Aprendi a passar café ainda na adolescência, quando morava em Ijuí, na Rua dos Viajantes (quem mais viajava naquela rua era eu mesmo, detentor de um bilhete permanente na classe executiva do bonde da imaginação). Não sei se já existiam as cafeteiras elétricas, mas, como não tínhamos, aprendi a esquentar a água em uma chaleira, colocar o porta-coador de plástico sobre a boca do bule, enfiar dentro um filtro de papel e, nele, despejar algumas colheres de pó de café proveniente de uma lata guardada na terceira porta à esquerda do armário na cozinha ao lado da geladeira.
Depois, era ir vertendo a água fervente devagarinho sobre o pó e observar a magia da transformação daquela argamassa preta em café, com seu aroma característico preenchendo o ambiente da casa e antecipando o prazer do fruir de uma xícara bem quentinha, especialmente no inverno, nos longos e gelados invernos da Rua dos Viajantes. Aprendi também uma dica importante: jamais inundar o filtro direto com água quente, pois isso proporcionaria um café aguado e ralo. O segredo era primeiro despejar a água devagarinho sobre o pó, apenas o suficiente para umedecê-lo e transformá-lo em uma massa compacta, pois esse pequeno truque seria o suficiente para manter ali, naquele bolo, todas as propriedades cafeinísticas que tanto apreciávamos: sabor, aroma, textura. Feito isso, aí sim, ir despejando aos poucos a água fervente e acompanhando o verter contínuo daquele fio preto de café escorrendo para dentro do bule.
Depois era levar para a mesa a fim de aquecer a família depois das refeições, junto a uma barra de chocolate, uma colher de chantilly, um cálice de licor (em noites especiais). Hoje a correria do cotidiano me faz refém das colherinhas de café granulado, que produzem café preto instantâneo diretamente na xícara. Coisa meio sem graça, se comparada ao ritual de antigamente, mas vá lá, café é café. Claro, há também a cafeteira elétrica, que simula o antigo processo manual de passar pó de café, com a vantagem de poder ser programada com antecedência e proporcionar a invasão do aroma de café passado invadindo a casa de manhã cedinho, antes mesmo de sair da cama. Não temo charme do bule e da chaleira, mas, como eu disse, café é café, e a viagem depende também da disposição interna de cada um. Saúde!
Opinião
Marcos Kirst: café é café, e a viagem depende também da disposição interna de cada um
Aprendi a passar café ainda na adolescência, quando morava em Ijuí, na Rua dos Viajantes
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