A falta de educação e de cuidados com o meio ambiente, aliada à fiscalização frágil, tem transformado ruas, terrenos baldios e barrancos de Caxias do Sul em lixões. Não bastasse o depósito de resíduos orgânicos em grande quantidade, algumas vias também recebem garrafas plásticas, metal, restos de sofás, vasos sanitários e armários, além de entulhos de construção como tijolos e vidro.
No começo da Rua Olimpio Susin, entrada para o loteamento Portal da Maestra, na zona norte de Caxias, uma placa alerta: “é proibido jogar lixo”. Mas o crime ambiental pode ser observado cerca de 30 metros depois do aviso. No local, que não possui moradias próximas, as margens da via e um barranco servem para descarte ilegal de todo o tipo de lixo. O ponto está tomado de sujeira há quase uma década, conforme moradores da região.
— É tanto lixo que jogam ali que dá vergonha. As pessoas param de carro ou até veículos maiores e largam tudo barranco abaixo. Até cobertores, roupas, enfim, coisas que poderiam ser utilizadas vão parar ali. Já abordei algumas pessoas, mas sou ignorado, chamado de louco. Aí, já desisti de mudar a situação — lamenta Dionir Gonçalves Dutra, 66 anos, morador da região.
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A situação se repete em outros pontos da rua, onde móveis também foram incendiados após o descarte. O fogo, aliás, tem sido utilizado para queimar a sujeira em outros trechos da área urbana: na manhã da quinta-feira passada, pneus foram consumidos pelas chamas na Rua das Esmeraldas, no loteamento Villa-Lobos. A atitude, que causa danos ambientais, é extremamente prejudicial a saúde, assim como o chorume do lixo abandonado.
O cenário de descaso também é visto na Rua Francisco Lorenzi, no loteamento Cidade Nova. Por lá, há outra montanha de lixo e entulhos, com sobras de materiais domésticos, restos de obras, pedaços de madeira e até um sofá jogado de pernas pro ar. A reportagem tentou contato com moradores próximos, mas recebeu apenas a resposta de que pessoas de outras ruas e de outros bairros são os autores do descarte. Ou seja, ninguém se responsabiliza.
Num ponto da Rua Carlos Bianchini, no bairro Marechal Floriano, a sombra de uma árvore serve como lixeira. No local, dezenas de sacolas com lixo orgânico estavam espalhadas.
— Falta conscientização das pessoas e bom senso também. Não adianta uns cuidarem e outros fazerem errado. É a saúde de todos que está em perigo — desabafa Neusa Maria Vieira, 53, que mora há 20 anos no bairro Marechal Floriano.
Multa pode passar de R$ 600
De acordo com a Companhia de Desenvolvimento de Caxias do Sul (Codeca), existe coleta regular em todos os bairros. Porém, quando o lixo é jogado em terrenos privados, não cabe à autarquia recolher os resíduos. Ou seja, se o dono do local não for identificado, ninguém parece se responsabilizar pela limpeza do local. Por outro lado, a reportagem flagrou margens de ruas e áreas públicas tomadas há meses por entulhos sem que haja uma reação das equipes de prevenção e limpeza.
A fiscalização, conforme a prefeitura, fica a cargo da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, que com frequência atende denúncias referentes a depósitos e descartes irregulares de resíduos.
Em 2017, o setor de fiscalização ambiental lavrou 38 autos de infração e emitiu 141 notificações de advertência referentes a esses tipos de situações. Contudo, os responsáveis pelo descarte nos lixões acabam sendo beneficiados pelo anonimato, já que a fiscalização é insuficiente.
Lixo a céu aberto atrai ratos e produz doenças
Baratas, ratos, moscas, mosquitos e outros bichos são atraídos pelo chorume gerado pelo acúmulo de lixo a céu aberto. Entulhos e recipientes plásticos, inclusive, são os principais criadouros para o Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue, febre Chikungunya e do vírus Zyca.
— Lixo acumulado na rua, aliado a períodos de chuva, formam o cenário ideal para a proliferação do Aedes. A preocupação com a transmissão da dengue acaba tendo como foco os recipientes que podem acumular água, mas outras centenas de animais podem se alimentar de um ambiente sujo e transmitir as mais diversas doenças — alerta a médica veterinária da Vigilância Ambiental, setor da secretaria da Saúde de Caxias, Delvair Zortea da Silva.
Mesmo com as visitas constantes dos agentes de endemias, que passam de casa em casa para fiscalizar e orientar, ainda não foi possível criar uma cultura saudável sobre o descarte correto do lixo.
Conforme Delvair, as inspeções também são feitas em possíveis lixões encontrados pelas equipes. Os locais passam a ser monitorados e moradores próximos recebem reforço na orientação.
— O problema é cultural mesmo. A gente percebe que a coleta acontece, só que algumas pessoas ainda insistem em não dar o devido cuidado ao meio ambiente. Já presenciamos situações de pessoas largando sacos de lixo em barrancos. Aí é feito o trabalho de conscientização. Quando a população entender que o descarte correto do lixo é a melhor forma de prevenir uma doença, aí quem sabe mudem o pensamento. Mas, é realmente um trabalho de formiga.
Até a última quarta-feira, Caxias do Sul não havia registrado nenhum foco do Aedes aegypti. Em 2017, 15 focos do mosquito foram encontrados por agentes da prefeitura na cidade.
Legislação
:: Segundo a Política Municipal do Meio Ambiente, Lei Complementar Municipal 376, de 22 de dezembro de 2010, é infração ambiental depositar, dispor, descarregar, enterrar, infiltrar ou acumular no solo resíduos de qualquer natureza que alterem as condições físicas, químicas ou biológicas do meio ambiente.
:: A multa para esses casos varia de 50 a 1 milhão de VRMs (Valores de Referência Municipal). Cada VRM custa, segundo a tabela de janeiro, R$32,18. Ou seja, a multa mais leve sairá por R$ 1.609,00.
:: Proprietários de imóveis que não manterem o passeio público em perfeito estado de limpeza e drenado, permitindo que sejam, de qualquer forma, usados como depósito de resíduos, estão sujeitos a multa de 4 a 20 VRMs, ou seja, entre R$128,72 e R$643,60. O mesmo valor pode ser aplicado para quem deixar o lixo para coleta em frente ao imóvel, fora das lixeiras.