Não há meio termo para quem trabalha em uma unidade de terapia intensiva (UTI): ou se gosta ou se odeia. Ao contrário de outros setores, os pacientes de uma UTI requerem um cuidado muito especial porque estão totalmente dependentes.
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para os 100 anos do Hospital Pompéia
Seus sinais vitais são monitorados por aparelhos com sinais sonoros durante 24 horas (e registrados pelos profissionais em planilhas a cada duas horas), recebem medicação controlada eletronicamente, alimentam-se por sonda, usam fraldas e geralmente respiram com a ajuda de aparelhos.
Por serem o espaço mais adequado para a recuperação de pacientes graves, as três UTIs do Hospital Pompéia, duas para atendimento a pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), com 20 leitos, e uma para convênios, com nove vagas, estão permanentemente lotadas. Se houvesse mais lugares, todos também estariam ocupados, reconhece o superintendente-geral do Pompéia, Francisco Ferrer:
- Os gargalos da UTI são os pacientes que chegam via pronto-socorro. O perfil assistencial e epidemiológico mudou. Basicamente, um pronto-socorro acolhe o quê? Vítimas da violência. E a violência não para de aumentar. Tentativas de homicídio, agressões domésticas, vítimas da drogadição... E temos ainda a violência do trânsito, com motoristas mal preparados, estradas mal conservadas, acidentes a todo momento. E essa gente toda vai para o pronto-socorro. E quando vem, precisa do quê? Bloco cirúrgico e UTI. Se eu colocar mais 20 leitos, certamente serão insuficientes. Além disso tudo, tem o avanço tecnológico, com as cirurgias de alta complexidade em que é necessário também prever leito de UTI para a recuperação do paciente - analisa Ferrer.
Durante as 12 horas em que circulei nas três unidades do hospital, no dia, ficaram evidentes as considerações do superintendente. Na UTI 1, por exemplo, o caso mais grave era de um jovem de 19 anos, vítima de um acidente envolvendo um caminhão e uma motocicleta em Bom Princípio. Na UTI 3, mais dois jovens recebiam cuidados: um que teve o crânio afundado por marteladas durante uma briga de trânsito e outro ferido em um acidente de carro.
Conforme o enfermeiro Ruy Barcellos, 27, coordenador de enfermagem nas UTIs, homens jovens, na faixa dos 25 aos 35 anos, em média, são maioria nas unidades que atendem o sistema público, perfil contrário ao da UTI 2, dos convênios, onde a predominância é de idosos por volta dos 60 anos.
- As UTIs são setores onde se trabalha com a alta tecnologia, mas são também muito pesados, tanto pelo trabalho em si, pela necessidade de manipular com os pacientes, quanto no sentido emocional. É um lugar onde existe um convívio diário com a doença, com a morte. É um trabalho tenso, porque lidamos com pacientes em situação muito instável. É preciso sempre estar de olho neles - conta Barcellos, há cinco anos no Pompéia.
Apesar de estarem em situação crítica, ele revela que apenas 19% dos pacientes internados não deixam a unidade com vida.
- Isso desmistifica um pouco aquilo que as pessoas dizem, de que se foi para a UTI é porque vai morrer - afirma o enfermeiro.
Mesmo assim, driblando a morte constantemente, há quem goste de trabalhar na UTI. É o caso da enfermeira baiana Thais Debon, 27. Neta de uma caxiense, Thais atua no Hospital Pompéia há uma nos e dois meses.
- Eu sempre gostei desse setor. Apesar da gravidade dos casos que cuidamos, é um ambiente acolhedor. Aqui, a gente pode contar com os melhores equipamentos e suporte técnico e profissional para atender os pacientes no que eles precisarem. Além disso, não há como não criar vínculos com o paciente e até mesmo com o familiar. O segredo de quem trabalha em uma UTI é ter empatia com o aquela pessoa que está recebendo cuidado, tratá-lo como um familiar seu - conta Thais.
Apesar de a maior parte dos pacientes estar sedado ou em coma, volta e meia é preciso correr para evitar que num ato reflexo, eles arranquem os tubos ou fios que os mantêm vivos. Num desses episódios, foram necessárias seis pessoas para segurar um homem que tentava arrancar os tubos do respirador que lhe desciam pela garganta.
- Não faça assim, seu João (nome fictício)...o senhor vai acabar se machucando...calma - pediam os profissionais.
Nos boxes ao lado e em frente, os demais funcionários seguiam calmamente sua rotina, idêntica à dos colegas do próximo plantão: conferir os sinais, aplicar medicação, sugar a secreção das vias respiratórias, trocar fraldas, limpar e aplicar hidratante nas pernas, braços e costas dos pacientes, evitando que criem feridas...
Duas vezes por dia, familiares de pacientes da UTI recebem o direito de visitá-los: das 16h às 16h30min e das 20h às 20h30min (na UTI 3, o horário é das 17h às 17h30min). Apesar do tempo reduzido, cada visitante procura aproveitar ao máximo o contato. A comunicação, no entanto, é quase sempre um monólogo. Quando o doente está consciente, geralmente não pode se comunicar porque está com entubado ou fez traqueostomia, procedimento que implanta um cano na traqueia para facilitar a respiração. Mesmo assim, eles mostram o que sentem com os olhos, com um sorriso, com lágrimas.
Para outros visitantes, resta ficar ao pé do leito, conversar com o familiar desacordado, acarinhar suas mãos, o cabelo. Em uma sala reservada, ouvi uma filha suplicar ao pai que a ouvisse, que lhe desse um sinal:
- Pai, paizinho, sou eu. Fala comigo, vim aqui só para te ver - suplicava a moça.
Para mim, foi o momento mais difícil em todos os meus meses de visitas ao Pompéia. Chorei, vivi a dor da família quem nem sequer conhecia. Como passar imune a isso?
- A gente também chora junto algumas vezes, não tem como não se emocionar com a dor do próximo, mas é preciso estar preparado, saber lidas com as emoções. E é por isso que a gente tem de valorizar os familiares quando eles estão com saúde, estão bem - confidencia a enfermeira Thais.
- É vital que se tenha muita estabilidade, saber separar a tua vida do que se vê e vive no trabalho todos os dias - acrescenta Barcellos.
O último segredo, entregam os profissionais, é gostar muito do que se faz. Tanto que ambos não se imaginam trabalhando em outros setores do Pompéia.
- A gente procura garantir a qualidade de vida, o bem estar das pessoas que estão aqui até o fim, mesmo que esse fim seja a morte - diz o enfermeiro.
- É para isso que a gente trabalha: cuidar, dispensar um minutinho de atenção, dar carinho. E fazer tudo com amor - completa Thais.
Número
Em média, as UTIs do Pompéia recebem por mês cerca de 35 pacientes. O número varia muito em função do tempo de internação e da gravidade dos casos. Casos mais graves de politraumatizados, queimados, por exemplo, ficam no mínimo 10 dias no setor. Mas há casos de pacientes que ficam vários meses na unidade. Um paciente de UTI custa, em média, R$ 1,1 mil dia ao hospital. A tabela do SUS paga aos hospitais cerca de R$ 470. No caso do Pompéia, o Estado complementa esse valor até o total de R$ 800 (ou seja, o hospital acumula uma defasagem dia por paciente de R$ 300)
Obras
Conforme o superintendente Francisco Ferrer, o hospital está em tratativas com o governo do Estado para construir uma quarta unidade de terapia intensiva. Ela teria 10 leitos, metade para o SUS, metade para convênios. O governo financiaria metade dos gastos com a construção e também com o custeio (como mais funcionários, por exemplo). Ainda não há previsão de quando as obras se iniciem.
Saúde
"O segredo de quem trabalha em uma UTI é ter empatia com aquela pessoa que está recebendo cuidado, tratá-lo como um familiar seu", conta enfermeira que trabalha na UTI do Hospital Pompéia
Apenas 19% dos pacientes internados não deixam a unidade com vida
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