A falta de um plano de carreira nas esferas públicas, aliada aos salários baixos e a desvalorização da profissão, tornam a decisão de ser professor uma escolha cada vez mais difícil. Ao longo dos anos, o interesse pela docência no Brasil tem despencado de forma alarmante: há déficit de professores em praticamente todas as disciplinas oferecidas nos Ensino Fundamental e Médio. Para se ter uma ideia, de acordo com o Ministério da Educação, apenas 2% dos jovens têm como primeira opção no vestibular profissões diretamente relacionadas à atuação em sala de aula. No Rio Grande do Sul, o parcelamento dos salários do funcionalismo público há mais de 20 meses também tem desmotivado futuros profissionais.
Porém, enquanto as turmas de magistério e cursos de licenciatura em universidades enfrentam a carência de pessoas interessadas em seguir uma carreira de professor, há profissionais que encaram os obstáculos com brilho nos olhos e tornam-se exemplo dentro e fora da sala de aula. Em comum, eles alegam que o futuro dos alunos é a maior motivação.
No Dia do Professor, comemorado neste domingo, o Pioneiro conta a história de duas profissionais que vão além dos livros para transmitir conhecimento: Luana e Rafaela são professoras de escolas públicas de Caxias do Sul e driblam dificuldades para motivar os alunos. A dedicação de ambas já rendeu frutos que servem de inspiração para os quase 400 estudantes que passam pelas mãos delas diariamente.
RAFAELA, A FADA MADRINHA
O universo da educação sempre teve grande impacto nas decisões da professora Rafaela Beatriz Ambrozini, 37 anos, que atua com uma turma do 4º ano do Ensino Fundamental na Escola Estadual Imigrante, além de ser supervisora das turmas de Ensino Médio. Quando criança, inspirada na rotina da irmã, Deonice Ambrozini, que se preparava para atuar como docente, Rafaela já sabia que o único lugar que gostaria de estar era diante do famoso quadro-negro. Para isso, ela foi em busca de especializações e, hoje, faz pós-graduação em educação especial e inclusiva. Mas, engana-se quem pensa que a trajetória dela é semelhante a de tantos outros professores espalhados país afora. Mesmo que seu trabalho também seja de extrema relevância dentro de sala de aula, é fora deste ambiente que o comprometimento pela profissão lhe faz ser diferente.
Sensível às individualidades dos alunos, Rafaela busca através da velha e boa conversa mostrar o quanto a educação, se bem explorada, pode abrir portas para um futuro promissor. Formada há dois anos como facilitadora voluntária de círculos de paz, um projeto da Justiça Restaurativa que utiliza o diálogo para mediar conflitos, a professora se tornou referência na escola, servindo como ombro amigo diante dos problemas enfrentados por eles, principalmente, em casa.
— Eu não me vejo fazendo outra coisa. Sou feliz demais por ser professora e saber que sou responsável pela formação de valores e até mesmo do caráter do meus alunos. O que motiva, independente de tantas dificuldades, é saber que através do meu trabalho eu posso ajudar a mudar a realidade de muitos deles. Para ser professor, tem que amar o que faz — afirma.
E, essa relação de confiança rendeu, recentemente, uma história eternizada num livro infantil. Rafaela virou personagem de um enredo escrito pela aluna dela, Alice Cruz Pires, que aos 10 anos lança neste sábado, às 14h, na Feira do Livro de Caxias do Sul, a sua primeira publicação. O livro "Dois cantinhos para mim", retrata uma história verídica da autora: o drama vivido por uma criança durante o processo de separação dos pais.
— Quando eu notei que o comportamento dela estava diferente, chamei para um conversa. Desde aquele dia, tivemos diversos momentos em que ela desabafava comigo e eu, por já ter passado por um divórcio, conseguia lhe tirar toda aquela angústia através de alguns conselhos. A Alice sempre foi muito dedicada, aí quando surgiu a oportunidade dela escrever um livro, foi justamente a nossa relação que ela decidiu contar. Na hora fiquei surpresa, mas depois vi o quanto o meu trabalho ajudou ela. Isso é gratificante — conta Rafaela.
E o carinho da aluna, agora escritora, está retratado numa dedicatória feita a mão no livro entregue para a professora: Alice agradece todo o apoio e incentivo de Rafaela, além de chamá-la de fada madrinha.
LUANA, A INCENTIVADORA
Quem conhece a rotina de um professor dedicado, sabe que é praticamente impossível pedir para que ele deixe o trabalho um pouco de lado. Os livros, cadernos e agendas com a programação das aulas estão por todos os lados. Nas paredes são pendurados cartazes com algum esquema ou fórmula que não pode ser esquecido. Já as gavetas guardam trabalhos e provas de alunos para serem corrigidos.
Conviver com um ambiente assim sempre fez parte do cotidiano da família Soares: filha de uma professora, Luana Soares, 26 anos, despertou cedo para docência, porém, com o passar dos anos relutou em seguir a mesma profissão da mãe, Alba Soares. A jovem se formou em bacharelado de Ciências Biológicas e, posteriormente, decidiu cursar mais algumas disciplinas para também obter o diploma em licenciatura do mesmo curso. Só que antes de concluir a segunda graduação, Luana se inscreveu numa vaga para professora temporária numa escola pública. Na mesma semana, já estava diante de uma turma e, desde lá, não parou mais.
— Apesar de ter ficado um pouco apreensiva, desde aquele dia eu nunca mais me vi fazendo qualquer outra coisa. Pensa, eu tinha 22 anos, estava começando algo que nunca tinha feito e tive medo, mas fui na cara e na coragem e deu tudo muito certo. Sou completamente realizada na minha profissão — conta Luana, que dá aulas de biologia para 11 turmas da Escola Estadual Apolinário Alves dos Santos, sendo 10 de Ensino Médio e uma de Ensino Fundamental (ao todo, são mais de 300 alunos).
Por trabalhar com uma disciplina bastante visual, Luana esquematiza aulas bem diferentes: seguidamente os alunos colocam a mão na massa, vão para o pátio em busca de subsídios para produzirem maquetes, enfim, saem da sala de aula para atividades mais lúdicas. Com essa metodologia, focada bastante na pesquisa, a professora tem conseguido motivar os alunos, além credenciá-los a eventos internacionais.
O estudante Renan Monteiro Silva que o diga. Em novembro de 2016, à época aluno do 3º ano do Ensino Médio, ele foi selecionado para apresentar um trabalho da escola em Milão, na Itália. A pesquisa orientada pela docente envolvia a utilização do ácido fólico no período gestacional como método de prevenção aos danos causados pelo zika vírus. Com o estudo, Renan também obteve o 4º lugar da Mostraseg da Universidade de Caxias do Sul e o 1º lugar na Mostra IFtec na área de Ciências da Saúde.
— A professora Luana sempre procurou tornar o ensino interdisciplinar, mostrar nossa realidade dentro da sala ou fora. Ela ressalta essa importância do ensino para a construção do nosso eu, da cidadania. Sempre gostei de biologia e ela estimulou meu interesse, tanto que com a ajuda dela e da professora Suelen Cristina Boeck acabei trabalhando no projeto que me levou para as feiras (na Itália e no Ceará). Foi justamente por esse vínculo que busquei a Luana para ser minha orientadora no trabalho de conclusão do Ensino Médio — elogia Renan, 18 anos, que agora prepara-se para prestar vestibular de Engenharia Química na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Ver os alunos indo longe é o que motiva Luana a seguir firme na profissão.
— Tenho um orgulho enorme de ver eles conseguindo abrir tantas portas. Meu maior reconhecimento é saber que de alguma forma fui importante na trajetória dos meus alunos. Eu acredito muito na educação e faço isso com muito amor — finaliza a professora.