Foi numa conversa com o delegado da Polícia Civil de Garibaldi que um grupo de advogadas soube de uma danosa falha no apoio às vítimas de violência doméstica. As voluntárias descobriram que a orientação para mulheres agredidas e ameaçadas era praticamente inexistente durante as audiências prévias na Justiça na cidade e na vizinha Carlos Barbosa. Sem dinheiro para contratar defensores privados ou alheias a essa possibilidade, muitas vítimas iam para o Fórum desacompanhadas e desistiam de processos, beneficiando o agressor. Foi o estímulo para a criação do projeto Mais Marias, case que tem chamado a atenção de outras cidades pelo caráter comunitário e integrado.
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A atividade, ligada à Comissão da Mulher Advogada da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) subseção Garibaldi/Carlos Barbosa, começou em 2016, com três advogadas. O projeto-piloto em Garibaldi evoluiu, ganhou uma extensão no município vizinho e hoje já são 33 profissionais voluntárias que se desdobram para orientar e acompanhar vítimas de agressões e ameaças. A equipe também participa da rede de enfrentamento à violência local.
O trabalho rompeu um grave problema nas pequenas cidades da Serra, pois geralmente o agressor comparece na Justiça acompanhado do único defensor público disponível e a vítima não tem ninguém ao lado. Kátia Colombo, presidente do projeto até dezembro do ano passado, afirma que a tarefa é abordar as mulheres nos corredores dos fóruns das duas cidades antes das audiências prévias dos casos enquadrados na Lei Maria da Penha. Esse primeiro contato é fundamental para que a vítima não entre na sala do juiz ou saia do Fórum ignorando direitos básicos. Se a polícia não pediu as medidas protetivas no registro da ocorrência, são as Mais Marias que peticionam o pedido que pode salvar vidas.
Em Garibaldi, o trabalho é desenvolvido todas as terças-feiras, das 9h às 11h, na sala da OAB. No dia seguinte, é a vez do atendimento em Carlos Barbosa, no mesmo horário, mas na sala do Juizado Especial Cível (JEC). As integrantes do Mais Marias podem ser reconhecidas pelo uniforme, o que inclui um lenço rosa e uma camisa branca com o logotipo do projeto.
— Criamos uma estrutura para ter advogadas presentes nos dias das audiências nas duas cidades. O atendimento é gratuito — conta Kátia.
As voluntárias passaram por capacitação e são orientadas a não estabelecer vínculos com as vítimas, pois o trabalho se encerra ao final da audiência. Dali em diante, a mulher seguirá acompanhada pela rede de assistência social, pela defensoria ou por um advogado, caso opte por algum tipo de ação. Para 2018, a liderança do Mais Marias ficará sob a responsabilidade de Larissa Daltoé, que já percebeu a repetição do ciclo.
— A gente vê uma mesma vítima várias vezes — diz Larissa.
Por outro lado, o grupo detectou a necessidade de uma ação mais forte com as mulheres das comunidades rurais.
— Elas sofrem caladas e temos que encorajá-las a fazer boletim — alerta Kátia.
Apesar de frustrações geradas pela violência doméstica, as voluntárias sentem que estão no caminho certo.
— A nossa gratificação é o agradecimento. No final, algumas mulheres até choram — revela Elenice Koff, vice-presidente da subseção da OAB.
RESULTADOS: em 2018, o Mais Marias atendeu um total de 154 casos em Garibaldi e Carlos Barbosa. Desse total, 64 foram arquivados, 46 tiveram prosseguimentos na Justiça e outros 44 resultaram em acordo entre as partes.
Grupo reflexivo para agressores
Não é apenas as advogadas do Mais Marias que fazem plantão no Fórum para emprestar um pouco do aprendizado da profissão à causa. A psicóloga voluntária Mariele Merzoni coordena um grupo reflexivo de homens agressores, uma parte importante para interromper ciclo da violência doméstica. A abordagem também ocorre na audiência prévia no Fórum, mas a decisão de participar da atividade é do homem.
Segundo Mariele, metade do público masculino adere à proposta, que consiste em quatro encontros anuais. Nas rodas de conversas, eles têm a liberdade de se expressar, de serem ouvidos. A questão de gênero é abordada, por exemplo, por meio de tema simples como a divisão de tarefas em casa ou o tipo de roupa que a mulher usa. Dos encontros, alguns são encaminhados para a rede de saúde mental.
— É para pensar, não para determinar se existe ou o errado. Alguns agressores admitem o erro que cometeram, outros atribuem o momento da violência ao uso de bebidas de álcool, outros negam. Os homens têm uma ideia de Justiça punitiva, mas o que queremos é a prevenção, ter a resolução de conflitos, ter a conscientização do ato — descreve Mariele.
Para a psicóloga, o grupo reflexivo é uma oportunidade para o agressor desabafar. Muitos deles estão envolvidos com a Justiça pela primeira vez.
— A maioria não tem acesso a um psicólogo, mas não adianta trabalhar apenas com o agressor se a mulher não for tratada também — reforça a psicóloga voluntária.
O trabalho começou em fevereiro de 2018 e nenhum dos participantes reincidiu em crimes contra mulheres. O atendimento do grupo reflexivo ocorre toda terça-feira.