Uma conversa antiga volta à pauta na região norte de Bento Gonçalves. Empresários e lideranças de três importantes roteiros turísticos debatem a unificação da Rota Encantos de Eulália, do Vale do Rio das Antas e das Cantinas Históricas. Esse projeto conta com o apoio do Sebrae, que tem intermediado encontros que ocorrem desde junho.
O turista que passa pelas três rotas encontra um fôlder que contempla 23 empreendimentos, e o caminho que leva para cada um deles. Por lá é possível perceber características que favorecem a unificação como, por exemplo, a relação de pertencimento aos locais em que estão inseridas e as ligações com a imigração italiana na região, além de estarem próximas geograficamente, ficando na região de Linha Eulália e nos distritos de Faria Lemos e Tuiuty.
Uma pesquisa encabeçada pelo Sebrae aponta que Bento recebeu mais de 1,5 milhão de turistas únicos em 2019. Em 2022, ainda com impactos da pandemia da covid-19, o número caiu para 1,165 milhão. No ano passado não foi feito o levantamento. Para 2024, os números devem sofrer alterações novamente, principalmente pela baixa enfrentada pelo setor após a tragédia climática de maio, que fechou por um período alguns estabelecimentos. Ainda não está traçada uma meta de número de visitantes para a nova rota.
Na visão do gestor de projetos de turismo do Sebrae, Emerson Monteiro, que tem participado do processo ao lado dos atrativos turísticos, as três rotas têm o potencial de auxiliar Bento Gonçalves a recuperar os números de antes da pandemia de covid-19.
— Bento Gonçalves é um destino em franco crescimento, e esta região é a que justamente tem o maior potencial de crescimento — defende Monteiro.
Para a presidente da Associação Vale do Rio das Antas, Patrícia Possamai, o objetivo de se unir é claro: fortalecer a região norte de Bento. Segundo ela, a variedade de atrativos é grande e pode ser um fator fundamental para alavancar o turismo. São vinícolas, cachaçarias, empresas de artesanato, de gastronomia, igrejas, mirantes com belas paisagens, cervejarias e diversas pousadas.
— Existiu um movimento alguns anos atrás, mas nada aconteceu. Agora, até para fortalecer as rotas do lado norte da cidade, a ideia é fazer a unificação delas, criar um nome unindo as três, para fortalecer. Não queremos mais ser como estava sendo, uma segunda opção de rota, queremos ser uma rota consolidada — almeja Patrícia.
Uma agência de comunicação será contratada para auxiliar na escolha do novo nome. A ideia é que as peculiaridades das três rotas sejam lembradas. O presidente da Rota Rural Encantos de Eulália, Gilmar Toniolo, diz que o projeto busca tornar os atrativos mais fortes no mercado turístico do município e afirmar uma marca importante.
— Nossa rota seria 90%, ou até a totalidade dela, atendida pelos proprietários. Esse vai ser um diferencial que buscamos. Seria um passeio mais de cultura e conhecimento dos nossos empreendimentos, com atendimento personalizado e com a história (da imigração). Os proprietários têm muita história para contar, vejo que seria um diferencial — destaca Toniolo.
O objetivo é que o roteiro unificado seja lançado ao mercado no Festuris, evento com mais de 35 anos de história realizado anualmente em Gramado e considerado uma das maiores feiras de negócios de turismo da América Latina — neste ano, será de 7 a 10 de novembro.
A região norte de Bento Gonçalves foi uma das mais prejudicadas pela trágica chuva de maio. É na região que fica a Ponte Ernesto Dornelles, sobre o Rio das Antas, na divisa com o município de Veranópolis, uma das áreas mais atingidas por deslizamentos de terra.
Experiências típicas nos Encantos de Eulália
Saindo da Pipa Pórtico via BR-470 no sentido Norte, o visitante percorre cerca de três quilômetros para acessar a Linha Eulália pela Rua Joaquim Toniolo. Atualmente são nove empreendimentos turísticos ligados à Rota Rural Encantos de Eulália, como pousadas, vinícolas, restaurantes e parque de aventuras.
Entre os empreendimentos está o Recanto Flores e Sabores, criado em 1992 inicialmente como uma agroindústria familiar por Ana Maria Garbin, que produzia massas e tinha no capeletti o carro-chefe. Em 2005, a família abriu as portas como restaurante e criou a marca.
Por lá, o visitante tem a oportunidade de vivenciar experiências típicas da região, como a noite italiana, também conhecida como filó italiano, que remete às reuniões antigas em uma época em que os imigrantes e descendentes iam nas casas dos amigos. A recepção é feita à luz de lampião e é conduzida por um jantar típico que conta com diversas brincadeiras.
— Recebemos com músicas típicas, apresentamos o acervo que temos local, ferramentas que os antigos usavam, a mala de garupa (por exemplo). Esse acervo nós apresentamos porque muitas pessoas viveram essa história ou têm familiares que passaram por isso, mas a grande maioria das pessoas não teve, ou não conhece — contextualiza Alexandra Garbin, filha de Ana Maria, e que administra o Recanto ao lado da mãe.
Nos meses de janeiro, fevereiro e no início de março ocorre a Vindima com o Nono e a Nona, com a colheita e pisa de uvas, além de danças e memórias. Cafés, almoços e jantares também são servidos. O Recanto é aberto para eventos externos, como casamentos, aniversários e confraternizações corporativas. Para todas as atividades é necessário agendamento prévio.
Outra atividade que encanta os visitantes é a Oficina de Capeletti, que dura aproximadamente quatro horas, e que o turista aprende a produzir a comida típica da região da Serra. O que for produzido o turista vai poder comer no almoço. Alexandra Garbin vê com bons olhos a unificação das rotas.
— Esperamos ter um aumento no fluxo de visitantes, um impacto positivo na economia local, porque a unificação é um exemplo de cooperação. Enxergamos que a integração pode gerar um benefício para todos. Temos potências separadas, que entendemos que juntando esses três roteiros conseguimos, enfim, proporcionar uma experiência mais eficiente e completa — opina Alexandra.
Tradição das vinícolas no Vale do Rio das Antas
É a proximidade com um dos rios mais conhecidos da Serra, o das Antas, que dá nome a uma importante rota turística de Bento Gonçalves. E no distrito de Tuiuty está localizada a Vinícola Cainelli, às margens da BR-470. Os primeiros vinhos da família começaram a ser produzidos ainda na década de 1880. A primeira fase do empreendimento, que chegou a contar com uma produção de 300 mil quilos de vinhedos próprios, seguiu até 1965.
Em 2012, a Cainelli reabriu as portas, com um novo contexto, se denominando uma vinícola boutique, com produção mais limitada de cerca de 40 mil garrafas por ano, e que tem foco em experiência. Atualmente são seis hectares de vinhedos, com a expectativa de expandir para mais um, além de três produtores terceirizados, que passam por um rigoroso processo para ingressarem na parceria.
— Não pensamos em expandir muito esse número de garrafas porque queremos ter total controle. A nossa ideia é cada vez mais poder transformar tudo isso em vinhedos próprios, para termos o máximo de rigor possível em cima do vinhedo. Hoje para nós é uma produção que está bem adequada, onde conseguimos acompanhar e rastrear todo o nosso processo de qualidade da maneira que necessitamos — afirma Roberto Cainelli Júnior, diretor da vinícola.
Atualmente, a Cainelli conta com diversos atrativos turísticos. Entre eles, a clássica degustação de vinho, almoço harmonizado, o passeio ao terroir, em que o visitante tem contato de perto com o solo dos vinhedos e piquenique nos vinhedos.
Além disso, outras atrações encantam os visitantes, como a do vinho dos 18 anos, em que as crianças participam com os pais das visitações e, posteriormente, fazem um desenho que se tornará o rótulo de um vinho que poderão brindar quando chegarem à maioridade. Também há o projeto vinhateiros, em que, com o auxílio de um enólogo, o turista toma as próprias decisões na hora de criar o produto.
Claro que o mês de maio apresentou diversos desafios, até pela localização da Cainelli às margens da BR-470, na ligação com Veranópolis. Mas em 2024 a vinícola está com uma média mensal de mil visitantes. Na visão do diretor da empresa, a reaproximação para a unificação das três rotas vai facilitar para o turista e será uma soma de forças, uma vez que já fazem algumas ações em conjunto.
— Estamos no norte de Bento e temos uma característica muito positiva nas três rotas. A divisão geográfica dela é muito pequena, ficamos em uma mesma área, muito próximos uns dos outros, e, pelo fato de serem três comunidades diferentes, acabamos na época fundando três roteiros. Mas as características da cultura italiana, o próprio sotaque, a questão da paisagem, do Rio das Antas, das montanhas, que trazem mais a característica desse lado do norte de Bento, é muito semelhante — finaliza o diretor.
A farta gastronomia em meio às Cantinas Históricas
A culinária é um dos atrativos que mais encantam os visitantes que vão a Bento Gonçalves. Até por isso, a rota conhecida como Cantinas Históricas, no distrito de Faria Lemos, é uma boa oportunidade para os turistas aproveitarem o que há de melhor no município. São paisagens para os vales e experiências únicas.
Nesse cenário, surgiu, no final dos anos 1990, a Cristofoli Vinhos de Família. Inicialmente, a empresa familiar funcionava somente como uma vinícola. Com o tempo, passaram a oferecer experiências gastronômicas, uma forma de cativar ainda mais os turistas. As comidas eram feitas no espaço que hoje conta com a loja do empreendimento, no porão de uma casa de pedras.
— Quem cozinhava era minha mãe e minha tia aqui na loja, que é bem a questão de porão, onde era a cantina, puxando a questão de comida e vinho. Faziam aqui, a gente servia os pratos com os nossos vinhos e espumantes da vinícola, e vimos que o pessoal que vinha para a nossa região queria essa parte de gastronomia, e não se tinha muito. Então vimos que juntar a gastronomia, a nossa tradição, a questão culinária italiana, receitas da nossa família com os vinhos seria agregar algo a mais — conta Letícia Cristofoli, enóloga e responsável pelas ações de enoturismo no empreendimento.
Há dois anos a família expandiu a atuação gastronômica e abriu um restaurante próprio. São diversas as atrações gastronômicas, indo de degustações com indicação de um sommelier, degustações harmonizadas com queijos a almoços. Mas a Cristofoli tem outro atrativo que encanta: um piquenique com um edredom debaixo dos parreirais.
Com a tragédia climática de maio, em que a região de Faria Lemos foi uma das mais afetadas, os impactos foram sentidos no empreendimento familiar. Ficaram um mês fechados, e perceberam que os turistas de outros Estados queriam auxiliar na reconstrução. A Cristofoli conta com uma média de 500 visitantes por mês. Na visão de Letícia, todos os empreendimentos se beneficiarão com o projeto em conjunto.
— É algo para crescer o todo. O que percebemos é que nossa região, o que puxamos mais não é nome do roteiro, como Vale dos Vinhedos e Caminhos de Pedra. Aqui na nossa localidade as pessoas conhecem o nome do estabelecimento, e isso se tornou muito forte — conclui Letícia.