Até 2030 o Brasil deve se tornar a quarta maior economia do mundo, carros elétricos devem se popularizar no país e a demanda por energia vai crescer. E muito. Pensar no que vai mudar em 15 anos pode parecer distante, mas parte do que especialistas projetam para o futuro começa a se tornar realidade. Em março, um seminário da CPFL Energia em São Paulo apresentou os resultados de dois anos debruçados em soluções. Entre elas está a exploração de redes inteligentes: quando uma unidade consumidora, como uma casa, gera energia e encaminha o excedente à rede da concessionária. Em Caxias do Sul, um prédio residencial é pioneiro nessa tecnologia. É o futuro, que começa a se tornar palpável.
No infográfico, confira todas as tendências apontadas pelos especialistas
Doze painéis fotovoltaicos instalados no alto do Residencial Mileto, no bairro Madureira, captam luz do sol e a transformam em eletricidade. O montante abastece elevadores e outras áreas comuns. Graças a um medidor bidirecional, a eletricidade que não é aproveitada retorna à rede. Isso representa crédito trocado com a RGE. Na prática, a economia é de 20% na conta de luz. Os 38 apartamentos ainda são atendidos pela concessionária.
A expectativa é de que a experiência do Mileto facilite a homologação pela RGE de outras redes inteligentes. Em 2012, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou regras para reduzir barreiras à geração distribuída de pequeno porte. A captação de luz solar não é novidade, mas a capacidade de alimentar a rede engatinha. Além do exemplo de Caxias, Bento Gonçalves conta com a tecnologia na região.
Coordenador de arquitetura da Atena Incorporações, construtora do Mileto, Fábio Mânica afirma que o consumidor não pagou a mais pela tecnologia. Ele lembra que o sistema é ecologicamente correto em relação à armazenagem do excedente em baterias, porque o líquido delas é poluente.
O sistema inteligente pode durar até 25 anos. Em média, o clima de Caxias permite captação solar de cinco horas e meia por dia.
- E ainda temos muito o que explorar. O Rio Grande do Sul tem a menor insolação do Brasil e a Alemanha, que mais produz energia solar, tem insolação abaixo da nossa - comenta Mauro Cendron, gerente comercial da Magnani Luz e Energia, responsável pela instalação e manutenção.
Poucas certezas
Ainda há dúvida de que casas inteligentes, com controles eletrônicos para diminuir o consumo em todos os cômodos, serão a maioria em 2030. Mas há certezas: a geração de energia por fontes como carvão, sol e vento terá de ser valorizada. A cidade inteligente de Masdar, em estudos dentro de Dubai (Emirados Árabes Unidos) e outra em pesquisas pela Universidade de São Paulo (USP) foram apresentadas no seminário A Energia na Cidade do Futuro, em março, como exemplos do que está por vir.
As inovações vão impor obstáculos naturais. Um dos apontados é a disponibilidade de alimentadores para veículos movidos a luz, realidade em plena operação em países como a Noruega e em testes em Campinas (SP). A aceitação da tecnologia e o aumento dos preços serão outros desafios.
O presidente da RGE, Ricardo Siufi, diz estar otimista quanto à região Sul. Ele aposta na parceria com empresas e poder público para chegar a 2030 com abastecimento pleno. Para grande parte dos empresários, investir em maquinário de baixo consumo é uma das alternativas.
Abaixo, confira como representantes de setores da economia na região veem o futuro:
:: Reomar Slaviero, coordenador do Comitê de Energia da CIC:
- Como existe preocupação com o meio ambiente, a energia hidrelétrica está sendo gerada com menor retenção de água. Mas se ocorre estiagem, se sente logo. Se compararmos com a hidrelétrica, a eólica é cara. A térmica e a fotovoltaica são alternativas que os países desenvolvidos estão olhando. E se fala em substituir energia suja pela energia limpa, em carros elétricos e, alternativas para iluminação, como o led, que é de baixo consumo. Outra preocupação é com o custo da energia e o uso da luz natural quando se constrói. Um empresário, ao adquirir uma máquina, deve pensar no consumo. Quanto às redes inteligentes, em uso na Europa, é uma saída, mas o Brasil ainda não está nesse patamar. É preciso uma política séria de interesse coletivo. Aí sim acredito que chegaremos bem em 2030. O Brasil tem água, posição solar boa e campo para instalar usinas eólicas até na Serra. Tudo isso está começando a acontecer e tem que continuar.
:: Lourenço Stangherlin, diretor do Simplás e integrante do Comitê de Energia da CIC:
- No setor do plástico, a energia elétrica representa muito na produção, temos que aquecer as máquinas para derreter o plástico. A energia chega a 30% do custo do produto. Hoje toda empresa tem assessorias, e precisamos criar as de energia. Criar gestão específica e rever o consumo, porque não há outra alternativa. Quando compramos um equipamento, é como comprar um carro. Quanto o carro anda por litro? Vamos ter que começar a fazer esse tipo de questionamento quanto à energia. Sobre as redes inteligentes, já se faz testes porque há preocupados com isso. Eu acredito nisso. E não podemos mais depender só das hidrelétricas. O governo deveria dar mais incentivos para produzirmos energia. Algumas empresas estão se preparando, substituindo equipamentos, mas ainda há muito a fazer. Não vejo a energia solar como solução a curto prazo. Fazer racionamento apenas na indústria não vai resolver, os consumidores também gastam muita energia.
:: Ivo Cansan, presidente da Movergs:
- A energia preocupa muito as empresas. Temos uma quantidade limitada disponível, e toda vez que se vai agregar tecnologia à sua empresa, depende, antes de comprar equipamento, de ver se tem energia para operá-lo. A longo prazo, a preocupação maior é o Brasil iniciar processo de recuperação. As indústrias não têm muito a fazer. A preocupação é buscar equipamentos de baixo consumo, fazer algum plano para ver qual o gargalo para aumentar a produtividade e, se for a energia, buscar alternativas. Na Suíça se pensou em montar usina com sobras de lixo do setor de móveis. Com a sobra que temos não geraríamos o suficiente, mas ajudaria. Tem algumas ideias do pessoal da Itália que esteve aqui. Está se pensando nisso, mas precisaria da união de várias indústrias. Por enquanto é apenas um diálogo. Para o futuro, a usina seria a novidade. Aí, sim, poderíamos dizer que temos uma alternativa aqui para Bento.
:: Getulio Fonseca, presidente do Simecs:
- Hoje a queima do carvão é tão limpa quanto o gás e está em discussão a queima do lixo. Em outubro passado estivemos com o prefeito na Alemanha para visitar usinas que queimam lixo. Lá é proibido enterrar o lixo, aqui a gente enterra. Eles geram energia e vendem para a cidade. Hoje temos dois caminhos: modernizar o processo, trazendo máquinas com menor consumo, como o laser, ou ser mais efetivo em termos de produtividade. Nós temos debatido sobre gerar energia aqui no RS. O custo é alto, equivalente a 10 vezes o custo nos Estados Unidos. Na Alemanha tem energia eólica, hídrica não existe. A atômica deve ser eliminada e tem o lixo, que é nova. Aqui falta incentivo público. Não adianta ter vontade e não ter dinheiro. Para a nossa região, acho que a eólica é mais confiável que a fotovoltaica.