Passados mais de cinco meses do início do ano letivo, 69 alunos da rede municipal de Caxias do Sul ainda aguardam na fila para ter o acompanhamento de cuidadores durante as aulas. O direito é garantido por lei a estudantes com alguma condição incluída na Classificação Internacional de Doenças (CID) – como dificuldades de locomoção, alimentação e higiene, por exemplo –, mas a demanda não é atendida pela prefeitura. A maioria dos casos envolve crianças com deficiência ou algum transtorno intelectual, como o autismo.
A falta de cuidadores sobrecarrega os professores, que não estão preparados para lidar com cada caso específico, e acaba prejudicando as turmas em que os alunos especiais estão inseridos, dificultando sua inclusão. É o que acontece na Escola Municipal de Ensino Fundamental Governador Roberto Silveira, no bairro Kayser.
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A diretora da instituição, Genoveva Mariel de Quadros, conta que a escola tem 23 estudantes incluídos no Atendimento Educacional Especializado (AEE) e apenas quatro cuidadores.
– Nem todos precisam de cuidadores, é a equipe da secretaria que avalia a necessidade. Mas no nosso entendimento, precisaríamos pelo menos de sete a oito profissionais – relata.
Sem os cuidadores, a equipe diretiva e os professores acumulam funções para atender os alunos.
– A gente se desdobra, há professores que passam as horas de folga lendo sobre autismo para aprender a ajudar os alunos – exemplifica Genoveva.
A realidade de superação, porém, não consegue ocultar os problemas estruturais. Muitas vezes, as aulas têm de ser interrompidas para que o professor consiga dar a atenção individual a um aluno, conforme conta Andrea Bertassi, professora da sala de Recursos AE da instituição.
– São 23 em 400 alunos. Não parece muito, mas, para quem está aqui, é uma situação bem complexa. Para os professores, é frustrante não ter a formação específica para atuar – relata.
As dificuldades na escola se acumulam. Por lei, Andrea explica que, caso haja uma turma com aluno que necessite de cuidador e o profissional não esteja disponível, o grupo deve ser 30% menor:
– Mas na prática, isso não existe. Também há casos de crianças que não podem nem ficar junto com as outras, então é bem complicado.
Ainda assim, a equipe da escola se alegra com os resultados da inclusão dos estudantes com diferentes necessidades.
– Os alunos aprendem a respeitar, a ver o outro. Quem mais aprende são os professores e a família. É um trabalho muito grandioso que estamos fazendo. Agora, contamos com a nossa mantenedora (a Secretaria da Educação) para melhorar o trabalho – finaliza a diretora.
Responsabilidade cai sobre o Município
A diretora Genoveva Quadros revela que a falta de cuidadores foi relatada à Secretaria Municipal da Educação, que prometeu uma solução no início deste segundo semestre. Porém, ela diz entender os esforços da administração municipal.
– É uma demanda que cai no município. A lei para incluir esses alunos existe desde 1996, mas não há esforço do governo do Estado e das escolas privadas para cumprir – critica.
De acordo com a Secretaria Municipal de Educação, a dificuldade está perto de ser solucionada. A titular da pasta, Marina Matiello, afirma que uma nova licitação para contratar cuidadores já foi elaborada e está em análise pela prefeitura. A publicação do edital deve ocorrer ainda neste mês.
– Temos 261 cuidadores nas escolas do município hoje. O novo edital prevê a contratação de outros 69 profissionais, que é a demanda identificada nas escolas – afirma a secretária.
O número ainda pode variar com base na avaliação da pasta.
De acordo com informações da Central de Licitações, o edital passa por análise da Procuradoria-Geral do Município e prevê a contratação de uma empresa terceirizada para suprir os atendimentos. Hoje, a TopSul é a responsável pelos cuidadores que atuam nas escolas. Além disso, o município contrata a terceirizada CCS sem licitação, que oferece 22 profissionais para as crianças cujos pais entraram com ação na Justiça para garantir o atendimento.
"Alunos público de ninguém"
A contratação de novos cuidadores, porém, não seria suficiente para resolver os problemas de escolas que atendem estudantes que necessitam de cuidados especiais na rede pública. A equipe da Governador Roberto Silveira, por exemplo, revela que a instituição atende também a alunos com transtornos psicológicos graves, não enquadrados no serviço.
– São casos bem graves, não diagnosticados, mas alguns têm até tendências psicopáticas, que representam perigo para si e para os outros. É uma situação bem tensa que vivemos. Eu chamo de alunos 'público de ninguém' – conta a diretora Genoveva Quadros.
A secretária da Educação, Marina Mattielo, diz que os cuidadores realmente não seriam capacitados para atender esses alunos:
– Esse é papel da equipe especializada da secretaria, que avalia cada caso. Nada impede de ser criado algo a longo prazo, mas não temos como criar um mecanismo novo nesse momento, porque não é obrigatório. Agora, temos demandas legais que precisamos dar conta.