Noite de sábado, amigos sendo recebidos em casa para o jantar. O ato de receber amigos para jantar obedece a um ritual composto por algumas etapas tacitamente acordadas. São regras não explícitas que conduzem o andamento do encontro como se fossem um maestro invisível a reger o desenrolar das cenas, garantindo a manifestação do prazer de se estar compartilhando a presença humana com pessoas queridas e afinadas.
Dessa maneira, parte-se das conversinhas sobre generalidades amenas na sala, logo após a chegada dos convidados, enquanto são servidos os petiscos de aperitivo e os drinques previamente preparados, mais a água mineral (ou o suco ou o refrigerante) para o componente do casal que, esta noite, ficou responsável pela direção do carro no retorno à casa. Quem dá o tom desses momentos iniciais são as bocas do fogão, ou o timer do forno elétrico, ou o apito do forno de micro-ondas ou ainda o estalar do fogo na churrasqueira, indicando que o jantar está pronto e todos podem passar à mesa.
É quando a conversa corre solta, alegre, sem rumo, um assunto atraindo outro, a palavra passando democraticamente de voz em voz, as comidas sendo saboreadas e elogiadas (o que é sempre muito gentil da parte de quem visita e muito bem recebido pela parte que recebe), o aconchego da amizade se manifestando em toda a sua potencialidade.
É na hora da sobremesa que elas costumam aparecer. Estômagos já fartos, sentidos já amortizados pelo início do processo da digestão, o ambiente fica propício para o assalto das reminiscências. E nada melhor para auxiliar na ilustração das histórias do passado do que uma caixa repleta de fotografias! Sim, eu ainda mantenho comigo caixas velhas de sapatos recheadas de fotografias que narram pedaços de minha história de vida até o início do milênio. Depois disso, as recordações visuais são todas digitais, guardadas na memória de computadores ou em pen drives ou em dvds que jamais serão transportados à mesa para serem revividas por grupos de amigos.
Mas uma caixa de fotos em papel, nisso sim, reside um prazer profundo que, infelizmente, está sendo relegado para as teias de aranha dos ritos antigos que nos tornavam mais humanos. Uma fotografia sendo tocada, passando de mão em mão, tem o mesmo sabor de amizades cultivadas ao vivo, no compartilhar do calor das presenças. Foto digital e amizade virtual são novidades, sim. Mas, definitivamente, não são substituições.
Opinião
Marcos Kirst: nada melhor para auxiliar na ilustração das histórias do passado do que uma caixa repleta de fotografias
Uma fotografia sendo tocada, passando de mão em mão, tem o mesmo sabor de amizades cultivadas ao vivo
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