Há mais de 100 anos, a Aliança Cooperativa Internacional (ACI) definiu que no primeiro sábado de julho seria celebrado o Dia Internacional do Cooperativismo. Na Serra, a prática já estava há alguns anos nos primeiros passos, especialmente em Nova Petrópolis, quando imigrantes alemães criaram a primeira cooperativa de crédito da América Latina. Volta-se para o presente e estas instituições representam uma parcela importante da economia regional: atuando em cinco setores, 29 cooperativas unidas tiveram faturamento de R$ 6,5 bilhões em 2022 e alcançaram a marca de mais de 210 mil associados, conforme dados da Organização das Cooperativas do Estado do Rio Grande do Sul (Sistema Ocergs).
Ainda de acordo com o levantamento de dados, as instituições geram mais de 7,5 mil vagas de emprego - o número representa 10% do que as cooperativas têm em todo o Estado. As cooperativas da Serra estão inseridas nos ramos de agropecuária (15), crédito (5), saúde (4), transporte (3) e trabalho e produção de bens e serviços (2). Inclusive, no ano passado, as cooperativas gaúchas tiveram faturamento recorde com R$ 81,9 bilhões, superando os R$ 71,2 bilhões de 2021.
— Isso mostra a pujança, o desenvolvimento, a profissionalização e acima de tudo, essa visão de que o cooperativismo como sociedade de pessoas existe pra construir alternativas econômicas, mas sem esquecer a visão do pertencimento onde o associado é o verdadeiro dono — analisa o presidente do Sistema Ocergs, Darci Hartmann.
Segurança aos associados
Os setores de agropecuária e de crédito correspondem a 81,4% do faturamento das cooperativas na Serra, conforme o Sistema Ocergs. Uma representante destas áreas é a Cooperativa Vinícola Garibaldi, fundada em 1931 por 73 produtores de uva. Na época, o objetivo era conseguir melhores condições para a venda dos produtos. Hoje, são 450 famílias associadas, de 18 municípios da região. A instituição cresceu com a marca da segurança aos agricultores familiares que uniram-se a ela.
Como explica o presidente Oscar Ló, os associados precisam apenas preocupar-se com uma produção de qualidade. A cooperativa dá o suporte técnico, monta o planejamento aos agricultores, e, principalmente, garante o ganho financeiro. Na última safra, o grupo produziu 27 milhões de quilos de uva e teve faturamento de R$ 270 milhões.
— A união das pequenas famílias consegue torná-las grandes e ir de forma conjunta para o mercado. Outra vantagem que o associado das cooperativas tem é que tem a segurança da entrega da produção. Não precisam ficar procurando onde vão vender. A cooperativa é uma segurança para elas. Então, a preocupação do associado é produzir a uva de qualidade — declara Ló.
A busca pela segurança é um dos motivos apontados por Ló que fazem com que produtores pensem em fazer parte de cooperativas. De acordo com a Federação das Cooperativas Vinícolas do Rio Grande do Sul (Fecovinho), mais de 4 mil famílias estão associadas às cooperativas vitivinícolas da Serra, o que representa 25% da produção de todo o setor.
Na Vinícola Garibaldi, há uma escultura que representa o cooperativismo e foi trazida ao Brasil da Itália por Stefano Paternó, um dos organizadores do movimento cooperativista no Rio Grande do Sul. Datado de 1911, o elemento artístico é único, e ajuda a contar a história do movimento cooperativista vinícola no país.
União gera 10% de toda a safra gaúcha
Também em 1931, em Bento Gonçalves, foi fundada por 16 agricultores a Cooperativa Vinícola Aurora. O grupo alcança atualmente 1,1 mil cooperados de 11 municípios da Serra, responsáveis por uma safra com 60 variedades e 70,5 milhões de quilos de uva em 2023 - ou simplesmente 10% de toda a safra gaúcha. Além disso, na época da colheita, 5 mil vagas de trabalhos são geradas. O presidente da Aurora, Renê Tonello, que é cooperado da instituição desde 1980, explica que um diferencial está no papel social desempenhado pela cooperativa, o que reflete nos resultados alcançados - como a vinícola ser a líder nacional de vendas.
— Dentro das nossas ações, além da geração de emprego e renda, fomentamos para os associados o desenvolvimento de novas técnicas agrícolas, promovemos programas de estímulo e qualificação para jovens e mulheres, formação de novas lideranças e capacitações de governança e compliance — descreve Tonello.
Outro cuidado da cooperativa é a sucessão rural. Tonello, por exemplo, segue o legado do avô, Antônio Guilherme, que já era associado nos anos 1930. Além do retorno financeiro aos agricultores, o que ajuda a girar a economia, a Aurora busca retribuir às famílias com programas educacionais e que visam a um aumento da representatividade na instituição - atualmente, dentro do grupo de associados, 21% são mulheres e 14% são pessoas de até 30 anos. Para Tonello, existe a necessidade de aumentar essa representatividade:
— Por isso, temos algumas iniciativas voltadas exclusivamente para eles, como o Aprendiz Cooperativo do Campo, que ajuda na profissionalização das pequenas e médias propriedades rurais e no preparo dos filhos dos cooperados para a continuidade do trabalho na vitivinicultura, e o Aurora Mulheres Empreendedoras (AME), que reúne associadas, esposas e filhas de viticultores cooperados para encontros sobre empreendedorismo feminino e cooperativismo. Tudo isso faz parte de um grande programa, o Educa Aurora, que promove a formação contínua para todo quadro social.
Alimentando escolas com a cooperação
Como visto, o cooperativismo permite o desenvolvimento e o suporte para os associados. Isso fez com que, em 2010, a Cooperativa de Agricultores e Agroindústrias Familiares de Caxias do Sul (CAAF) passa-se a atuar nesta modalidade. O trabalho, que envolve 300 pequenos agricultores familiares de Caxias do Sul, reflete-se na produção de 100 toneladas ao mês de hortifrutigranjeiros que abastecem escolas e hospitais do Rio Grande do Sul e as Forças Armadas.
— No início era mais prático, menos burocrático organizar uma associação. Mas logo percebemos que era necessário transitarmos para uma cooperativa de agricultores e sonharmos mais alto. A CAAF surgiu em virtude de uma política pública, que preconizava que os agricultores familiares fornecessem pelo menos 30% da alimentação escolar. Isso demandava organização — relembra o gerente da cooperativa, Marcos Regelin.
Assim como em outros casos, o cooperativismo promoveu o crescimento dos agricultores e uma expansão de mercado, que vai além de Caxias. A cooperativa tem clientes hoje como o Hospital de Clínicas, de Porto Alegre, quartéis de outros pontos do Estado, como em Uruguaiana, e mais de 200 escolas públicas.
— Um agricultor ou uma ou duas famílias individualmente não conseguiriam atender satisfatoriamente, não teriam o retorno financeiro que se espera de uma função dessas — observa Regelin.
A coletividade gera esse alcance, além de assistência técnica. O próximo passo para a CAAF é iniciar um processo de compras coletivas para os agricultores.
Setor de crédito é o que mais atrai associados
Na Serra, as cooperativas de crédito são as que mais atraem novos associados. De acordo com o Sistema Ocergs, as instituições tiveram aumento de 41,1% no quadro social, ou 56,8 mil novos cooperados. Por mais que pareça que estas cooperativas ofereçam serviços semelhantes a instituições financeiras, o presidente do Conselho de Administração da Sicredi Pioneira, Tiago Schmidt, explica que o diferencial das cooperativas é que todo o recurso depositado nelas é reinvestido, de alguma forma, na comunidade:
— O que acaba potencializando o desenvolvimento econômico da região. Essa geração de impacto econômico cria outros impactos, como a economia que o sócio tem pelo fato de realizar movimentações pela cooperativa, que é muito mais em conta que determinadas instituições financeiras. Parte do resultado também é distribuído entre os associados e uma grande parte vai para o que chamamos de fundos sociais e educacionais. É um princípio do cooperativismo investir parte do resultado.
Esse investimento é transformado em programas sociais e educacionais, que desenvolvem a comunidade que a cooperativa está. Além disso, os recursos são utilizados para potencializar setores econômicos das cidades e regiões. Para Schmidt, a Sicredi - que é a cooperativa citada no início do texto - tem Caxias como um caso de sucesso. O município, com 463 mil habitantes, tem quase 65 mil associados. Parece pouco perto dos 6,5 milhões de cooperados que a instituição têm em todo o Brasil, mas é bastante, segundo o presidente, para uma cidade.
Para Schmidt, os caxienses conseguem sentir como a cooperativa de crédito gera a transformação social e está presente em eventos comunitários, como a Festa das Colheitas e a Festa da Uva. E tudo ocorre graças à origem da instituição, que é unir o capital ao trabalho. Como no início dos anos 1900, a Sicredi permite que pessoas tenham acesso a recursos para alcançar objetivos:
— Hoje, percebemos o mesmo movimento, claro com outros meios de pagamento e novas tecnologias. Mas o propósito é o mesmo e enxergamos pelo o que chamamos de ciclo virtuoso do cooperativismo. Quando uma cooperativa vai mal, por ser uma sociedade de pessoas e envolver muitas famílias, acaba sendo ruim para todos, porque muitas famílias têm vínculo com essa cooperativa. Só que quando uma cooperativa está indo bem, tá entregando o que é seu propósito, o impacto na economia é bastante grande.
Como destacado por Schmidt e embasado pelo levantamento do Sistema Ocergs, municípios gaúchos com uma presença maior de cooperativas apresentam índices melhores de educação e renda.
"Negócio com propósito"
Em constante crescimento, o Sistema Unicred atrai novos cooperados a partir do que a gerente de expansão da Unicred Integração, Michele Flores, define como "negócio com propósito". Após a pandemia, ela nota que as pessoas não buscam apenas os serviços, mas, sim, uma identificação. A cooperativa de crédito nasceu há mais de 33 anos com o mesmo propósito da Sicredi, mas em uma área diferente.
A Unicred, inicialmente, atendia profissionais da saúde que precisavam de recursos para comprar equipamentos e adquirir consultórios próprios. Com o tempo, viu-se que a cooperativa pode dar a mesma oportunidade a profissionais de outras áreas, como arquitetos e engenheiros. Hoje, com mais de 280 mil cooperados no país e R$ 23,4 bilhões em ativos, a instituição atende pessoa física e jurídica - de forma personalizada, próxima e acessível, como destaca Michele.
— Elas passaram a buscar mais do que uma instituição financeira, elas buscam algo que se identifique, que faça sentido no estilo de vida — observa Michele.
O Sistema Unicred, conforme a gerente, é a principal cooperativa de alta renda do país. A Unicred Integração, hoje, conta com mais de 16 mil cooperados, e há dois anos expande-se no Nordeste do país. Recentemente, abriu novas agências na Parnaíba (PI) e Mossoró (RN), sendo que em breve estará também em São Luís (MA) e Sobral (CE).
Desafio para cooperativa tradicional
Atuando há 44 anos em Caxias do Sul, a Coocaver passa por um desafio, como relata o diretor financeiro José Carlos Borges Vieira, o Juca. A cooperativa de motoristas autônomos, que tem cerca de 280 cooperados ativos, trabalha com revenda de combustíveis e com rádio táxi. Nos últimos anos, houve uma redução na margem de lucro do grupo por conta da concorrência, além da flutuação do preço do combustível e também do Gás Natural Veicular (GNV).
Mesmo assim, a cooperativa, que tem a revenda aberta a toda comunidade, segue auxiliando os associados. Seja num valor diferenciado de combustível ou de serviços como lavagem ou troca de óleo. Como afirma o diretor, a Coocaver "é a casa do motorista".
— O benefício que ele recebe na hora é imediato. Na hora que ele compra, ele tem o desconto — destaca Juca.
Outra situação é que a cooperativa possui um grande patrimônio, como sede campestre. As despesas saem da revenda de combustível. Até como forma de reduzi-las, Juca conta que a sede da Coocaver, próxima ao Estádio Centenário, ganhou energia solar, principalmente para funcionamento do sistema de fornecimento do GNV. A economia mensal com o sistema chega a R$ 90 mil, o que auxilia a manter a estrutura da cooperativa.
É um momento diferente em relação ao início, quando a cooperativa teve um terreno doado pelo então prefeito Mansueto Serafini, em 1989. Lá, os taxistas, que antes da instituição precisavam armazenar combustível em casa porque postos não abriam aos finais de semana, construíram a estrutura da Coocaver.
Dentro da mudança, inclusive, está o aplicativo. A rádio táxi da cooperativa tem um app próprio. Por ali, o diretor financeiro diz que o passageiro tem até mais segurança para as corridas, já que tudo fica registrado no sistema. Juca avalia que o sistema é muito seguro.
Agenda no Dia Internacional do Cooperativismo
No final de semana do Dia Internacional do Cooperativismo, cooperativas e entidades preparam uma agenda para celebrar a data e promover conhecimento sobre a alternativa econômica. Na Linha Imperial, em Nova Petrópolis, a Cassa Cooperativa celebra o dia com atividades de teatro, música, palestras, visita ao memorial do cooperativismo e apresentação de cooperativas escolares, das 9h às 17h. O local é conhecido como o berço do cooperativismo. A programação completa pode ser conferida no site da Casa Cooperativa.
Já a Jornada Coop Aurora se inicia no domingo (2), com a 1ª edição da Festa Julina, a partir das 14h, na Rua Olavo Bilac, em Bento Gonçalves - em frente à matriz da cooperativa. As vendas de alimentos e brincadeiras de São João serão revertidas para entidades sociais e cooperativas que participam do evento. A programação segue durante o mês com atividades para cooperados, como a palestra com o pesquisador e professor de pós-graduação em gestão de cooperativas Deivid Forgiani, no dia 4 de julho. Depois, no dia 11, ocorre o painel Finanças: Mitos e Verdades, em parceria com o Sicredi.