Quem trabalha dentro de um bloco cirúrgico, vive em um mundo à parte. No Hospital Pompéia, esse exército fardado de verde claro, que usa protetores de tecido nos pés e toucas na cabeça, é formado por 52 pessoas entre enfermeiros e técnicos de enfermagem, além de equipe exclusiva 24 horas para higienização das 10 salas de operação.
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para os 100 anos do Hospital Pompéia
À exceção de uma pequena janela na sala dos médicos, por onde dá para ver os telhados de alguns prédios vizinhos, não dá para acompanhar a noite chegar, saber se o tempo virou lá fora. No pequeno labirinto de salas, a atenção dos profissionais está sempre centrada em um painel no corredor principal. Ali, são anotadas, no dia anterior, todas as cirurgias já marcadas (e as que precisarão ser feitas de última hora, como é o caso dos feridos que chegam do pronto-socorro, os chamados encaixes, que chegam a 30% da demanda).
Por mês, a média é de 1,2 mil procedimentos: cirurgias cardíacas, neurológicas, fraturas, ligamentos de joelho, retirada de tumores, hérnias... A pressão, revelam os funcionários, é grande. Não apenas por se trabalhar em um setor fechado. Contabiliza-se no final do dia - ou da noite - o cansaço de se passar até seis, oito horas em pé operando, as relações por vezes conflituosas entre os colegas e, por fim, os inevitáveis óbitos (quem trabalha no hospital é treinado para falar óbito em vez de morte, talvez porque esta última seja mais forte, mais impactante).
Para mim, conhecer o bloco cirúrgico do Pompéia foi mais do que mergulhar em uma aula de anatomia. Pude conhecer a fragilidade dos corpos, a carência de recursos materiais e humanos que impede que mais vidas sejam salvas. Protegida pela roupa verde, assisti a duas cirurgias de alta complexidade. A que mais mexou comigo foi uma cirurgia cardíaca, em um senhor de 68 anos, paciente do Sistema Único de Saúde.
Do lado de fora da sala nº 6, fiquei olhando o trabalho se iniciar: o ritual de colocação dos aventais azuis pelos médicos e o instrumentador, a anestesia, os bipes dos aparelhos de monitoramento, as luzes serem posicionadas, as centenas de pinças e objetos metálicos organizados sobre a mesa... Minutos depois, fui convidada pelos cirurgiões a entrar. Recebi uma explicação sobre o caso e pude me aproximar do paciente. Para quem nunca havia testemunhado uma cirurgia tão complexa, até que fiquei calma ao ver o peito do homem aberto, o coração batendo lá dentro.
- Já tinha visto um coração bater assim, ao vivo? - perguntou o médico que, sem esperar minha resposta, foi dando uma aula sobre veias, artérias, válvulas e o funcionamento do órgão à minha frente.
Debaixo dos panos azuis, espiei um pedacinho do homem deitado. Fiquei pensando nele, nas dificuldades que teve durante a vida, a longa espera de um ano para chegar à cirurgia, o que ele planejaria para o futuro assim que se recuperasse, como estaria sua família lá fora...
O cirurgião interrompe meu devaneio e avisa que o coração foi paralisado e o sangue, desviado para um complexo sistema de circulação extracorpórea, uma máquina faz o papel do pulmão, oxigenando o sangue, e do coração, bombeando-o para o corpo. O processo foi necessário para que os médicos tivessem acesso a uma das válvulas do coração.
Ao chegar à estrutura, eles perceberam que ela estava calcificada, endurecida (o normal é ser uma pelezinha bem fina e flexível), o que obrigava o coração a fazer muito mais esforço para bombear o sangue.
- Essa é a última chance dele. Estás vendo como (a válvula) está comprometida ? Isso é resultado da demora para a realização da cirurgia. Se ele tivesse de esperar ainda mais do que já esperou, talvez o nosso trabalho nem fizesse mais diferença depois - afirmou o cirurgião.
Finalizada a implantação da válvula, se iniciou um lento e delicado processo: fazer o coração voltar a bater, o sangue voltar a circular inteiramente no corpo. Felizmente, o músculo foi estimulado e respondeu bem. Segundo depois, lá estava ele, mexendo-se ritmadamente na cavidade aberta pelos cirurgiões. Após três horas e meia de trabalho, a cirurgia foi encerrada.
E enquanto terminava o trabalho dos médicos na sala nº 6, se iniciava a movimentação nos corredores. A maca, cuidadosamente arrumadinha, levaria o paciente para a unidade de terapia intensiva (UTI), onde ele começaria uma nova batalha para se recuperar.
Cada segundo, cada decisão tomada, torna-se fundamental no interior do bloco cirúrgico. Os profissionais que atuam nas 24 horas do dia no setor precisam ter precisão, capacidade técnica e saber usar o tempo e cada detalhe para interceder pelo paciente.
Sabem que não apenas que está sob seus cuidados é importante, há muitas pessoas fora daquele bloco que torcem, rezam e mantém a esperança de que tudo acabe bem, de que a palavra recuperação, esperança e vida sejam as mais pronunciadas, mesmo que no pensamento de cada integrante da equipe.
Bastidores da recuperação
A UTI não é sempre o destino dos que deixam o bloco cirúrgico. A grande maioria dos pacientes segue para a sala de recuperação, onde aguardará passar os efeitos da anestesia. Alguns, com sorte, poderão ir para casa poucas horas depois. No lado de fora dessa porta, em um corredor que também dá acesso à porta do bloco, muitas famílias fazem vigília. Querem ver seus familiares, querem saber como estão.
- Seu marido está bem. Poderá ir para casa às 21h, depois de se recuperar - diz um médico a uma jovem grávida encostada na parede.
Ela comemora. Há mais de três meses espera o marido recuperar-se de um acidente grave de carro. Já perdeu a conta de quantas idas e vindas fez de casa para o hospital:
- Que bom. Ele não vai acreditar que poderá ir para casa. Graças a Deus - desabafa ela.
Junto à porta da sala de recuperação, uma mãe espia, rosto tenso, olhar inquieto. E encontra a filha em uma maca, a poucos passos. A criança chora e é amparada pela enfermeira.
- Não fica triste, tá? A mamãe está aqui e já vem te ver - consola.
Higiene contra as infecções
As infecções são o grande bicho-papão do pós-operatório nos hospitais. É por isso que os cuidados com a higiene são tão importantes. Isso inclui não apenas restringir a circulação de quem atua no bloco, prevenindo a circulação de organismos que podem colocar a vida em risco, como manter sob vigilância a esterilização de todos os materiais que tiverem contato com o paciente.
No Pompéia, esse serviço, que fica no subsolo e é ligado diretamente ao bloco, é feito pelo Centro de Materiais e Esterilização (CME). É para lá que seguem todos os equipamentos usados no hospital, desde os usados nas cirurgias mais complexas até aqueles necessários a um simples curativo no pronto-socorro. Depois de lavados, eles são embalados e esterilizados em autoclaves, aparelhos que matam os germes por meio do vapor a alta pressão.
Saúde
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