Há tempos que as redes sociais deixaram de ser um ambiente apenas para compartilhar fotos e vídeos com familiares e amigos. Plataformas como Instagram, TikTok e YouTube se tornaram ferramenta de trabalho. Assim, a atividade de influenciador digital tem atraído cada vez mais pessoas, das mais variadas idades e com conteúdos para os mais diversos nichos. Para além dos chamados "recebidos" (mimos e presentes dados pelas empresas) e permutas com marcas, a presença nestes espaços virtuais gera dinheiro na conta bancária de muita gente.
Para se ter dimensão deste universo, no ano passado, a Nielsen, multinacional de informações, dados e medição, revelou que o Brasil tem 500 mil pessoas criadoras de conteúdo com mais de 10 mil seguidores no Instagram. O número é superior ao total de cirurgiões-dentistas ativos (391 mil) e arquitetos e urbanistas (220 mil) no país, conforme dados dos conselhos nacionais das duas profissões.
São pessoas, muitas vezes com vidas comuns, que atraem seguidores ao compartilharem dicas, serviços e dividirem parte das rotinas e conhecimentos sobre determinados assuntos. Ao mesmo tempo, se transformam em vitrines para pequenas e grandes empresas. Mas, afinal, o que é ser um influenciador? Para consultor de marketing digital, escritor, palestrante e professor Rafael Terra, a influência digital tem a ver com gerar confiança e transformações.
Costumo dizer que o ser humano é perdido e, desde sempre, precisamos de um modelo de confiança, seja em bandas, políticos, religiosos, etc. O influenciador entra nessa jogada, criando confiança sobre alguma coisa
RAFAEL TERRA
Consultor de marketing digital, escritor, palestrante e professor
— Eu costumo dizer que o ser humano é perdido e, desde sempre, precisamos de um modelo de confiança, seja em bandas, políticos, religiosos, etc. O influenciador entra nessa jogada, criando confiança sobre alguma coisa. Além disso, digo que influência é também sobre geração de pequenas transformações na vida pessoas. E o que seria isso? Um influenciador que faz um vídeo e me faz rir, mudando o meu status de humor, um outro que dá uma dica de roupa, me fornecendo uma consultoria... — explica o especialista, que recentemente lançou o livro Autoridade Digital.
Terra acrescenta que o que faz as pessoas seguirem determinados perfis são necessidades momentâneas. Além disso, segundo ele, o seguidor leva em consideração se o influenciador tem valores e crenças similares aos seus.
— As pessoas estão sempre em busca de mais, seja mais conhecimento, mais prazer ou mais felicidade. O principal canal para essa busca, hoje, é a internet. Então, no Google, no Instagram, no YouTube ou no TikTok encontramos modelos que têm um lifestyle (estilo de vida) ou que se posicionam como autoridades em determinados assuntos. Por isso os seguimos, porque eles têm, naquele momento, algo para nos suprir — defende.
Já o coordenador do curso de Jornalismo do Centro Universitário da Serra Gaúcha (FSG), Felipe Gue Martini, avalia que no passado as discussões públicas estavam restritas aos meios tradicionais, como a televisão e o rádio, espaços bastante disputados para quem queria estar em evidência. Com o surgimento da web 2.0, com a participação ativa do usuário, houve o que ele chama de midiatização do sujeito comum. Martini também entende que as próprias plataformas são desenhadas para que exista a criação e o consumo de conteúdos, o que contribui para o surgimento de influenciadores digitais:
— A rede é desenhada para que tenhamos o desejo de nos tornamos visíveis — analisa.
Das dicas espontâneas ao empreendedorismo
Um projeto digital que começou em 2017 para valorizar o lazer e a gastronomia de Caxias do Sul se transformou em um negócio e, atualmente, é a principal aposta de carreira da relações públicas Rafaela Grolli, 26 anos. Ela é quem comanda sozinha a página Fica Dica Caxias, que tem mais de 31 mil seguidores no Instagram e se tornou referência na cidade para quem busca sugestões de lugares para comer e se divertir.
As publicações no Insta se iniciaram de forma espontânea e inspirada em uma página similar de Campo Grande (Mato Grosso do Sul). Rafaela e a amiga Francieli Bombassaro gostavam de conhecer lugares novos e, a cada visita positiva, compartilhavam a experiência no perfil, sem ganhar nada em troca. Uma iniciativa para valorizar o que há de bom em Caxias e pode ser apreciado por moradores e turistas.
— A cidade vinha com um estereótipo de que não se tinha nada para fazer, era uma dor que Caxias tinha e trouxemos o Fica Dica em prol disso. E aí foi um crescimento orgânico muito rápido, em um ano tínhamos 10 mil seguidores. A demanda começou a crescer e vimos que podíamos fazer disso um trabalho. Começamos a monetizar o perfil em 2020 — conta Rafaela, detalhando que, com a mudança da amiga para Curitiba, assumiu a página sozinha.
A crescente demanda de divulgações e o sucesso entre os seguidores fizeram com que Rafaela largasse, há alguns meses, o emprego de cinco anos em um escritório para se dedicar somente aos trabalhos nas redes sociais. Um ato, adjetivado por muitos como corajoso, tem dado bastante certo, segundo ela. A influenciadora conta que hoje toda a página gera lucros, ou seja, todas as publicações são pagas e a cartela de clientes fixos para este mês, por exemplo, está em 16. Os segmentos também se ampliaram, com divulgações de lojas de roupas, produtos para casa, entre outros empreendimentos.
E para quem está curioso, a Rafa, como é mais conhecida, esclarece: é possível tirar uma remuneração igual (ou até superior) a cinco dígitos como influenciador digital. Mas o caminho até tornar a página um negócio e poder viver das divulgações, contudo, não foi tão simples como pode parecer. Foi uma decisão planejada financeiramente e construída ao longo de anos, a partir da confiança e dos vínculos com os seguidores.
— Acho que vai muito da forma com que você vê o teu trabalho. Tem influenciadores que cobram R$ 100, tem os que cobram R$ 1.000, isso é muito da perspectiva de si. Eu tenho uma graduação, tenho conhecimento na área, isso tudo agrega no conteúdo final — acredita a relações públicas.
Agora, a Rafa, como muitos empreendedores, acaba absorvendo todas as demandas do próprio negócio, desde o setor financeiro até a edição dos conteúdos que chegam até o feed dos seguidores. Por isso, como próximo passo, pretende contratar um assistente para lidar com a parte mais burocrática do trabalho, enquanto ela foca nas visitas e produção de material digital dos clientes.
Mais de 440 mil acompanham a família Kaiser
A jornalista e professora de Inglês de Caxias do Sul Michele Kaiser, 40, foi uma das precursoras da Serra quando o assunto é compartilhar as vivências da maternidade e o cotidiano familiar em um blog. Em 2013, durante a gestação trigemelar dos meninos Matheus, Murilo e Marcelo, nove anos, ela decidiu dividir com outras famílias as suas experiências, a rotina e os anseios na criação de quatro filhos — Michele e o marido, o dentista Maurício Kaiser, 44, também são pais de Mônica, a primogênita da família, que nasceu em 2011.
Hoje, quase 10 anos e muita evolução digital depois, o site pessoal Os Trigêmeos da Michele se transformou em um grande acervo de memórias dos Kaiser, dando lugar para a criação de conteúdos em outras ferramentas, como Instagram, YouTube, Facebook e TikTok, os quais, juntos, contabilizam mais de 440 mil seguidores. As postagens, principalmente no Insta e no canal de vídeos, correspondem a uma fatia dos rendimentos da família caxiense.
Michele lembra que começou a ganhar algum lucro com a presença digital a partir do crescimento do blog — após a divulgação de uma reportagem no portal G1 em 2014 — e também com a inserção constante de vídeos no canal do YouTube em meados de 2015. Mas ter retorno financeiro com os meios virtuais nunca foi o objetivo final da jornalista. Na realidade, como Michele pondera, os ganhos foram resultado de um trabalho consistente, sincero e frequente na internet, algo pouco comum no universo materno, à época, na percepção dela.
— O grande objetivo era ajudar outras pessoas, porque, quando eu estava grávida dos trigêmeos, encontrei alguns blogs onde pessoas relatavam experiências da gravidez, mas nunca encontrei detalhes do pós-parto. Acho que as mães ficavam sem condições de atualizar depois que as crianças nasciam. Lembro que na época prometi a mim mesma que depois que os meninos nascessem eu ia continuar, não ia parar. E acho que a parte financeira foi uma consequência disso — destaca a jornalista.
Já que somos chamados de influencers, temos que influenciar de uma forma positiva
MICHELE KAISER
Jornalista, professora de Inglês e influenciadora digital
A dinâmica familiar dos Kaiser atraiu o olhar de grandes marcas ao longo dos anos e rendeu ganhos por meio de cliques no blog e no canal de vídeos. Embora hoje as páginas somem um número considerável de seguidores, Michele diz que as redes sociais não são a principal fonte de renda da família. O que entra, por meio de permutas e contratos com empresas de brinquedos, gastronomia e lazer, por exemplo, é visto como um extra e uma parcela é direcionada à conta bancária das crianças.
Também há uma preocupação quanto aos clientes divulgados nas redes sociais. A jornalista conta que já chegou a recusar parcerias por não acreditar ou não ser consumidora de determinados produtos.
— Sei que tenho um papel importante na opinião das pessoas. Já que somos chamados de influencers, temos que influenciar de uma forma positiva — conclui.
Sorte no amor e nos negócios
Juntos, os moradores de Bento Gonçalves Carla Cogorni, 44, e Ricardo Vieira, 40, somam mais de 57 mil seguidores no Instagram. A rede social se tornou o carro-chefe da carreira dela e uma atividade extra lucrativa para ele. Em perfis separados, o casal de advogados compartilha o estilo de vida, experiências gastronômicas, passeios, treinos, entre outras vivências em família ou de forma individual.
Fascinada desde sempre pela internet, foi Carla quem deu o pontapé inicial na carreira de influenciadora digital há 11 anos, época em que o termo sequer existia. Ela lembra que começou fazendo divulgações pelo Facebook de um empreendimento próprio, uma clínica.
— Eu não tinha condições financeiras de bancar o marketing, contratar uma empresa para fazer propaganda. Então, comecei a fazer sozinha. Essa propaganda que eu fazia rendia muito movimento, enchia a clínica. Fui pegando essa habilidade. Só que teve um momento que eu tive que me desfazer dessa empresa e ficou um vazio. Comecei a divulgar outras empresas que eu ia, bem natural, de forma espontânea. Com o tempo, essas empresas começaram a querer trocar produtos, fazer permutas — recorda-se Carla, que, logo depois, começou a receber propostas mais consistentes, com contratos de trabalho.
Formada em advocacia, ela atuou em um período em um escritório, mas foi no trabalho com as redes sociais que ela viu a conta bancária deslanchar, encontrou uma paixão e conseguiu acompanhar de perto o crescimento da filha Laura. Carla comenta que chega a atender até 12 clientes semanais, entre contratos fixos e divulgações pontuais. Com as fotos e vídeos postados, ela também consegue diluir os gastos com mercado, combustível e vestuário.
— Estou lotada, tenho fila de espera (de clientes) e considero que estou cobrando bem. Tenho empresa que faço (divulgações) toda semana há quatro, cinco anos. É uma coisa que me gratifica demais, porque se me chamam é porque dá resultado. Tenho o maior orgulho de dizer que todas as minhas contas são pagas e tudo que tenho guardado é de digital influencer — aponta.
Carla explica que não foca em um segmento em suas divulgações. Ela acredita que a vida da mulher é "ampla", por isso, atende desde oficinas mecânicas, a restaurantes e lojas de roupas, por exemplo. Naturalmente, a exposição do cotidiano familiar nas redes dela e a própria personalidade carismática de Ricardo atraíram olhares de marcas para ele. Hoje, o advogado tem seus próprios clientes e também é acionado para fazer divulgações com a companheira. Ao contrário da esposa, Ricardo mantém o trabalho na área de advocacia, é procurador do município de Charqueadas e professor. Uma rotina por vezes exaustiva, mas que é encarada de forma leve, principalmente no ambiente digital.
Antes tínhamos muita permuta; hoje, são mais contratos com valores que, muitas vezes, num escritório eu não receberia
RICARDO VIEIRA
Advogado e influenciador digital
— O meu trabalho é um pouco mais sério, então, o Instagram é meu refúgio. É a hora que sou o Ricardo mais leve, mais tranquilo, onde eu posso dançar, que é uma coisa que eu adoro. É onde posso extravasar, ser mais divertido e mostrar meu lado mais artístico —revela.
Nas redes, ele divulga, principalmente, lojas de roupas masculinas, com provadores e desfiles, restaurantes, viagens e o universo saudável. O advogado entende a influência digital como uma profissão não só de hoje como do futuro.
— É algo que veio para revolucionar e dá muito resultado. As empresas reconhecem isso. Antes tínhamos muita permuta; hoje, são mais contratos com valores que, muitas vezes, num escritório eu não receberia — comenta.
"Hoje, a Gabriela Baccin é uma marca, uma empresa que está bem posicionada no mercado"
Estar em frente às câmeras nunca foi um problema para a caxiense Gabriela Baccin, 30. Na infância, ela já fazia poses e pedia para que os pais a gravassem. Anos depois, na adolescência, os "looks" montados por ela eram referência para as amigas e também rendiam cliques. Do amor à moda e à fotografia, nasceu um negócio online, o estopim para o início de uma carreira como influenciadora digital que, hoje em dia, atrai quase 60 mil seguidores no Instagram e no TikTok.
Formada em Psicologia em 2016, Gabriela se dedicou por um período exclusivamente à profissão de origem até se desligar de um de seus empregos e, então, precisar buscar uma nova fonte de renda. Assim, ela resolveu criar uma loja de roupas no Instagram, com fotos e produções próprias. A qualidade do material logo despertou o interesse de marcas, que começaram a propor parcerias com a influenciadora. A solicitações foram crescendo até que, um ano depois, em 2017, Gabriela optou por deixar a Psicologia e investir no trabalho digital.
— Hoje, a Gabriela Baccin é uma marca, uma empresa que está bem posicionada no mercado. Eu me sinto extremamente realizada e não me vejo fazendo outra coisa — afirma a caxiense que, atualmente, se divide entre a Serra e a Capital.
Quem explora o perfil de Gabriela no Instagram vai encontrar dicas de moda e beleza, em um feed com fotos e vídeos bem produzidos, em cenários muitas vezes exuberantes — o trabalho digital já a proporcionou viagens internacionais para destinos como Bariloche, na Argentina, e Paris, na França. Mas não é só isso: a influenciadora gosta de deixar claro que é preciso se conectar com seus seguidores, por isso, é necessário ir além de divulgações de produtos e serviços:
— Para eu humanizar o meu perfil, tive que trazer mais do meu dia a dia, mais da minha vida real. Então, acaba que quase 24 horas por dia eu estou compartilhando tudo que estou fazendo (...) É quase um reality show. Acordo postando e vou dormir postando — brinca.
Acredito que quem faz um trabalho bem feito não tem concorrência. Somos únicos, e se tivermos autenticidade e as pessoas puderem nos conhecer como a gente realmente é, isso as cativará
GABRIELA BACCIN
Influenciadora digital
Questionada sobre a concorrência no meio digital e o que fazer para se destacar neste cenário, Gabriela analisa:
— Acredito que quem faz um trabalho bem feito não tem concorrência. Somos únicos, e se tivermos autenticidade e as pessoas puderem nos conhecer como a gente realmente é, isso as cativará. Por isso, acho importante manter a humildade sempre, saber de onde viemos, não querer ser mais que os outros e não ter vergonha de expor algumas fragilidades. A empatia e a ética também são fundamentais — aconselha a influenciadora.