O sonho do ouro olímpico de Mayra Aguiar recém havia escapado das mãos na semifinal diante da francesa Audrey Tcheumeo. Havia entre colegas de equipe, técnico e família, uma indignação latente. Quando a luta acabou, Antônio Carlos Pereira, o Kiko, treinador da gaúcha, esbravejou palavras impublicáveis com destino certo: a arbitragem. Por uma punição que considerou injusta, sua pupila não disputaria a final.
Passaram-se alguns minutos e o técnico, ainda de cara fechada, parecia ter se refeito da decepção. Queria injetar ânimo em sua atleta, mas não tinha acesso a ela, já que não treina a equipe brasileira. Virou-se para João Derly na arquibancada.
– Vai lá João, pra motivar ela. É importante – pediu ao bicampeão mundial que, como convidado do Ministério do Esporte, tinha acesso à área de aquecimento.
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Derly, também abalado pela derrota da menina que viu crescer nos tatames da Sogipa, obedeceu o antigo mestre. Logo depois que deixou seu assento, porém, Mayra já estava no ginásio, lado a lado com a cubana Yalennis Castillo, com quem disputaria o bronze em instantes. E Kiko viu.
Só que havia quatro setores de arquibancadas separando o treinador da atleta. Não importava. Kiko pediu licença incontáveis vezes, fez os espectadores encolherem suas pernas para dar passagem e chegou ao lado de Mayra. Falou com energia, disse que ela era melhor do que a cubana e passou orientações técnicas.
– Ela já tinha passado por essa situação em Londres, estava preparada – afirmou depois da conquista do bronze.
Pronta ou não, Mayra ainda enxugou algumas lágrimas após as palavras do Sensei. Foi o último sinal de frustração com a derrota que ocorrera 16 minutos antes. A campeã mundial de 2014 tinha a missão de conquistar a segunda medalha de bronze olímpica de sua carreira, o que não é pouco. Respirou fundo, usou as mãos para dar fortes tapas nas pernas e braços, como que para acordar, e recobrou a expressão fechada, determinada, que mostrou durante todo o dia.
Mayra estava recuperada para pisar no tatame e, depois, no pódio.
Ansiedade na torcida
O dia mais aguardado do esporte gaúcho na Olimpíada do Rio começou tão nervoso quanto terminou. Reunidos em um setor próximo ao tatame da Arena Carioca 2, uma torcida uniformizada da Sogipa, que incluía familiares da judoca, tentava conter a ansiedade.
João Derly chegou da área de aquecimento mostrando fotos de uma Mayra sisuda para dona Leila, a mãe, e Kiko, que queria saber se ela aqueceu bem. Derly respondeu que sim. Mayra estava focada.
Kiko acomodou-se para assistir à primeira luta da chave, entre a polonesa Daria Pogorzelec e a camaronesa Mballa Atangana. Havia algum temor de que a polonesa fosse a adversária das quartas de final, já que vencera Mayra em uma competição do ano passado.
– Olha o que ela fez ali, é perigosa – comentou um preocupado Kiko após alguns segundos de luta.
A estreia se aproximava e cada um tinha seu ritual de preparação. Quando Mayra entrou, com a expressão impassível que a caracteriza durante as competições, Kiko fez um discreto sinal da cruz, enquanto dona Leila massageava o pescoço do marido, Júlio, este com a mesma cara firme da filha.
Hellen, a irmã que viajara para o Rio em uma passagem relâmpago, já que tinha de voltar para trabalhar no dia seguinte, era uma pilha de nervos. Mal conseguia falar.Todo o nervosismo se dissipou em uma luta inicial tranquila contra a australiana Miranda Giambelli. Logo no começo, Mayra encaixou um golpe computado como wazari e, depois, imobilizou a adversária. A vitória veio por ippon em apenas 39 segundos de luta.A adversária das quartas de final seria a alemã Luise Mahlman, que fizera o serviço de eliminar a temida polonesa. Mas a passagem à semifinal foi dificílima.
Kiko gritava orientações com as mãos espalmadas ao lado da boca, enquanto Mayra buscava alguma brecha para encaixar um golpe. Não conseguiu. Contou com uma punição da alemã para avançar. Quando o cronômetro zerou, Kiko suspirou fundo e dona Leila resumiu o clima tenso:
– Que sufoco – comentou com familiares.Haveria um intervalo de algumas horas para recuperar os nervos para a semifinal.
Bom-humor nas provocações
Pouco antes da semifinal, um grupo de franceses, animado com Audrey Tcheumeo, trocou provocações bem-humoradas com o grupo da Sogipa, que respondia:
– Gosto muito da Tcheumeo. Acho que merece a medalha de bronze.
Judoca experiente, Tcheumeo conquistara o bronze junto com Mayra em 2012. O retrospecto dos confrontos, porém, era amplamente favorável à gaúcha, que a vencera cinco vezes em seis lutas.
A luta, mais uma vez, foi estudada. Uma punição logo no início deixou Tcheumeo na frente, mas a francesa também recebeu uma sanção logo depois. Quando o árbitro sancionou Mayra mais uma vez, Kiko e a turma da Sogipa foram à loucura. De pé, o técnico chacoalhou a grade que separa o público do tatame. Não podia acreditar na injustiça. Sob vaias fortes do público, o cronômetro zerou, decretando que o fim sonhado para o ciclo olímpico de Mayra não seria concretizado.
As lágrimas que escorriam do rosto da judoca ao deixar o tatame já não estavam lá quando entrou para garantir o lugar que lhe era de direito no pódio. O ritual pré-luta, com a fala de Kiko e os tapas "à la Cielo", surtiram efeito. Mayra dominou a cubana, pontuou com um yuko no início e foi sempre agressiva para assegurar a medalha.
Na saída do tatame, ao passar pela torcida mais fanática da Arena Carioca 2, esboçou o primeiro sorriso do dia e não se conteve. Subiu na grade para se juntar aos seus.
Àquela altura, a irmã Hellen já tinha o braço envolto sobre a mãe, e a dupla chorava mais uma conquista. Sobraram abraços em meio aos flashes dos fotógrafos, e Mayra ordenava à irmã:
– Tu não vai embora agora! Tu vai ficar! – pedido que foi atendida de imediato.
O gosto amargo de uma derrota sofrida fora dissipado mais uma vez, assim como em Londres. Mayra se transformava em uma especialista em reviravoltas relâmpago, e o roer de unhas do dia mais tenso dos gaúchos na Olimpíada tinha valido a pena. Em meio a Kiko, Hellen, Júlio, o namorado Eduardo, dona Leila e a turma da Sogipa, chegara o momento de soltar as lágrimas que Mayra engoliu para retornar ao pódio mais disputado do mundo esportivo.