O problema da distância entre a casa e a escola de muitos alunos da rede pública de ensino em Caxias do Sul voltou a ser discutido na tarde desta quarta-feira (28), na Câmara de Vereadores. Enquanto não são tomadas medidas efetivas para garantir que todos tenham acesso a escolas próximas, as famílias que sabem do direito o buscam por via judicial. Conforme a promotora Simone Martini, 284 alunos dos ensinos Fundamental e Médio conseguiram vagas em escolas próximas ou transporte gratuito após ações na Justiça em 2017.
Neste ano, já foram ajuizadas ações para 48 alunos em Caxias. Na Educação Infantil, foram mais de 150 ações coletivas no ano passado e quatro até o momento em 2018.
– Essas ações foram intentadas diante da não solução administrativa. Porém, nos dois anos centenas de atendimentos feitos pelo Ministério Público e Conselho Tutelar foram resolvidos pelo Estado e município – informa a promotora.
Para Simone, a falta de lei específica não exime o poder público de oferecer transporte para alunos que o necessitam na zona urbana.
– Amparo legal, tem. Se não há lei para prever, que façam. Cada gestor tem de oferecer as condições para sua rede – defende.
A opinião é compartilhada pelo juiz Leoberto Brancher, da Vara Regional da Infância e da Juventude. De acordo com ele, o TJ passou a aceitar que todo o aluno que reside a mais de dois quilômetros da escola onde estuda tem direito ao transporte, com base na lei que garante o direito aos alunos da zona rural. Para ele, porém, até a jurisprudência é insuficiente.
– Uma criança percorrer dois quilômetros na zona rural, entre vizinhos, com ar puro, é muito diferente de caminhar dentro da cidade, tendo que atravessar regiões complicadas. Essa questão no investimento no transporte tem que ser discutida. Hoje, o transporte é provido mediante processo judicial. Ou as pessoas vão se virando para pagar uma van ou largam as crianças a pé na rua – lamenta.
O PROBLEMA EM NÚMEROS
Até a tarde de ontem, a prefeitura de Caxias estimava que 197 alunos da Educação Infantil e do Ensino Fundamental estavam sem vaga ou estudando em escolas distantes de suas residência.
A assessora Thais Boss, responsável pela rede estadual na Central de Matrículas, informa que 26 alunos do Ensino Médio estão sem vaga neste ano. No Ensino Fundamental, 14 estão sem vaga e dois estudando em escolas distantes.
A ideia dos governos municipal e estadual é adequar a situação dos alunos até a próxima terça-feira, quando ocorre nova reunião com o Conselho Tutelar e o Ministério Público.
Conforme Marjorie Sasset, coordenadora do Conselho Tutelar da Macrorregião Sul, o MP vai ajuizar ações para conseguir vagas para todos os alunos que não estejam estudando na data.
O problema, porém, pode ser muito maior, já que os números consideram somente quem procura vaga ou reclama da distância das escolas: segundo Márcia de Carvalho, titular do Conselho Municipal de Educação, 12.341 alunos em idade escolar não estariam estudando em Caxias, conforme dados do Censo de 2010 e do último Censo Escolar.
No mesmo sentido, o Conselho Tutelar emitiu cerca de 5 mil notificações por alunos infrequentes no ano passado na rede pública. Parte das ausências se explicaria pela dificuldade de acesso à escola.
"Deixá-los ir a pé me preocupa"
A complexidade do problema do acesso às escolas é ilustrado pelo caso da garçonete Fabiana Machado, 38. A mãe vive no bairro Universitário e os filhos estudam na Escola Estadual de Ensino Fundamental Teodósio Rocha Netto, no São José.
A distância entre os dois pontos é de cerca de 1,6 quilômetro. Ou seja, mesmo que o transporte gratuito fosse realidade, ela não teria direito ao benefício.
Mesmo assim, ela se preocupa ao deixar os filhos voltarem para casa a pé, já que o pai das crianças, que os leva até a instituição, muitas vezes não consegue buscá-los. Até o ano passado, Aygonn, 15, e Marcela, 10, conseguiam carona, mas, há um mês, fazem a caminhada de cerca de 20 minutos sozinhos. Para a mãe, é impossível não relacionar a situação ao caso da menina Naiara.
— Me preocupa muito. Eu acompanhei o caso de perto. O meu salário é baixo, não consigo pagar uma van, seria R$ 160 para cada um — lamenta.
Ela espera conseguir uma solução nos próximos meses, caso contrário, não sabe como manterá os filhos na instituição.
— A gente paga tanto imposto... E no bairro Universitário não tem nenhuma escola. Acho que o mínimo seria ter acesso ao transporte. Com essas situação, e com o inverno chegando, não sei como vou levá-los à escola — afirma Fabiana.