Irma Overlock cultiva um hobby solitário e até agora secreto: a costureira adora casamentos.
Ninguém ouse marcar compromisso com ela, sequer tente localizá-la nos finais de tarde de sábado. Os finais de tarde de sábado são reservados para os casamentos.
E o celular é desligado, como convém a uma dama que sabe onde está pisando.
Sábado sim, sábado também, Irma comparece a uma igreja, se aboleta discreta num banco e ansia pela cerimônia.
Não há detalhe que lhe escape, sobretudo os volumes, os cortes, as cores, os tecidos dos trajes.
A costureira também se acaba observando as expressões dos nubentes quando se encaram na igreja após meses de preparativos, segredos, esconde-escondes sobre as roupas que exibirão no grande momento.
Irma resolveu revelar seu hobby particular porque teme pela vida das noivas.
Na melhor das hipóteses, teme pela durabilidade das futuras uniões.
O caso, pois, é de utilidade pública.
- Fala logo, Irma, para de enrolar - empurram as amigas.
Irma abre o jogo:
- Noivo não pode brilhar mais que a noiva. Tenho visto com frequência preocupante os noivos exibindo trajes confeccionados com tecidos brilhantes, praticamente fosforescentes. É uma afronta às noivas, tadinhas. Reparem só na cara da noiva quando ela vê o homem que escolheu para dividir a vida igual pavão junto ao altar. É de chorar... As gurias têm razão, as fotos dos casamentos não mentem. O flash espouca sobre o noivo espetaculoso fantasiado de dourado, prateado, verde água, azul, anulando noiva, coadjuvante escondida dentro do clássico branco.
O dia que era para ser dela rui igual erosão em área invadida. Saudade do fraque preto, cinza, neutro fazendo moldura para a noiva. Pronto, falei!
- Exagerada! Deixe os rapazes brilhar, qual é o problema? - minimizam as amigas.
Irma é conservadora, não abre mão de certos ritos eternizados pela tradição.
- Noiva veste branco; noivo veste discreto. Ponto.
O atelier da costureira é testemunha do desespero da mulherada quando o grande dia do casório se aproxima.
- Não respondo por mim se meu futuro marido ousar brilhar mais do que eu - ameaçam as quase noivas.
As madrinhas concordam, sempre.
Por via das dúvidas, enquanto essa onda novidadeira estiver em cartaz, Irma tem comparecido às igrejas de óculos escuros para não ter a vista ofuscada pelos noivos perus.
Providência para 2015: não espiar mais a coluna social para não correr o risco de dar de cara com esses noivos mais vistosos do que as noivas.
Opinião
Gilberto Blume: Providência para 2015: não espiar mais a coluna social para evitar dar de cara com noivos perus
O dia que era para ser dela rui igual erosão em área invadida
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