Ir ao cinema e não entender o filme em sua própria língua é uma realidade a cerca de 10 milhões de brasileiros surdos, segundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010. Para quem escuta, parece estranho acompanhar uma sessão dublada ou uma produção nacional com legendas descritivas, em que cada som – desde o farfalhar das folhas e buzinas dos carros até os estalos de beijos –, é descrito juntos às falas dos personagens.
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Idealizado pelo recifense Marcelo Pedrosa, que é surdo, o slogan da campanha nacional Legenda para quem não ouve, mas se emociona se tornou uma realidade a essa comunidade em Caxias do Sul há quase um ano. A aprovação da lei, proposta pelo vereador Rafael Bueno (PDT), permitiu que cerca de 2 mil pessoas com deficiência auditiva na cidade compartilhem alegrias com familiares e amigos nas salas de cinema do município. A luta não é apenas por acessibilidade, mas para viver experiências que fazem parte de todas as famílias, como ver filmes, espetáculos de teatro e apresentações artísticas.
A cidade é protagonista no cumprimento da lei. Aprovada em 2016, a legislação saiu do papel em 6 de julho do ano passado, quando o ocorreu a primeira exibição de filme animado com legenda descritiva. Em Recife, apesar de a lei ter sido aprovada, ela ainda não é respeitada pelos cinemas. Na Serra, a mobilização da comunidade surda, que fiscaliza e cobra os cinemas e recorre ao Ministério Público para garantir que os filmes tenham legendas, garantiram bons frutos. No entanto, ainda há muito a melhorar, já que os horários de exibição são reduzidos e nem sempre são os mais adequados para que os pais levem os filhos.
Em salas do GNC e do Cinépolis, por exemplo, estão disponíveis dois filmes em cada espaço com legenda descritiva. Os cinemas alegam que nem todas as produções têm a possibilidade de colocar descrições, e isso acaba dificultando a disponibilidade de mais horários.
— Nem todos os filmes têm a possibilidade de legenda descritiva. Mas considero que tem dado certo, e com o tempo vamos conseguir prestar um atendimento satisfatório a todos – afirma o diretor de operação GNC, Ricardo Defini Leite.
Aline Cardoso da Silva, 44 anos, é intérprete de Libras na Câmara de Vereadores de Caxias do Sul. Ela é mãe de dois filhos surdos: Andrei, 23, e Tainá, 16. Ela conta que levava os dois ao cinema para assistir a desenhos e outros filmes e, para que entendessem, descrevia as cenas.
– É uma emoção sem tamanho poder assistir a um filme com os meus filhos. Eu os levava ao cinema e procurava filmes com legendas, mas desenhos animados nunca tinham legendas. Então, eu interpretava as cenas para eles. Só tem que ter mais horários e opções de filmes. A pessoa só percebe o quanto é importante quando convive com alguém. Acredito que é preciso mais empatia e pensar no todo. É sensacional ter essa troca com eles – garante a intérprete.
Mãe e filha podem assistir e compartilhar experiências
O Pioneiro acompanhou a exibição do filme Não Se Aceitam Devoluções, com legenda, ao lado de Carilissa Dall’Alba, 32 anos, e Helenne Salvador, 30, que são surdas, e da filha de Carilissa, Sofia Dall’Alba, nove. A menina escuta normalmente e a mãe sempre levou a pequena ao cinema, mesmo que fossem desenhos e animações sem legenda. Poder dividir momentos tão únicos com Sofia é descrito por ela como maravilhoso.
– A Sofia ama cinema e, sempre que posso, a levo ao cinema. Como não entendia, ficava ao lado dela quietinha, mas depois, em casa, não tinha como interagir sobre os filmes que vimos. É muito ruim. Agora, conseguimos assistir aos filmes com legendas, é um momento maravilhoso. Isso é felicidade! – diz Carilissa.
Ela ressalta ainda que a lei é um avanço, mas é preciso estar sempre fiscalizando para garantir mais acessibilidade. Ela defende que mais horários estejam disponíveis, principalmente, após o horário escolar das crianças e que as animações e filmes nacionais tenham legenda descritiva sempre à disposição.
– Filmes do Brasil vem sem legendas, os surdos são obrigados a esperar pelo DVD. Não é legal, perdemos a essência de ir nas estreias. Gostamos muito de cultura e arte. Nos teatros, é ainda pior. Na lei, há obrigatoriedade de intérprete quando há surdos nos espetáculos. Tenho 33 anos e só uma vez assisti a uma peça com intérprete, que foi este ano na Praça da Bandeira. Eu e minha filha nos acostumamos ir a Porto Alegre, onde tem teatro em Libras para mim e áudio para minha filha, assim nós duas participamos juntinhas – conta.