar aqui, porque sempre admiramos o Heróis. Bateu a vontade de vir, arrumamos a mala e viemos. A dança é uma maneira de cultuar a tradição, perpetuar e passar para as próximas gerações – resume Natália.
A dança gaúcha na história
Em março de 1949, uma delegação do Rio Grande do Sul vai até o Uruguai para festa da pátria gaúcha, promovida pela Sociedad Criolla Dr. Elias Regules. A entidade era uma espécie de agremiação do país vizinho que havia sobrevivido ao 'americanismo', movimento que invadiu o Uruguai e também o Brasil com a Segunda Guerra Mundial e acabou extinguindo ou modificando a essência das entidades que existiam no Rio Grande. À época, essas sociedades eram chamadas de grêmios, versões anteriores aos CTGs.
Até abril de 1948, no Rio Grande, o grupo dos oito – cujos integrantes haviam feito ressurgir o Movimento Tradicionalista Gaúcho em 5 de setembro de 1947 em uma ação contra a americanização – se reuniam com amigos nas casas deles, sempre somente homens, para beber, contar histórias, tomar chimarrão. Naquele ano, eles fundam o 35 CTG, mas ainda sem a presença feminina.
Na incursão ao Uruguai, estavam oficiais da Brigada Militar e integrantes do 35 CTG, entre eles, João Carlos D'Ávila Paixão Côrtes, Luiz Carlos Barbosa Lessa e Cyro Dutra Ferreira, precursores do movimento.
– Lá (no Uruguai) eles assistem às danças – a meia canha, o pericón que é a dança nacional uruguaia, uma chamarrita – e, aí, eles voltam (ao Estado) e dizem: "olha a bobagem estamos fazendo..." A primeira coisa que fazem é convidar as irmãs e as namoradas para irem para o 35 (CTG) e começam a resgatar as danças antigas. Resgatam primeiro "o pezinho" e começa o processo da dança _ conta o historiador Manoelito Carlos Savaris.
Para dançar, o grupo se dá conta de que precisa de uma música própria, característica do Estado. Até então, as músicas eram feitas por duplas sertanejas.
– O Rio Grande do Sul não tinha uma música própria. Tinha uma música do Brasil, esse sertanejo de São Paulo, de Goiás, de Minas; existia alguma música castelhana, especialmente, o tango; uma influência da música clássica, das valsas europeias. Não havia música local, típica daqui. Aí começam as primeiras pesquisas e criações musicais daqui. A música Negrinho do Pastoreio é de Barbosa Lessa, dessa época – relata Savaris.