Foi durante uma madrugada fria deste inverno que o consultor empresarial de Caxias do Sul, Fabiano Cardoso, 35, teve a ideia:
— Acordei para tomar um copo d'água e pensei como as pessoas que vivem na rua estariam naquele momento. Imaginei que um carrinho, em forma de caixa fechada, poderia abrigar essas pessoas que passam a noite nas ruas.
A informação que mais de 400 pessoas viviam em situação de rua na cidade, publicada em reportagem do Pioneiro, foi, segundo ele, o impulso definitivo para que a ideia saísse do papel. O chamado "abrigo móvel" já está sendo fabricado e, por meio de um projeto que engloba a associação de marcas de empresas e até de clubes de futebol, aguarda agora parcerias para finalmente tornar-se realidade.
— É um projeto onde todos ganham: a empresa que apoiar estará fortalecendo a responsabilidade social de sua marca, com impacto à emoção do público-alvo; a cidade ganha pois resolve uma questão de poluição visual; e o morador de rua vai ganhar uma dignidade para descansar — avalia Cardoso.
O projeto ainda pretende ir além de proporcionar abrigo a uma pessoa em situação de rua. Por meio de um planejamento, o consultor quer atuar pela ressocialização dessas pessoas que hoje enfrentam uma série de barreiras.
— Vamos fazer um cadastro com dados e monitorar com uma equipe preparada. Os usuários terão regras, como fazer documento, carteira profissional, pode ser até que ganhem um emprego da empresa parceira. A ideia é que a pessoa se reabilite, volte para a vida social com dignidade, esse é o nosso objetivo — afirma o consultor, que planeja ações conjuntas com a iniciativa privada de forma transparente.
— Normalmente ações de responsabilidade social são abatidas do Imposto de Renda e o empresário nem sabe o que está ajudando. Acredito que neste formato, da mesma forma que as empresas causarão um impacto positivo à sociedade, vamos interagir mais com esse público carente por meio de ações das empresas.
Em busca de parcerias
Na proposta, as empresas são convidadas a adotarem, por um período de 18 meses, uma quantidade estipulada de abrigos por meio dos quais poderão promover suas marcas, com impressões nas laterais. Com a parceria, o abrigo chega sem custos à pessoa em situação de rua, sendo móvel justamente para, segundo Cardoso, facilitar a locomoção e evitar aglomerações. A circulação dos abrigos seria monitorada por uma equipe de segurança administrada pelo projeto, que também realizará manutenções quando necessário.
Cardoso afirma que procurou a Fundação de Assistência Social (FAS), uma das principais portas de acolhimento às pessoas em situação de rua hoje em Caxias do Sul, bem como a Secretaria Municipal de Urbanismo. Ele conta que a ideia foi bem recebida por ambos setores e que foi orientado a protocolar a proposta junto ao Poder Executivo.
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Procurada pela reportagem, por meio de assessoria, a FAS declarou que a proposta apresentada depende da análise de outras secretarias da Prefeitura e órgãos competentes, por isso ainda não possui uma conclusão para emitir a respeito dos abrigos móveis.
— Vamos ajustar isso da melhor forma possível sem agredir o espaço de ninguém. O que os órgãos governamentais preferem, enxergar a cidade suja e marginalizada ou preferem ver um abrigo desses, num cantinho, sem incomodar ninguém, com o espaço limpo? — questiona o idealizador do projeto.
A proposta já foi apresentada a clubes como o Esporte Clube Juventude, de Caxias do Sul, e o Sport Club Internacional, de Porto Alegre. Em contato com os clubes, o Juventude declarou que o projeto está sob análise de diferentes setores e que não há uma definição a respeito do assunto. O Inter declarou que, por enquanto, não possui interesse em fechar parceria.
Da ideia à prática
Por meio do projeto Venda Mais Gestão de Negócios, Cardoso já oferecia consultoria à empresa caxiense Eco Tubos, que de produz estruturas diversas em PVC sustentável. Foi pela boa vontade do proprietário Clóvis Nunes, 49, que o abrigo móvel pensado por Cardoso saiu do papel, em um projeto que objetiva dar conforto e, sobretudo, dignidade a quem vive nas ruas.
— Unimos o útil ao agradável. A gente já tem tudo aqui, foi só pegar o material e fazer os carrinhos — relata Nunes, que diz sensibilizar-se ao ver pessoas dormindo no chão pela cidade.
Pensando nas demandas desse público, eles projetaram o abrigo móvel que parte de um chassi, adquirido inicialmente, sobre o qual é montada a estrutura feita de PVC, que é anti-chamas, com isolamento acústico e térmico de isopor. O carrinho tem 1 metro de altura, por 1 metro de largura e 2,10 metros de profundidade.
O espaço interno é de aproximadamente 2 metros quadrados, comportando até duas pessoas com cerca de 80 quilos cada uma. Por fora, a estrutura lembra uma casa, com telhado e até uma janela em uma das laterais. O custo de produção de cada unidade gira em torno de R$ 1,5 a R$ 1,8 mil.
Além do modelo inicial, a empresa já produz uma média de cinco abrigos por dia e pretende aumentar o fluxo a partir do fechamento das parcerias que vão financiar o projeto.
— Vamos lucrar com isso também, não somos hipócritas, mas pensamos em criar soluções que beneficiem a todos. Quando a gente empreende para o outro, a chance das estrategias darem certo são muito maiores — conclui Cardoso.