O mercado de energia solar vive um momento de aquecimento. E aqui não falamos dos raios solares que incidem sobre os painéis, mas, sim, da procura pelo sistema que avançou a passos largos nos últimos tempos. A movimentação no mercado colocou o Rio Grande do Sul na terceira posição de potência instalada (1.606,2 MW ) no país, atrás apenas de Minas Gerais e São Paulo, conforme os dados mais recentes da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar). Um dos principais motivos desta aceleração é o Marco Legal da Micro e Minigeração de Energia, apelidado de "taxação do sol" e cujas regras passam a valer a partir de 7 de janeiro de 2023.
A Lei 14.300/22, sancionada em 6 de janeiro deste ano pelo presidente Jair Bolsonaro, determina regras para aqueles que produzirem a própria energia a partir de fontes renováveis, como é o caso da solar. A determinação estabelece que o formato atual, sem taxações, segue mantido até 2045 para os consumidores que já possuem os sistemas fotovoltaicos instalados. O mesmo vale para quem tiver a sua geração homologada na concessionária até o próximo dia 6 de janeiro — prazo este que tem provocado correria entre muitos interessados em adquirir os painéis.
O advogado Rafael Lima Marques, de Porto Alegre, explica que no sistema atual o cliente produz energia para a própria estrutura e direciona o excedente para a concessionária. Com isso, há compensação de créditos e a tão prospectada redução no valor da conta. Agora, uma das principais mudanças é que, a partir de 2023, haverá a cobrança de uma taxa na conta de energia elétrica.
— A proporção é de um para um: a cada 1 kWh "emprestado" gera 1 kWh em crédito. Agora, com a Lei 14.300, o que muda é que esses créditos passam a ser taxados com o objetivo de cobrir as despesas da concessionária com a infraestrutura e investimentos na rede — detalha Marques.
O professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) Campus Farroupilha e doutor em Engenharia Elétrica, Ivan Gabe, acrescenta que a cobrança ocorre no momento em que não há a chamada simultaneidade.
— É importante lembrar que a cobrança é só sobre a energia trocada com a rede elétrica. Nas residências e estabelecimentos comerciais que existe a simultaneidade, entre o momento de geração de energia e o momento de consumo, não haverá essa cobrança — esclarece.
A taxa terá aumento gradativo ano a ano, conforme a lei: sendo 15% em 2023, 30% em 2024, e assim sucessivamente, até alcançar 90% em 2028.
— A partir de 2029, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) vai estabelecer novas diretrizes. De 2030 em diante, tem esse cenário incerto, que poderá ser cobrado nada da tarifa Fio B (tarifa cobrada para manutenção do sistema de distribuição e presente na conta de luz) ou todos estes 90% — pontua o professor do IFRS.
Embora tenha sido sancionada em janeiro pelo presidente, a Lei 14.300 gerou discussões ao longo do ano, as quais se intensificaram nas últimas semanas no meio político, principalmente diante da pressão no setor. Na última terça-feira (6), a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que prorroga por seis meses, até julho do ano que vem, o prazo final para a instalação de microgeradores e minigeradores de energia elétrica com isenção das tarifas. A proposta, agora, será enviada ao Senado e depende também da aprovação presidencial.
Vai continuar valendo a pena investir em energia solar?
Alguns fatores são listados de forma unânime por quem atua na área e foi ouvido pela reportagem: a legislação trará mais segurança jurídica ao setor, cada caso necessitará de análise individual e a nova lei poderá alongar o tempo de retorno do investimento para determinados projetos. E a resposta para a pergunta do enunciado é: sim! Para além do aspecto financeiro, a energia solar continuará sendo classificada como uma fonte limpa e renovável, que não gera poluição ao ar, a água e a terra.
A coordenadora estadual da Absolar no Rio Grande do Sul e diretora da Solled Energia, Mara Schwengber, acredita que o setor continuará crescendo no país. Ela reitera que é preciso avaliar cada projeto individualmente para determinar os impactos do Marco Legal.
—É importante trazer este esclarecimento, porque tem muita empresa anunciando como se fosse o fim do mundo, como se o mercado fosse terminar em dezembro. O que muda para o ano que vem é que vai ter que pagar uma parte pelo uso do fio (Fio B), de maneira gradativa. Cada consumidor, seja ele residencial, comercial, industrial ou rural terá de fazer uma simulação para o caso dele, para saber qual o impacto que vai acontecer no próximo ano. Os cálculos preliminares que fizemos no payback, que é o tempo de retorno de investimento, tem mudado, em média, em torno de seis meses no residencial. Então, aquele consumidor que tinha um payback de quatro anos e meio vai ter uma mudança para, talvez, cinco anos — esclarece Mara.
Cada consumidor terá de fazer uma simulação para o caso dele, para saber qual o impacto que vai acontecer no próximo ano
MARA SCHWENGBER
Coordenadora estadual da Absolar no RS
O advogado Rafael Lima Marques defende que a proposta trará mais transparência para a iniciativa e que as vantagens continuam sendo muito maiores do que usar o sistema elétrico comum, enquanto o professor do IFRS Farroupilha, Ivan Gabe, aponta a segurança jurídica para quem já tem o sistema instalado:
— De forma geral, a lei dá segurança para quem já tem as instalações e também para o sistema elétrico nacional quanto como se dará a entrada de novos empreendimentos de sistemas fotovoltaicos. Nos últimos dois anos, houve um aumento gigantesco no número de instalações fotovoltaicas no Brasil. Poucas pessoas esperavam um aumento tão grande e tão rápido. Obviamente, isso impacta na operação do sistema — explica.
Quem empreende na área também precisou estudar a legislação e tem opinião formada sobre o tema, como é o caso do engenheiro eletricista Mário Henrique Bordignon, proprietário da Solar Serra, de Bento Gonçalves, a qual viu disparar a procura por sistemas no meio rural nos últimos dois meses:
— Tem dois lados. O lado positivo que traz uma segurança jurídica para quem já investiu no fotovoltaico, dando garantia até 2045. Também precisamos de um marco regulatório, onde tenhamos regras bem definidas, porque antes ficávamos na dependência da Aneel. Um dos lados negativos é que falamos tanto em crise hídrica, falta de energia e estamos taxando uma fonte renovável. Estamos deixando de incentivar uma fonte ambientalmente correta — pondera.
O engenheiro eletricista Guilherme Saraiva, sócio da Aprendiz Solar e do grupo Voltatec, defende que, mesmo com a nova legislação, a energia solar continuará sendo mais atrativa economicamente.
— Vai haver taxação? Vai! Mas, ano que vem, teremos as bandeiras tarifárias que provavelmente virão fortes. Além disso, as concessionárias podem fazer o reajuste tarifário duas vezes no ano. Em janeiro, há previsão de aumento. Por outro lado, a taxação que virá será menor que isso. 'De bandeja', ainda ganhamos a regulação do segmento. Por isso, não estamos preocupados, vemos o Marco Legal com bons olhos — avalia.
Conta que já chegou a R$ 12 mil, hoje, custa menos de R$ 200
A busca por economia e a preocupação com a modernização da estrutura foram os principais motivadores para a instalação do sistema de energia solar no Centro Municipal de Eventos Sérgio Luiz Guerra, mais conhecido como o Ginásio da Associação Carlos Barbosa de Futsal (ACBF). A implantação ocorreu em janeiro de 2021 e, de lá para cá, o valor da conta junto à concessionária reduziu drasticamente. Como a instalação foi no ano passado, o sistema da ACBF não entrará nas novas regras, ficando isento de taxação até 2045.
A utilização da energia elétrica é fundamental para o bom andamento da rotina do clube, como detalha o gestor executivo da ACBF, Francis Barté. O que mais pesa no fim do mês são os cerca de 25 chuveiros elétricos que somam quase cem banhos diários de atletas, considerando a equipe adulta e as categorias de base que usam o espaço todos os dias. Além disso, as lâmpadas que iluminam a quadra são acesas às 8h e desligadas somente à noite, por volta de 22h. Toda esta utilização chegou a gerar uma conta com valor de R$ 12 mil em 2015. Mais recentemente, em 2019, o valor pago foi de R$ 8 mil - esta queda entre o período também é explicada por outro fator: em 2017, dentro do projeto de melhoria de eficiência energética do ginásio, o clube fez a substituição das lâmpadas da quadra por estruturas de LED, o que, já em um primeiro momento, impactou bastante em termos de economia.
Hoje, temos toda a nossa demanda atendida pela energia solar e ainda sobram créditos
FRANCIS BARTÉ
Gestor executivo da ACBF
— De 2019 para 2020, quando as placas fotovoltaicas começaram a ter valores mais viáveis, nós pensamos em dar um próximo passo, também pela questão de sustentabilidade. Fizemos análises, diversas cotações para ver em quanto tempo essa tecnologia se pagava. Na metade de 2020, então, começamos o projeto e, em 2021, estava pronto. Nos primeiros meses, já sentimos bastante diferença. E hoje, para ter ideia, a nossa última conta bateu em R$ 140. Neste ano, vamos fechar os gastos com energia elétrica em torno de R$ 4 mil. A economia é muito grande, estamos muito satisfeitos. Hoje, temos toda a nossa demanda atendida pela energia solar e ainda sobram créditos — detalha Barté.
O investimento, via financiamento, foi de R$ 200 mil e deve se pagar no período de cinco anos. Foram instaladas 201 placas de 335Wp pela empresa Dolari de Carlos Barbosa. As estruturas formam as letras da ACBF no telhado do ginásio e foram instaladas em três dias.
Projeção de 5 mil alunos até o fim do ano
Um indicador do crescimento de energia solar em Caxias é a busca por qualificação para trabalhar no ramo. Afinal, é preciso que a oferta acompanhe a demanda de clientes no município gaúcho que lidera o ranking de potência instalada no Estado — conforme dados da Absolar, a cidade concentra 56,8 megawatts (MW), seguida por Novo Hamburgo com 36,6 MW (veja mais no gráfico). Neste sentido, a empresa caxiense Voltatec Energia vislumbrou, ainda em 2017, um outro braço dentro do mercado energia solar fotovoltaica: a oferta de cursos de capacitação em vendas e instalações dos sistemas.
Assim, nasceu a Aprendiz Solar que tem prospecção de fechar o ano de 2022 com 5 mil alunos somente no curso Caminho Solar, que ensina o passo a passo para a instalação de sistemas fotovoltaicos, com prática em obras reais, a execução de projetos, entre outras coisas. Já na área de vendas, em cerca de um ano, a qualificação nomeada como Vendedor Solar ajudou a viabilizar mais de R$ 20 milhões em negócios.
O engenheiro eletricista Guilherme Saraiva, sócio da Aprendiz Solar e do grupo Voltatec, se recorda que os cursos surgiram da própria experiência quando entrou no ramo em 2015. À época, segundo ele, o setor ainda caminhava a passos lentos em Caxias, o que fez ele iniciar projetos em Porto Alegre. Guilherme, assim como muitos empreendedores, começou fazendo tudo na própria empresa, das vendas às instalações. Porém, com o crescimento do negócio, tornou-se inviável absorver todas as demandas e, aos poucos, ele foi delegando as atividades. Foi neste momento que percebeu que faltava gente especializada para trabalhar na área e, então, após treinar os funcionários, resolveu vender seu conhecimento.
— Muita gente que trabalha na área hoje passou por aqui e segue no ramo — destaca.
Com a pandemia, os cursos migraram para a versão online e, hoje, são assistidos por pessoas de todo o país. O Caminho Solar possui 150 videoaulas, com todas as etapas que envolvem a tecnologia, além da parte prática. O Vendedor Solar se constitui em 20 horas de treinamento exclusivamente comercial e gestão e é voltado para quem já atua no segmento.
— O Caminho Solar é para quem está ingressando no setor. Quem busca, geralmente, são pessoas que trabalham com calefação, com ar-condicionado, com instalações elétricas em geral. Também tem quem trabalha com internet, além mão de obra em geral, como pedreiro, encanador, gesseiro que querem se qualificar. E na parte de projetos são engenheiros eletricistas e técnicos que podem assinar, além de alguma coisa de arquiteto e engenheiro civil que desejam entender como funciona — detalha o engenheiro e professor dos cursos.
"Consegui fazer um bom negócio"
A administradora Daiane Pereira Tomasi, 41, aderiu às placas solares em outubro — o sistema foi instalado na garagem da moradia, no bairro Charqueadas, e beneficia, além da casa, um estabelecimento comercial da família em outro endereço. A opção por uma fonte de energia limpa e que não agride ao meio ambiente estava nos planos da família há cinco anos. À época, contudo, ela fez orçamentos, mas o investimento seria muito alto.
É uma plantação que irei colher pelo resto da minha vida
DAIANE PEREIRA TOMASI
Administradora
— Na empresa, a gente já tem o aproveitamento da água da chuva. Pagamos a taxa básica, porque temos esse reaproveitamento desde que o prédio foi construído. Com essa mentalidade mais natural, resolvemos pensar no reaproveitamento da energia solar. Só que na época o projeto custaria cinco vezes mais do que custou. As placas eram de qualidade inferior e o inversor seria outro, diferentemente do que tenho hoje, que é considerado o melhor do mercado. Então, hoje, me sinto satisfeita, porque consegui fazer um bom negócio. É uma plantação que irei colher pelo resto da minha vida — diz a administradora.
Daiane acrescenta que pagou parte do sistema e financiou outra. A exemplo do caso dela, nem sempre o desejo de investir na energia solar anda em sintonia com o saldo da conta bancária ou, por vezes, muitas clientes não querem mexer nas economias para concretizar a instalação. Atentas a esta demanda cada vez mais crecente, instituições financeiras oferecem linhas de crédito para os mais diferente perfis, que vão do rural, ao residencial, passando pela área industrial.
Em Caxias, a Unicred Integração relata que já viabilizou cerca de R$ 27 milhões em financiamentos para sistemas de energia solar desde janeiro do ano passado.
— Vimos que a energia fotovoltaica veio forte nos últimos dois anos. Todos os segmentos estão olhando (para o setor). Dentro do nosso público, vemos, por exemplo, médicos que fazem o investimento para a casa e se beneficiam na clínica ou ao contrário. Outro público que entrou forte neste contexto é o rural, principalmente propriedades que têm produção e beneficiamento de algum tipo de insumo — detalha o diretor executivo da Unicred Integração, Adalberto Veiga.
Para além da oferta da linha de crédito sustentável, a cooperativa instalou suas próprias usinas fotovoltaicas neste ano, sendo uma em Rio Grande, e uma na Rota do Sol, distante cerca de 45 minutos da sede, em Caxias.
— Exceto as do Nordeste, todas as nossas agências são mantidas pelas nossas usinas. Esta economia de energia se traduz em sobras maiores para os nossos cooperados — ressalta Veiga.
Principais mudanças provocadas pelo marco legal*
:: A nova legislação, sancionada em janeiro pelo presidente da República, cria um marco legal para a geração distribuída no país. Um dos principais pontos da nova lei é a garantia de subsídio por tempo determinado para quem tem o sistema. Esse benefício também vale para o consumidor que optar pelo acesso à energia solar até o início de 2023.
:: Consumidores que fazem a própria geração de energia não pagam taxas pelo custo de distribuição atualmente. Com o marco legal, esse benefício segue até 2045.
:: O subsídio até 2045 é válido também para todos os consumidores que adotarem o sistema até 7 de janeiro de 2023. É necessário solicitar o seu parecer de acesso na distribuidora até o início de janeiro.
:: Quem aderir ao sistema após 2023, passará por regra de transição que prevê dois períodos.
:: A lei prevê perda de direito adquirido em casos de encerramento de contrato com a distribuidora, irregularidade no sistema de medição, aumento de potência instalada no caso de protocolo de solicitação posterior ao marco legal. A perda do direito no caso do aumento da potência instalada será apenas sobre a parcela acrescida, a parte da usina que estiver no modelo atual, não perde o direito.
:: A lei também cria o Programa de Energia Renovável Social (PERS). Esse modelo visa a financiar a instalação de geração fotovoltaica e outras fontes renováveis para consumidores de baixa renda. Os recursos desse programa devem ter origem no Programa de Eficiência Energética (PEE).
:: A legislação permite a participação das instalações de iluminação pública no Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE). A rede de um município deve ser considerada como unidade consumidora nesse modelo.
Fonte*: conteúdo publicado em GZH no dia 7 de agosto pelo repórter Anderson Aires.