Depois de ser eliminada nos 200 metros borboleta, na tarde de terça-feira, a nadadora Joanna Maranhão tornou-se alvo de uma enxurrada de grosserias e ofensas na internet. Os agressores pareciam convencidos de que ela tinha obrigação de conseguir um resultado muito melhor. A atleta teve de vir a público para lembrar que é uma vitoriosa: "Já busquei quatro vezes o índice olímpico para estar aqui, sou a melhor atleta do Brasil nas provas que disputo desde os 14 anos de idade. Eu me orgulho muito da minha trajetória", afirmou Joanna.
O episódio, além de demonstrar a facilidade com que o ódio brota nas redes sociais, revela uma percepção míope da realidade esportiva do país. A expectativa de medalhas é incompatível com o cacife olímpico nacional. Espera-se que o Brasil seja potência onde ele é sofrência.
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Mesmo competindo em casa e tendo avançado em investimentos desde os últimos Jogos, o melhor que o Brasil pode conseguir em 2016 é uma posição modesta no quadro de medalhas. Quem espera algo diferente é porque está iludido ou mal informado. Até hoje, a melhor colocação da delegação nacional foi um 16ª lugar, com cinco ouros e 10 pódios no total, em Atenas 2004 – tirando o 15º lugar geral em 1920, com poucos países competindo. Na edição de 2012, foram três ouros e 17 medalhas, o que garantiu a 22º posição.
Esse é o patamar do Brasil. Faz todo o sentido esperar um avanço neste ano, por se tratar do país-sede, mas essa condição não opera milagres. Ao sediar os Jogos de 2012, a Grã-Bretanha alcançou um terceiro lugar, mas era uma potência tradicional e já vinha do quarto posto na edição precedente. A Grécia, que nunca foi potência olímpica, conquistou apenas a 15ª posição em casa, em 2004. Em 2000, havia sida a 17ª colocada.
– Acho que, no Rio, vamos ter uma melhora de resultado. Ginásio lotado e motivação são importantes. Mas são mais de 200 países que vêm ganhar medalhas. Alguns investem 10 milhões onde nós investimos 200 mil – avalia Paulão, campeão olímpico pelo vôlei em 1992 e comentarista da RBS.
Até esta quinta-feira, sexto dia de competições, o Brasil somava um ouro, uma de prata e um bronze. Apesar do desânimo que se abateu sobre torcedores que esperavam mais, não é nada muito diferente do que ocorreu em anos anteriores. Em 2012, na mesma altura da competição, além do ouro e da prata, a delegação tinha um bronze a mais. Em 2008, o total era de quatro bronzes.
Cobrança sem saber a realidade
Kiko Klaser, técnico de natação do Grêmio Náutico União, entende que os investimentos feitos para tentar vitaminar o desempenho no Rio não serão milagrosas a ponto de revolucionar o esporte olímpico nacional.
– Citando algo que foi dito durante entrevista coletiva na aclimatação da seleção de natação, o que falta para o Brasil ser potência olímpica são 80 anos de cultura esportiva. Aqui só se fala na natação, por exemplo, de quatro em quatro anos. Isso faz muita falta no dia a dia, para criar uma cultura que motive as crianças para o esporte. Em outros países, é muito diferente – ressalta.
A ausência da cultura olímpica significa que o brasileiro não está aparelhado para saber o que esperar de cada modalidade – o que gera expectativas mirabolantes, como no caso de Joanna Maranhão.
– Uma cobrança fora do padrão é a pior coisa que tem para o atleta. Um nadador nosso, o André Pereira, participou do revezamento 4x200 metros. Mesmo que ele tivesse batido o recorde sul-americano, o que seria um resultado espetacular, não seria suficiente para chegar à final. Mas as pessoas não entendem isso – diz Klaser.
José Haroldo Loureiro Gomes, o Arataca, treinador-chefe da equipe de atletismo da Sogipa e diretor-técnico da Confederação Brasileira de Atletismo, acredita que um aspecto importante da questão é o fato de o país padecer de uma "monocultura do futebol". Um dos desdobramentos disso seria valorizar só o campeão, sem atentar para os bons resultados que não rendem pódio.
Arataca destaca que não é possível esperar de todas as modalidades o mesmo nível de resultados. Quando o Brasil perde pelo placar de 40 a 12 para Fiji no rúgbi, isso não é um fiasco. É um reflexo do grau de desenvolvimento do esporte em cada país.
– Temos de cobrar do futebol, do vôlei, do judô, que têm tradição e desenvolvimento. Mas como vamos cobrar do nado sincronizado e da ginástica? Quanto clubes temos no país onde essas modalidades existem? – questiona Arataca.
Pressa e pressão por resultados
Às vezes, são as próprias autoridades que deveriam ter consciência do potencial olímpico nacional que acabam por fazer projeções exageradas. Em 2012, o então ministro do esporte, Aldo Rebelo, criticou o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) por prever 15 medalhas e disse que esperava no mínimo 20. Vieram 17. Para os Jogos do Rio, foi o COB que sonhou alto. Estabeleceu como meta ficar no top 10 – posição conquistada em Londres pela Austrália, com sete ouros, 16 pratas e 12 bronzes.
Paulão acredita que esse tipo de previsão ajuda a criar na população uma esperança despropositada. Os investimentos, diz ele, melhoraram apenas nos últimos quatro ou cinco anos – direcionados à finalização de atletas, não à garimpagem de talentos –, período que ele considera insuficiente para que resultados expressivas já apareçam. A colheita, aposta, virá em Tóquio 2020.
– Estamos começando a chegar a finais de algumas modalidades. É o início de um ciclo olímpico. E agora temos equipamentos para treinar e os exemplos que recebemos no Rio. Tenho certeza de que os melhores resultados estão lá na frente. No Japão, o Brasil vai ser diferente.
*ZHESPORTES