Vou desde já avisado ao leitor e à leitora (à estimada leitora, porque, às damas, sempre uma deferência a mais) que hoje vou produzir uma crônica alegórica. Alegórica porque será permeada por metáforas, o mundano cronista aqui se utilizando de figuras de linguagem escondidas nas entrelinhas do dito para tentar dizer na essência outra coisa, que não está explicitamente escrita, ao contrário dessas duas sentenças de abertura, explícitas e didáticas.
Mais do que uma crônica alegórica, o pretensioso e mundano cronista (agora revelando-se tão pretensioso quanto mundano, porque mundano todos já estavam calvos e lustrosos de saber que o era e ainda é) vai tentar produzir uma pequena fábula. Nossa crônica alegórica será, portanto, uma singela (o que em nada alivia a pretensão) fábula, uma vez que terá como protagonista um pequeno animal. Não é porque tem animal que é fábula, e nem toda a fábula exige um animal, mas essa nossa fábula o terá, e nosso protagonista será um pequeno vagalume.
Mas, calma, não se enganem com as aparências. Não desenvolvam imediatamente carinho e simpatia pelo vagalume de nossa crônica fabulosa metafórica, porque esse vagalume, não sei se diferente dos outros ou se representante da essência de todos os vagalumes, porque pouco sei da psiqêvagalumística, esse vagalume de nossa fábula não é flor que se cheire.
Esse vagalume tem o hábito de, todas as noites, sair de seu esconderijo, posicionar-se no galho mais alto de uma laranjeira e, nas noites de céu limpo e lua clara, ficar olhando para o céu na direção de Antares, uma das estrelas mais brilhantes do firmamento. E ele baba. Baba de raiva e de inveja devido à luz portentosa e sublime que Antares emite, lá do alto, inalcançável, inatingível, exuberante e bela. Ah, como o vagalume tem inveja de Antares! Tem inveja porque sabe que sua tênue e fraca luzinha jamais atingirá a intensidade, a força e a significância da luz da inatingível estrela.
E, então, o vagalume trama. Ele urde contra Antares, ele tenta atingir, desmerecer, diminuir, atacar, desqualificar Antares, movido sempre pela mais opaca inveja. Aquela mesma inveja que faz sua luz permanecer vagalumisticamente fraquinha frente à luz de Antares que, nascida para brilhar, segue luzindo, indiferente, apesar dos lamentáveis esforços do vagalume triste de nossa crônica. Ainda bem que vagalumes assim só existem em fábulas.
Opinião
Marcos Kirst: hoje vamos produzir uma crônica alegórica, uma fábula permeada por metáforas
Ainda bem que vagalumes assim só existem em fábulas
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