Quando uma família catarinense idealizou o Mátria Parque de Flores e o instalou em São Francisco de Paula, entre 2019 e 2021, não imaginou que empreenderia de forma tão assertiva. Em meio a tantas novidades que têm brotado no município da Região das Hortênsias, o negócio acabou reunindo, em um mesmo local, as experiências que são consideradas decisivas para o aumento expressivo no fluxo de turistas do município, que vem sendo registrado nos últimos anos: o contato com a natureza e a gastronomia. A construção em uma área de 25 hectares, iniciada em 2020, levou exatamente o período mais crítico da pandemia para ser concluída e, em novembro de 2021, o parque abriu as portas ao público cumprindo a máxima de estar na hora certa, no lugar certo.
A imensa São Chico, que antes discreta figurava no trajeto entre cidades como Gramado e Cambará do Sul, agora se consolida oficialmente como destino turístico gaúcho. Dentre 22 cidades consideradas pelo Sebrae/RS em um estudo inédito, que compara o fluxo de turistas de 2022, em um total de 22.118.744 visitas, com o fluxo de 2019, a cidade é a que teve o maior aumento: 80,67%. O sabor de encabeçar o ranking fica ainda melhor quando se verifica que apenas três municípios tiveram um aumento percentual neste quesito. A segunda colocada é Pelotas, com 80,31%, e a terceira é a também serrana Garibaldi, que bateu 22,69%.
A semeadura que floresce
O destaque para São Francisco de Paula nesta análise divulgada no início desta semana e que recorta exatamente o período pré-pandemia e pós-restrições da pandemia, não se dá por acaso. A cidade que há alguns anos vem dando atenção especial ao setor turístico conseguiu se adequar às restrições impostas pela circulação do coronavírus e entendeu rapidamente que tinha condições de atender à necessidade do turista daquele período. E tornava-se um local de oportunidades a investidores atentos à tendência dos empreendimentos em meio à natureza.
— Em abril de 2020, refizemos o Plano Municipal de Turismo após nos reunirmos com todo o trade, mais de 30 empreendimentos da cidade, para pensar no momento. Fomos a primeira cidade a fazer isso — conta a secretária municipal de Turismo, Cultura e Desporto, Vanessa Karine Spindler.
Em uma barreira sanitária criada durante o período mais crítico da pandemia, as equipes aproveitavam para entender o que motivava as visitas à cidade que passou a despertar o olhar de quem não queria se aglomerar. As visitas mais individualizadas foram o ingrediente perfeito para as rotas que valorizam a gastronomia da cidade, como o Roteiro Gastronômico do Pinhão, o Farroupilha e o da Batata.
O período também foi marcado por aumento de empreendimentos em pousadas e disponibilidade de hospedagem via Airbnb. A secretária destaca que investimentos em outras áreas, como forma de elevar a autoestima, também colaboram para um solo ainda mais fértil no campo do turismo.
Neste contexto, o Mátria foi um dos empreendimentos que (literalmente) floresceu.
— A gente sempre fala que São Chico nos escolheu. O parque foi ideia do meu sogro e seria na Itália, mas como ficou muito difícil a questão burocrática, começamos a cogitar a região da Serra gaúcha, que sempre gostamos muito. A intenção inicial era alguma cidade como Gramado ou Canela, onde o turismo estava mais aquecido, a gente não conhecia, de fato, São Chico e, numa dessas vindas à Serra, passamos em frente à propriedade que estava com uma placa gigantesca de "vende-se". Foi a primeira que visitamos, em março de 2019, e, mesmo vendo outras depois, essa chamou demais a atenção, porque tinha tudo o que precisávamos para o projeto original. Pedimos um sinal a Deus, em oração, e quando abrimos os olhos vimos muitas borboletas brancas. Dali fechamos negócio e, mesmo com desafios, desde então, tudo tem fluído muito bem — garante Ithyara Piazza, diretora administrativa e operacional do Mátria.
Ela estima que, em um ano e seis meses de atividades, mais de 150 mil pessoas já tenham visitado o parque, que dispõe de 30 jardins. Isso sem contar a área de livre acesso, na qual milhares de pessoas também circulam. Para ingressar, o valor é de R$ 119 por adulto.
O público, composto principalmente sênior e familiar, é predominantemente originário de cidades da Região Metropolitana, mas também recebe visitantes de outras partes do Brasil, que cumprem roteiro em cidades como Gramado e Canela. Para além da paisagem, a gastronomia também se destaca com três restaurantes de diferentes cardápios, além da oferta de piqueniques de luxo que podem ser adquiridos pelos visitantes.
Visando a ampliar a abrangência ao público que circula pela Serra, a diretora da Mátria afirma que o parque está projetando um espaço de aventura, que ocupará os outros 25 hectares da propriedade adquirida pela família.
Em Garibaldi, eventos ao ar livre caem no gosto do turista
É provavelmente com o padroeiro São Pedro que Garibaldi conta para, mesmo diante da instabilidade climática da Serra, apostar em tantos eventos ao ar livre. Desde a criação do Garibaldi Vintage, no ano de 2014, o turismo na cidade nunca mais foi o mesmo. O evento, que atrai tanto moradores quanto visitantes ao Centro Histórico Municipal — enaltecendo a cultura, a gastronomia e o produto símbolo da cidade, o espumante —, virou fórmula de sucesso para outras atividades inseridas no calendário oficial desde então. A mais recente, no último sábado (8), foi uma Festa Junina, que passou a integrar a proposta de uma realização de evento por mês na cidade. Outro case de sucesso é o Festival do Grostoli. Na última edição, em três dias, atraiu mais de 45 mil pessoas.
— Ficamos muito felizes em saber que estamos no caminho certo. Este crescimento, mesmo durante a pandemia, mostra como essa fórmula que encontramos, de promover eventos na cidade, é um formato que veio para ficar. Claro que não são apenas eventos que atraem, mas é o que desperta o turista a vir e aproveitar mais dias na cidade — avalia a secretária municipal de Turismo, Ana Pauline Mombach.
Ana Pauline afirma que, atualmente, o setor trabalha para fomentar o crescimento no número de empreendimentos hoteleiros, propiciando condições para aumento do tempo de estadia dos visitantes.
— Hoje, Garibaldi cresceu o tempo de estadia para quatro a sete dias e estamos trabalhando para aumentar o percentual de visitantes que permaneçam por 15 dias. Tudo isso também envolve os eventos com foco cultural, de tradição da cidade, com envolvimento da comunidade que é muito participativa — concluiu.
Caxias do Sul, cidade emissora de turistas
Com exceção das três cidades que apresentaram aumento de fluxo de turistas, todas as cidades tiveram redução. Caxias do Sul teve a menor delas, com fluxo que baixou de 1.442.096 para 1.441.552 turistas que passaram pela cidade no período entre 2019 e 2022, uma queda equivalente a 0,04%. O destaque para a cidade, porém, ficou com o fato de ser a principal emissora de turistas que visitaram os municípios considerados na análise e que têm gaúchos como público predominante.
Do fluxo de 13.066.389 turistas provenientes do RS, contabilizados na análise, 1.722.762 tiveram origem em Caxias do Sul, cidade que dispõe de aeroporto e que recebe 30 voos por semana, provenientes de Guarulhos, São Paulo, Campinas e Rio de Janeiro, de aeroportos que dispõem de conexões com voos nacionais e internacionais.
Viajantes caxienses como Neura Menegon, 52, também são contabilizados no levantamento. A moradora, que já tem o deslocamento como regra na profissão que exerce, de representante comercial, aproveita os períodos de férias, feriados e folgas para turistar.
— A minha vida é uma viagem! Como turista, viajo há pelo menos 25 anos. Cada vez é uma nova experiência, com pessoas que a gente conhece e acaba criando até amizade. Eu amo viajar, é uma das prioridades da minha vida — afirma Neura.
A trabalho, ela circula pelo RS e, sempre que possível, aproveita as férias para visitar destinos nacionais e internacionais. Nos feriados menores, acaba buscando destinos mais regionais, os quais também usufruiu com frequência no período da pandemia. Conforme a análise do Sebrae, o público feminino representa 43,63% do fluxo nas cidades elencadas.
A faixa de 50 a 59 anos se equivale a 20,57% dos turistas que passam por elas. A faixa etária predominante é a dos 30 aos 39 anos, que representa 26,94%, ficando perto da de 40 a 49 anos, que representa 25,39%.
A segunda maior cidade do Estado, como emissora, ficou à frente da Capital, Porto Alegre, que aparece em segundo lugar na lista, sendo cidade de origem de 1.342.630 pessoas que visitaram as cidades analisadas pelo Sebrae.
— Escolhemos cidades consideradas indutoras de fluxo turístico e as que possuem aeroportos, porque nossa ideia é trabalhar na competitividade do RS como destino nacional — afirma Amanda Paim, que coordenou o estudo.
Para evitar o chamado "efeito pêndulo", foram excluídas cidades em raio de 70 quilômetros dos municípios pesquisados - à exceção de Caxias, que entrou na análise devido ao aeroporto. Os dados foram contabilizados a partir da captação de antenas e utilização de celulares, e que não contêm dados pessoais, assim como a base do Censo 2022 do IBGE.
Os dados apresentados pelo Sebrae também revelam o perfil do turista, o tempo de permanência médio e a origem dos visitantes que pernoitam em cidades como Porto Alegre, Gramado e Bento Gonçalves. Em Bento, por exemplo, a maioria dos visitantes que se hospedam na cidade é "emitida" por Porto Alegre.
A análise inclui os municípios serranos de Cambará do Sul, Nova Petrópolis, Canela e Gramado; além de Erechim, Lajeado, Novo Hamburgo, Passo Fundo, Rio Grande, Santana do Livramento, São Miguel das Missões, Santa Maria, Santo Ângelo, Santa Cruz do Sul, Torres e Uruguaiana.
Foi considerada "turista" qualquer pessoa que tenha se deslocado a uma outra cidade, com a finalidade de momentos de lazer e permanência de mais de três horas.
CONFIRA ALGUNS DADOS DA PESQUISA (Nº de turistas)
Cidades da Serra 2019 2022 Variação percentual
Bento Gonçalves 1.538.267 1.165.807 -24,21%
Cambará do Sul 273.023 189.114 -30,73%
Canela 1.420.006 961.584 -32,28%
Caxias do Sul 1.442.096 1.441.552 -0,04%
Garibaldi 538.599 660.794 22,69%
Gramado 3.136.815 2.294.267 -26,86%
Nova Petrópolis 1.206.499 976.999 -19,02%
São Francisco de Paula 704.873 1.273.482 80,67%
Percentual de turistas por região de onde são provenientes (na pesquisa)
Sul 82,45%
Sudeste 90,4%
Centro-Oeste 4,88%
Nordeste 2,45%
Norte 1,18%
PERFIL DO TURISTA
:: Número de cidades visitadas
40,05% visitou uma cidade
31,89% visitou duas cidades
28,05% visitou três cidades ou mais
:: Classe social
A = 0,59%
B = 2,78%
C = 18,32%
D = 55,57%
E = 22,74%
:: Permanência
1 a 3 noites = 76,85%
4 a 7 noites = 17,15%
8 a 14 noites = 4,68%
Mais de 15 noites = 1,32%
:: Gênero
Feminino = 43,63%
Masculino = 56,37%
:: Faixa etária
18 a 29 anos = 13,16%
30 a 39 anos = 26,94%
40 a 49 anos = 25,39%
50 a 59 anos = 20,57%
Mais de 60 anos = 13,94%
Fonte: pesquisa Análise de Fluxo Turístico 2022, feita pelo Sebrae e Secretaria de Turismo do RS