Ao adotar uma criança com o vírus HIV, o representante comercial caxiense Márcio (nome fictício), 33 anos, sabia que enfrentaria alguns obstáculos. Nada referente à legislação ou a burocracias, já que em poucos meses obteve a guarda do filho _ acelerada porque poucos candidatos assinalam a opção 'criança com doença' no cadastro de adoção. O desafio estaria relacionado ao preconceito em escolher uma criança soropositiva.
– Aprendi que quem precisa saber são poucas pessoas. Na verdade, só sabe quem mesmo obrigatoriamente precisa: a família e os professores dele, os médicos. E claro, familiares mais próximos, porque certas coisas não são boas de ouvir nem vinda dos familiares. Nem todos entendem – adianta.
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Não fosse por Márcio, o menino, hoje com cinco anos, possivelmente ainda esperaria por um lar. Isto porque no ano passado, somente quatro crianças soropositivas foram adotadas em todo país. Os dados são do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), do Conselho Nacional de Justiça. O número é ainda pior se comparado aos dois últimos anos, quando 38 menores com HIV foram retirados de abrigos. De todas os pequenos incluídos no Cadastro Nacional de Adoção, 1,3% possuíam o vírus. Sabe-se também que 85% dos candidatos a pais no país não desejam adotar portadores da doença.
– É claro que não será fácil. Quando alguém descobre que adotei uma criança com HIV, me colocam em um pedestal, me chamam de herói. Na verdade, não é assim. É o inverso. Quem merece estar neste pedestal é ele.
A decisão de Márcio em ter um filho foi tomada durante o primeiro casamento dele. A adoção aconteceu em 2011. O futuro pai preencheu a papelada entre janeiro e fevereiro, e a ligação avisando sobre o menino veio em dezembro. O histórico era triste: o bebê era filho de uma viciada em drogas e ficaria no abrigo por tempo indeterminado. Avisado sobre o vírus, Márcio teve a opção de não dar continuidade ao processo de adoção. Mas para ele, não houve dúvidas:
– Devolver ele nunca foi uma opção. Eu não teria esta opção se ele fosse meu filho de sangue, não é?
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Hoje, a criança está bem. É ativa, saudável e bastante querida. Em um novo relacionamento, Marcio acabou tendo outro filho, e os irmãos são bastante amigos, garante. A companheira soube logo que se conheceram sobre a doença do menino e encarou naturalmente a situação. Com cuidados e apoio de medicação controlada, a família não enfrentou dificuldades para matriculá-lo em um colégio particular tradicional da cidade.
– Ele tem menos apetite, em função dos efeitos colaterais dos remédios, e terá de usar a medicação para a vida toda. Mas é uma criança como outra qualquer, é bastante amável. Ele é minha responsabilidade – garante o pai.
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