Daquele 1930 em que a Serra Gaúcha ganhava o primeiro colégio que formava professores, até este 2015, em que o cenário do magistério passa por problemas de má-remuneração e até agressões em protestos organizados pela classe, o Instituto Estadual de Educação Cristóvão de Mendoza resistiu. Além de resistir, orgulha. Ao completar 85 anos, o Cristóvão, como é carinhosamente chamado em Caxias do Sul, emoldura o retrato da educação no Estado. Enfrenta problemas de infraestrutura, como quase todas as escolas do Rio Grande do Sul, mas dá exemplo ao estar tão inserido na comunidade que se torna impossível desassociá-lo da história do município. Por isso, será homenageado na sessão da Câmara de Vereadores de terça-feira.
O Cristóvão foi fundado em 15 de junho de 1930 com o nome Escola Complementar de Caxias do Sul. Escolas do mesmo modelo foram instaladas também em Pelotas, Cachoeira, Passo Fundo, Alegrete e Santa Maria, sob tutela do então governador Getúlio Vargas. Em 1943, passou a se chamar Escola Normal Duque de Caxias. Até então, as aulas ocorriam no prédio onde hoje fica a Escola de Ensino Fundamental Presidente Getúlio Vargas. A mudança para o novo endereço, que ocupa praticamente uma quadra do bairro Cinquentenário, ocorreu em 1961. Mansueto de Castro Serafini Filho, duas vezes prefeito de Caxias, foi uma das pessoas que estudou nos dois prédios, inclusive concluiu o equivalente ao atual ensino médio no bairro Cinquentenário.
De acordo com relatório enviado ao conselho municipal em 1928, apresentado pelo Intendente Municipal Thomas Beltrão de Queiroz, dois anos antes da instalação do colégio, a intenção do governo era disseminar a "instrução pública, dando um golpe ao analfabetismo, um dos maiores males dos povos".
Pelo menos 85 anos depois o Cristóvão segue combatendo o analfalbetismo. O que mudou é a proporção do desafio: quase 100 professores batalham diariamente para ensinar a 1673 alunos. Eles ocupam um prédio erguido em 8,314 metros quadrados, que o torna o maior colégio construído do Estado, levando em conta seu tamanho. A imponência não fica apenas na estrutura: o Cristóvão é um dos únicos colégios estaduais da Serra a oferecer magistério, mantém banda marcial há 50 anos e serve, mensalmente, 25 mil refeições.
- Quando chego aqui cedo, pela manhã, fico imaginando todos os problemas que vou enfrentar. É um misto, na verdade. Porque junto aos problemas, há muitas alegrias. Os alunos são a alma do colégio - detalha a diretora da instituição, Fabiana Simonaggio.
Ensino normalista resiste no Cristóvão
Além de ter sido a primeira instituição de ensino a oferecer magistério em Caxias do Sul, o Cristóvão é também uma das poucas que ainda resiste no ensino normalista, como é chamado. Está entre os dois únicos colégios do município a formar professores enquanto cursam Ensino Médio. Atualmente, são 251 alunos divididos em oito turmas, maioria meninas, que frequentam aulas nos turnos da manhã e à noite. Os alunos que hoje frequentam o magistério do Cristóvão não diferem tanto daquelas jovens que percorriam as ruas centrais de Caxias na década de 30, trajadas com saia encobrindo os joelhos, de blusas brancas e gravatas com o monograma do Cristóvão. Os trajes podem ter mudado, bem como a metodologia de ensino _ mas os objetivos que movem jovens a cursarem três anos de estudos para serem professores se assemelham aos de 85 anos atrás.
- Ainda enfrentamos gente que fica surpresa e até lamenta quando contamos que escolhemos ser professoras, mas é o meu objetivo de vida, sonho com isso desde criança - conta a adolescente Estela Balardin da Silva, 15 anos.
Ao longo da caminhada, há bastante desistência. Na turma da formanda Mariana Molin dos Passos, de 16 anos, por exemplo, menos de 20 dos mais de 40 alunos que ingressaram irão terminar o curso. Assim como Estela, Mariana também lamenta os casos de agressão e desrespeito com a classe que são noticiados com frequência, ou também a necessidade de protestar para reclamar os baixos salários:
- Claro que não são todos alunos assim, mas os que são carinhosos e admiram o professor, faz com que dinheiro nenhum pague a nossa profissão.
Auditório completa aniversário de interdição
O Cristóvão é dono do maior auditório de Caxias do Sul. São 1.007 cadeiras de madeira distribuídas em um salão bonito, acarpetado, elegante. Tudo bastante refinado, exceto o fato de ninguém poder sequer pisar no auditório há dois anos. Em julho de 2013, bombeiros interditaram o espaço por medidas de segurança. As saídas de emergência são ineficazes, há problemas de fiação elétrica, e o carpete que cobre paredes também precisa ser substituído. Falta sinalização de emergência e a pintura do teto está . O investimento, segundo a diretora, é de quase R$ 54 mil. Não há previsão para investimentos. O Estado tentou resolver o impasse incluindo a escola no Plano de Necessidade de Obras (PNO), que realizaria amplas reformas em mais de mil colégios gaúchos. O PNO foi lançado em 2012 pelo governo de Tarso Genro (PT) e não decolou. Em visita a Caxias no último mês, o secretário de Educação Carlos Eduardo Vieira da Cunha afirmou que o programa foi extinto, e que escolas com projetos em estado avançado deverão ser atendidas. Por isso, o Cristóvão ficou entre os pouco mais de 100 colégios que ainda serão beneficiados.
- Temos interessados em ajudar o colégio, mas, por questão legal, não é possível investir dinheiro privado. Vamos elencar o que é mais necessário com a direção e analisar cada item elencado do projeto para pôr em prática - explica o titular da 4 Coordenaria de Educação, Paulo Périco.
Périco, inclusive, é um dos milhares de ex-alunos saudosos distribuídos por Caxias. Por isso, confidencia que há movimentação de outros estudantes que passaram pelo Cristóvão para solucionar o impasse do auditório, bem como outros problemas como piso cedido, buraco no pátio, entre outros.
- Quem vai ganhar com isso são os alunos - encerra.
Banda marcial chega aos 50 anos
Há cinco anos, o Cristóvão de Mendoza criou uma de suas maiores marcas no âmbito comunitário. Trata-se da banda Marcial do Cristóvão, que se apresenta em diversos eventos municipais e participa de competições em todo Estado. No ano passado, por exemplo, faturou o título de Campeã Estadual de Bandas pela Associação Gaúcha de Bandas, o que a habilita a participar do seleto campeonato brasileiro de bandas marciais neste ano.
Integrante da banda desde que frequentava o Ensino Médio, o metalúrgico Ivandro Gonçalves Boff, 30 anos, é quem coordena o grupo. Conta que os ensaios são semanais, e que maior parte da banda é composta por ex-alunos e pais de alunos. Dos 40 integrantes, apenas 10 são alunos.
- A banda ajuda bastante na formação. Te deixa mais desinibido, ensina a respeitar o colega, a ter disciplina. Melhora a pessoa como cidadã - define o metalúrgico e tocador de trompete nas horas vagas.
NÚMEROS E PERSONALIDADES
- O Cristóvão de Mendoza tem 1.673 alunos inscritos,
- O quadro de funcionários é formado por 97 professoras e 11 profissionais de áreas diversas,
- Possui terreno de 25 mil metros quadrados, com área construída de 8.314 metros quadrados. Portanto, é a maior escola em área construída do Estado
- O instituto possui 28 salas de aula, dois laboratórios de informática, duas bibliotecas e um ginásio
- A banda marcial do colégio completa 50 anos
- Atualmente, de forma provisória, o Cristóvão também abriga o campus de Caxias do Sul da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs)
Já passaram pelo Cristóvão, entre outros
Professores
- Luiz Felipe Scolari, ex-técnico da Seleção Brasileira
- Maria Helena Sartori, primeira-dama do Estado
Alunos
- Adenor Leonardo Bachi, o Tite, técnico de futebol
- Dom Leomar Brustolin, bispo-auxiliar de Porto Alegre
- Germano Rigotto, ex-governador do Estado
- Mansueto de Castro Serafini Filho, duas vezes prefeito de Caxias
- Mauro Pereira, deputado federal
Educação
Instituto Cristóvão de Mendoza, de Caxias do Sul, completa 85 anos
Primeiro colégio com magistério da região comemora aniversário na segunda-feira
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