No sachê, orgânico ou in natura, o chá é um queridinho para todas as estações do ano. Seja para a saúde ou simplesmente para aproveitá-lo após uma refeição, um lanche ou uma pausa nos afazeres. No país e consequentemente no Estado, a produção parece crescer cada vez mais, conforme percepção da Associação Brasileira do Chá (ABChá). É um setor ainda carente de números, mas se depender de quem atua há anos neste cultivo e produção na Serra, a visão é a mesma: os consumidores procuram ainda mais o produto e as novidades que surgem, como os blends (que pode conter uma mistura de frutas, ervas e folhas para um novo sabor e aroma).
É o caso dos Produtos Lilien, de Picada Café, que atua neste mercado desde 2013. O produtor Roberto Rohr, 41 anos, relata que além das diferentes variedades de chás produzidas, como erva-doce, camomila, hibisco e capim-limão, ele e a esposa, Clarice Rohr, seguem pesquisando e trazendo novos blends, como o indiano (que mistura laranja, manjericão, canela, maçã e erva-doce), por conta do interesse dos clientes. Para isso e também para as vendas, a produção do casal ultrapassou as 3 toneladas em 2023. Isso depois de terem começado com 20 mudas em 2013, quando Clarice idealizou o negócio.
— Íamos só com os chás nas feiras, e o retorno era pouco. O pessoal não reconhecia muito a coisa do orgânico e nem os chás. Mas hoje em dia está bem forte — descreve Roberto Rohr, lembrando que todos os chás da agroindústria são orgânicos.
O sucesso dos chás e blends fez com que o casal passasse a apostar também em outros produtos, como biscoitos diets, frutas secas, barras de cereal e geleias, feitas também com ervas e frutas usadas na bebida. Os produtos também são orgânicos.
— Tem lojas (que compram os chás) em todo o Rio Grande do Sul, e pela cooperativa vai muito chá para São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Os chás a cada ano têm que aumentar em 20% ou 30% a produção. Tem também o pessoal que vendemos a quilo — revela Rohr, destacando que o mais procurado ainda é o tradicional de camomila.
O aumento na produção também traz novidades para os produtores, como a venda do chá no mesmo formato do drip coffee (uma espécie de bolsa com uma dose individual, em que a água é colocada e esta bolsa funciona como um filtro).
— Mantém a qualidade no drip, até porque no sachê as máquinas não embalam o chá mais grosso, que nem esses. Queremos manter a qualidade — revela o produtor.
Para este ano, a empresa picadense prepara mais uma novidade: o lançamento de uma boutique chá em Nova Petrópolis, com espaço para venda e para consumo. Mesmo assim, o casal não vai parar de frequentar feiras como a Festa da Uva, onde ocorrem boas vendas.
Curiosidade sobre as designações
O chá original é apenas aquele feito da planta Camellia Sinensis. As misturas de ervas, flores e plantas são, na verdade, chamadas de infusões. Mesmo assim, no Brasil, o mercado de chás abrange as duas definições. Por isso, a reportagem segue com o termo genérico.
Nomenclaturas técnicas:
::: Chá: bebida que vem da planta Camellia Sinensis. A depender do tipo de processamento, resulta em seis tipos de chás: branco, amarelo, verde, vermelho (Pu Erh), oolong e preto.
::: Infusão: demais plantas, ervas ou frutos preparados em água quente.
Do cultivo às feiras
Quem também aposta em feiras para aumentar as vendas é a agricultora Ivânia de Fátima Morais, 50, e o marido Rudimar Menegol, 54. No Viveiro Viva Maria, no distrito de Vila Cristina, em Caxias do Sul, eles cultivam diferentes variedades de chás, como estévia, hortelã, arnica, menta, cidró e outras plantas. Na propriedade e em feiras as vendas são principalmente das mudas. A ideia é que o consumidor possa plantar e colher as folhas para a bebida. Claro que para quem preferir o casal também vende o produto pronto para ser preparado.
— O meu principal são as mudas. O chá tem uma boa saída. Representa 50% do meu negócio — calcula Ivânia.
Ter a propriedade para trabalhar com as plantas era um sonho dela e do marido, concretizado com o viveiro, que tem o nome em homenagem a Santa Maria e às mulheres do campo. Com a procura da bebida, a produtora conta que tenta buscar novos chás. Além destas plantas, trabalha com temperos e flores. Ivânia quer unir a saúde, sempre muito ligada aos chás, ao bem-estar, com a beleza das flores comercializadas pelo casal.
— Eu faço Ponto de Safra (feiras no centro e bairros de Caxias do Sul), vendo de casa em casa, que foi como comecei, e às vezes também saio com a caminhonete para vender — conta a produtora, que tem como destaques de venda o hortelã e o cidró, que é bastante utilizado no chimarrão.
Cultivo de chás há mais de 30 anos
O casal Lorita Festa Rossi, 71, e Roque Domingos Rossi, 73, e o filho Ismael Festa Rossi, 37, têm uma rotina semelhante com a de Ivania. Há 33 anos produzem chás que são comercializados especialmente em uma das feiras orgânicas de Porto Alegre, sempre aos sábados, na Redenção. A produção das plantas e ervas se iniciou anos depois de o casal ter chegado em Gramado. Primeiro, tentaram trabalhar com apicultura, o que dá até o nome da agroindústria familiar: Sítio Apiquários. Ao descobrir uma alergia provocada por picada da abelha e pela produção do mel não ter uma regularidade, Lorita e Roque decidiram apostar nos chás, que já eram levados à feira e tinham uma boa procura.
Nestas três décadas, o casal viu a procura sempre crescer e passou da produção de mais de 70 variedades de chás - algumas iniciadas com mudas dadas pelos próprios clientes. O que não muda neste mercado, como vê Lorita, é a procura pelos tradicionais, como o de camomila. A produção da camomila no sítio passa geralmente de 500 quilos - em 2023, o casal perdeu toda safra por conta da chuva que atingiu o município no final do ano. Mas o que chama atenção no setor é que há sempre uma variedade "da moda", como observa a agricultora:
— Uma vez, na sexta, saía algo no Globo Repórter, e o pessoal ia atrás. Agora, são mais as lives (vídeos ao vivo nas redes sociais) de algum médico que fala de alguns chás. Tem algumas coisas momentâneas, que duram uns três meses, e já passa para outro.
Na venda na feira, alguns usos diferentes também são notados, como para incensos naturais (nova moda notada por Lorita em Porto Alegre), o uso em drinks (o jambu, planta que deixa a língua dormente se mastigado, é um dos preferidos para esta combinação) ou banhos energéticos.
A feira na Capital é o principal ponto de venda da agroindústria, inclusive com ervas e plantas comercializadas in natura. O casal também fornece para casas de produtos naturais em Canela, Nova Petrópolis, Gramado, Três Coroas e Porto Alegre. Por conta da venda nestas casas, ocorre da agroindústria ser procurada para enviar o chá para clientes de outros Estados, especialmente no centro do país.
Com o tempo, o que foi aprendido e é bem controlado, em uma organizada planilha, são as quantidades que devem ser produzidas para cada uma das variedades, seja in natura ou na embalagem, em que a planta ou erva é seca e está pronta para que a bebida seja preparada. Por conta das diferentes épocas de colheitas, há alguns chás que precisam ter estoque para que não falte ao consumidor.
— Depois de tantos anos, sabemos a quantidade que tem que ser produzida para fornecer ele in natura e outra parte secar. Em geral, precisa bem mais para secar — relata Lorita.
Uma experiência
A paixão pela bebida também transformará o momento do chá em uma experiência única na Serra. A bióloga e sommelière de chás Jaqueline Roma Costa, 36, abrirá em julho um espaço do Eté Origens em Monte Belo do Sul. Jaqueline tem a Eté há seis anos, com foco em vendas online e atendimentos a cafeterias e restaurantes na região. Especializada em produzir blends com a empresa de Carlos Barbosa, a sommelière sempre imaginou construir o próprio espaço para oferecer um momento especial a visitantes.
— Meu propósito é fazer com que esse produto, que é cultivado por pequenos produtores, chegue ao consumidor de uma forma diferente, de uma forma mais rica. Então, as pessoas gostam muito das criações. O propósito da Eté é que a pessoa tenha uma experiência com aquela bebida — explica Jaqueline, lembrando que os blends são feitos com produtos orgânicos de produtores rurais da região.
Um deles, por exemplo, é a infusão alvorada, que mistura erva-mate verde, erva-mate tostada, laranja, limão-cravo, pimenta rosa e hortelã.
O ambiente, que terá loja e espaço para provar os diferentes sabores, é montado em um dos pontos altos de Monte Belo do Sul, com uma linda vista para o vale. A ideia da empreendedora, que veio do Mato Grosso para Carlos Barbosa há oito anos, é unir a bebida com alimentos e atender a grupos menores.
— Quero passar essa sensação de exclusividade, de conseguir conversar com as pessoas. O propósito não é receber e comportar muitas pessoas ao mesmo tempo. É que a pessoa vá lá, curta e fique por horas, e que saia de lá querendo voltar — conta Jaqueline.
No comércio
Assim como os produtores, comerciantes também sentem o aumento na procura por chás. No centro de Caxias do Sul, a Gran & Grano é especializada em produtos naturais e vem aumentando a oferta de ervas e plantas por conta das vendas e pedidos dos clientes.
— Foi mais a pedido dos clientes. Temos uma base de chás, sabemos os chás que mais saem, mas vimos que o nosso público começou a querer algo mais particular — conta o proprietário, Maicon Cavalli, 40.
A funcionária Cláudia de Lucena, 58, lembra que no início a loja contava mais com as variedades tradicionais, como camomila e erva-doce. As recomendações, que se espalharam pelas redes sociais, também trouxeram efeitos para o comércio, especialmente a partir de 2022.
— O nosso público está focado em buscar uma alimentação saudável, que também quer prevenir. E com a história das redes sociais, os chás entram junto disso — explica Cláudia.
Eles lembram que a marca, que tem duas unidades em Caxias, possuía espaços pequenos de chás - bem diferente do que é visto atualmente. Assim como ocorre com os produtores, os consumidores é que gostam de fazer pedidos na loja. No caso da Gran & Grano, há uma procura grande entre moradores de outras nacionalidades, como chilenos, venezuelanos e senegaleses.
— Tem muitas pessoas pedindo. Começamos com um espaço minúsculo de chás, e agora começamos a entrar bem na linha de chás e temperos. Os temperos também cresceram igual aos chás — nota Cavalli.
Por conta da quantidade ofertada e variedades, Cavalli explica que 80% dos produtos vêm de importadoras. A loja, assim, também vira distribuidora para outros comércios.
Primeira vez na festa
Mesmo com a produção de chás orgânicos na Serra, outras empresas buscam negócios na região. É o caso da Tribal Brasil, do Paraná, que em 2024 participou pela primeira vez da Festa da Uva. A marca já distribui produtos no Estado, mas busca fortalecer a presença. Desde 2006 no mercado, a empresa tem como um dos fortes a venda do chá de erva-mate para o Exterior.
— Produzimos chá de erva-mate, tanto o tostado, quanto um corte especial, que é exclusivo para mandar para fora. É um corte de chá de erva-mate verde — descreve o proprietário Amud Habanay, 51.
A marca comercializa os chás em caixas e também tem um diferencial, o sachê redondo. Parte das ervas e plantas são de produção própria, enquanto a outra parte é terceirizada, inclusive de produtores do Estado. Outros fornecedores são da Bahia, Paraná e Santa Catarina. Assim como os produtores familiares, a empresa paranaense também aposta em mais produtos para expandir o catálogo, como açúcar mascavo e erva-mate.
— Vendemos para todo o Brasil. Já tivemos representante em todo o Sul do Brasil — diz Habanay.