O desgaste causado por anos de trabalho com salário baixo em escolas sucateadas tem desanimado professores da rede estadual de ensino. Para alguns docentes, tantos problemas são reflexo da desvalorização da educação. Essa sensação de abandono é percebida a cada greve na rede estadual: em Caxias do Sul, a adesão tem sido tímida nos últimos anos, tanto que a maior parte dos colégios consegue manter a programação realocando profissionais para suprir a lacuna dos poucos grevistas.
No decorrer da semana passada, o número de professores que cruzaram os braços até aumentou, impulsionado por estudantes que não foram para a sala de aula. Mesmo assim, o índice é pequeno: dos 1.823 docentes do Estado em Caxias, 115 haviam confirmado greve na sexta-feira, o que representa 6%.
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Diversos fatores contribuem para que o movimento não tenha adesão maciça. Mas, apesar dos motivos para esmorecer e de nem sempre as demandas solicitadas serem atendidas, os docentes seguem em sala de aula e além dela: corrigem trabalhos em casa, preparam material fora do horário e se desdobram, porque o propósito final é ensinar.
A desesperança levou Márcia Anderson a continuar o trabalho na primeira semana desta greve. Nos 16 anos em que leciona no Estado, esteve em paralisações em todos os governos estaduais.
– Na última vez, lutamos pelos nossos direitos e não recebemos. Não fomos respeitados e fomos agredidos. Fui vítima do gás (lacrimogêneo, em ato em Porto Alegre). Eu tenho medo. E, além desse medo, que não é só meu, tem a dificuldade financeira. Se paramos, ele (o governador José Ivo Sartori) corta o ponto, e a gente precisa do salário – relata a docente do Melvin Jones, no bairro Planalto.
Resignação e temor de receber menos
O receio de descontos no salário é compartilhado por muitos. Aqueles que decidiram parar já sabem que vão receber menos do que o habitual. Diretora da escola Maguary, no Universitário, Mara Regina Souza faz coro:
– Penso que o movimento está fraco, o governador disse que não tem dinheiro. E disse que vai cortar o ponto de quem fizer greve. Então vai ter mais redução, e nosso salário já está parcelado – resigna-se Mara, reforçando que todos os professores têm autonomia para decidir entrar em greve ou não.
Embora seja convocada para provocar melhorias, as paralisações têm reflexos: aulas perdidas têm de ser recuperadas, porque cada escola deve oferecer 200 dias letivos ao ano, meta da Lei de Diretrizes e Bases (LDB). Manter as portas abertas por período estendido é uma preocupação que vai além das férias: é que muitos alunos só vão para a escola graças ao transporte público, pago mediante acordo de Estado, município e União e com data para terminar.
Foi o que deixou quase todo o quadro da Ismael Chaves Barcellos, no bairro Galópolis, fora da greve. No final da semana passada, apenas uma dupla tinha decidido protestar. No ano passado, o colégio parou por dois dias. As aulas foram recuperadas em sábados, mas sem a presença dos cerca de 200 alunos que dependem do ônibus público. O colégio atende a 470 estudantes, incluindo moradores da 3ª, 5ª e 6ª léguas.
– Mas não somos favoráveis à situação que está – pondera a diretora, Giana Gioavani.
Com 32 anos de magistério, Ana Luisa Ocaña Ennes tem notado mais um motivo: o temor de perder o emprego, caso de docentes que não foram nomeados e atuam via contrato. Há ainda os que foram aprovados nas provas, mas cujo prazo para nomeação expirou. Em Caxias, dados da 4ª CRE mostram que quase metade não é concursada: de 1.823, 1.032 foram nomeados e 791 trabalham via contrato. Não há previsão de novo concurso.
Ana Luisa entrou no magistério em 1991, ano em que eclodiu greve de dois meses no governo de Alceu Collares. Naquela época, conta, era muito maior o número de professores nomeados via concurso:
– Quando são nomeados, os professores se garantem mais. Não é que tenham perdido a consciência crítica ou estejam contentes, mas a gente fica apreensivo em termo de país. É de parar e pensar, a crise como está. Tem muito desemprego.
Diferenças culturais com Porto Alegre
Com experiência no magistério de Caxias desde 1993, Solange Carvalho acredita que a greve sempre está inserida em um contexto histórico, que pode ser de movimentação ou estagnação da sociedade. Ela ainda nota diferença cultural de Caxias em relação a Porto Alegre, cidade que costuma alavancar os movimentos gaúchos. Desde 2014 Solange atua na capital, como 1ª vice-presidente do Cpers:
– No interior o pessoal ajuda a "segurar" a escola. Aqui (em Porto Alegre), o pessoal diz que é o Estado quem tem que fazer as coisas.
É muito raro um professor que consiga se manter atuando em apenas um turno. Há ainda os que se dividem entre as redes estadual, municipal e particular. Para Solange, este pode ser mais um fator a afastar um docente da greve, porque ele poderia se dedicar ao movimento em apenas um turno.
– Fazer greve não é tirar férias antecipadas, é expor que está lutando, demonstrar que está parado porque os direitos não estão sendo respeitados. Tem que levantar a bandeira, muitos se sentem amedrontados – avalia.
Na visão do sociólogo e doutor em Ciência Política João Inácio Pires Lucas, é natural que movimentos como greves comecem fortes em grandes cidades, geralmente capitais, e se alastrem aos poucos. É o que se nota em Caxias. Apesar de ser uma cidade com cerca de 500 mil habitantes, os protestos em geral levam alguns dias para se afirmarem por aqui.
Essa relação não ocorre somente com os manifestos envolvendo professores. Em 2013, por exemplo, o ato contra o aumento da passagem de ônibus, iniciado em São Paulo no dia 6 de junho, só teve reflexos em Caxias duas semanas depois, primeiro com uma caminhada de cerca de 350 pessoas e, dois dias depois, com aproximadamente 25 mil pessoas.
– É um comportamento do Brasil, as cidades do interior vão sendo incluídas em velocidade menor. Depende da força do movimento, e hoje em dia pesa muito a divulgação. Esses processos tendem a começar primeiro nas capitais e depois vão se alastrando – analisa João Inácio.