O caso da Indeal, que envolveu milhares de moradores de Caxias do Sul em 2019 e os deixou no prejuízo, e mais recentemente a quebra da corretora global FTX, que chegou a valer R$ 32 bilhões e também prejudicou mais de um milhão de pessoas, são duas faces dos riscos do mercado das criptomoedas. Até por isso, há quem questione o futuro deste setor e se a Bitcoin, uma das principais criptomoedas existentes, não estaria morrendo. Para quem atua na área, pesquisa ou conhece este mercado, esta não é a percepção. Mas existe o sentimento de que algo precisa ser feito para dar mais segurança aos envolvidos. Também há a expectativa da regulamentação nacional dos criptoativos — projeto foi aprovado na Câmra dos Deputados e aguarda sanção presidencial.
— O mercado cripto não morreu. Quando falamos em criptomoeda, existem dois lados: a tecnologia, que é a base da cripto, como o blockchain, que desenvolve essas soluções e essas tecnologias estão presentes. Às vezes, tem falha nas soluções do dia a dia, mas tem muitas soluções em criptomoeda. E existem as criptos na forma de varejo, que são a Bitcoin, a Ethereum, que são as que todo mundo pensa em comprar, negociar e tentar ganhar dinheiro. A tecnologia veio para ficar, muito forte, e as criptos também — diz o trader do mercado financeiro Evandro Ghinzelli.
De acordo com a pesquisa do banco de dados Chainalysis, especializado no segmento, o Brasil se tornou em 2022 o sétimo país que mais usa criptomoedas no mundo. Apesar do avanço, há mudanças na escolha do investimento e dos criptoativos, mostrando também como este mercado está sempre em constante transformação.
Carlos Lain, CEO da PagCripto - plataforma caxiense para compra e venda aos interessados no mercado cripto, nota que a demanda cresce ano após ano. Mas, neste momento, os investidores preferem as chamadas stablecoins do que criptomoedas como a Bitcoin. O motivo para isso é o risco de oscilação do valor da Bitcoin - o que até faz com que os especialistas chamem este investimento de uma verdadeira aposta. Em 2021, por exemplo, a Bitcoin chegou a registrar uma alta histórica de quase US$ 68 mil, até que começou a cair e hoje é cotada na casa de US$ 16 mil. Lain, inclusive, afirma que este tipo de oscilação é recorrente no histórico desta moeda digital.
— Este ano estamos tendo uma demanda boa. Não é uma demanda como tínhamos no passado. Ano passado tínhamos uma demanda muito grande pelas criptomoedas que não têm relação com outras moedas. Este ano diminuiu muito e o pessoal prefere as stablecoins — observa Lain.
A preferência se dá porque as stablecoins possuem baixa volatilidade. Isto é, pouca oscilação no valor, são mais estáveis. Elas são vinculadas a um ativo internacional, como o dólar, por exemplo. Assim, como explica o professor da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Divanildo Triches, autor do livro Moedas Digitais na Ótica das Finanças Internacionais, os investidores usam as stablecoins para comprar dólar por meio delas ou realizar transações internacionais. Os custos, nestes casos, são menores do que nos bancos.
—A grande sacada destas empresas que emitem (stablecoins) é porque você tem possibilidade de fazer transferências internacionais a custo muito baixo. Por exemplo, se você pega a USTD, que é uma moeda dos Estados Unidos pareada com o dólar, você pode sacar em qualquer lugar do mundo. O único custo que se tem é na compra e depois na venda, que tem uma pequena corretagem — explica Triches.
Mercado cripto caminha para regulação
A alta oscilação, que pode ser causada por manipulações de mercado (o que no mercado financeiro é um crime de fraude), não é o único risco no mercado cripto. A falta de regulação abre espaço para diferentes perigos. Os mais conhecidos são os golpes, principalmente aqueles que garantem retornos financeiros vantajosos, o que não existe neste mercado. Essa falta de regras e fiscalização também abre espaço para as quebras como da FTX.
— Esse ato regulatório vai vir. Imagina, essa corretora era grande, tinha poder de tecnologia, tinha um poder grande de investir em tecnologia e se prevenir. Se uma empresa desse porte não consegue prever os contratempos, imagina uma pequena? — chama atenção o trader caxiense Evandro Ghinzelli que completa: — Quando tem regulação, negócios obscuros não aparecem. Pirâmide seria a primeira coisa (a sumir). Então, quando tem uma fiscalização, tu evita esses negócios.
Outro problema é o anonimato que surge. O trader compara que, para entrar no mercado cripto, o cadastro é rápido e quase não existe análise. No mercado financeiro, existe uma análise rígida de dados porque vai passar pelo Banco Central. Sem isso, abre-se espaço para atos como de lavagem de dinheiro com criptoativos. O professor Divanildo Triches vê que o anonimato pode ser um dos motivos que também mantêm este mercado.
— Permanece este mercado porque é um mercado em que as pessoas conseguem esconder o dinheiro — descreve o professor.
Para frear estas situações, os envolvidos no mercado de criptomoedas começam a apoiar um ato regulatório. No início de novembro em São Paulo, o Criptorama, congresso brasileiro voltado à criptoeconomia, dedicou um dia ao tema. Um dos movimentos sugeridos foi, inclusive, que instituições tradicionais, como bancos, também entrem neste mercado para fomentá-lo e auxiliá-lo neste quesito. O professor Divanildo lembra que há Bancos Centrais ao redor do mundo já realizando testes com criptomoedas próprias.
Já na terça-feira (29), a Câmara dos Deputados aprovou o texto-base que regulamenta os criptoativos. Ele depende, agora, de sanção presidencial, que poderá, inclusive, apontar o órgão regulador deste mercado no Brasil, que deve ser o Banco Central. O projeto de lei estabelece regras para a prestação de serviços de ativos virtuais, como a livre concorrência e atenção para possíveis casos de lavagem de dinheiro.
Investimento com cautela
Entre os investidores que procuram consultoria, a aposta no mercado cripto ainda é feita com bastante cautela. É a impressão do assessor de investimentos do InvestSmart, Marcelo Sartor. Ao menos no escritório que atende Caxias e região, o cenário é de baixa procura por este tipo de ativo. Os motivos são os citados anteriormente, como a alta oscilação e a falta de segurança, até mesmo pela falta de amparo jurídico - o que não existe sem a regulamentação.
Estes investidores, desta forma, ainda preferem ativos como ações no mercado financeiro, imóveis, ou ainda o que os dê segurança jurídica.
— Em geral, os investidores não têm procurado muito a questão de criptomoeda. Por questão de oscilação, insegurança... Mas, sempre tem aquele investidor que diz que será bom para o futuro e quer destinar parte do patrimônio a isso. Vai muito do perfil do investidor — observa Sartor.
Apesar deste panorama, o assessor de investimentos nota que o mercado enxerga os criptoativos como uma possibilidade para o futuro. Tudo dependerá, é claro, de uma formatação. Hoje, além de situações como a oscilação e a insegurança, as criptomoedas também são afetadas por fatores externos, como a inflação mundial ou Guerra na Ucrânia, por exemplo.
— Como o mercado vê? É algo embrionário, que está ganhando força e está ganhando relevância. Pode ser uma moeda de negociação futura? Sim, por quê não? Porque o mundo muda. O amanhã será diferente, então o mercado vê, sim, como uma possibilidade de mudança — explica Sartor.
Dicas para entrar e investir no mercado de criptomoedas
Especialistas alertam que ainda não existe estar 100% seguro no mercado de criptomoedas, muito pela falta de regulação. Mas há dicas que podem auxiliar quem se interessa por esse mercado:
:: Estudar sobre o tema e aprender a gerenciar os próprios criptoativos.
:: Se optar por uma gestora, se certificar que são pessoas idôneas e que os criptoativos não ficarão em posse delas, mas, sim, na posse do investidor. Geralmente, no esquema de pirâmide, o investidor não tem acesso às criptomoedas.
:: Investir até 5% do patrimônio financeiro neste mercado por conta das oscilações e alto risco de perder dinheiro.
:: Optar por Fundos de Investimento negociados na Bolsa de Valores que estão atrelados às criptomoedas. Gestoras especializadas neste segmento, assim, seguem as normas dos Fundos de Investimento.
:: Não entrar em negócios que prometem retorno fácil ou ganhos garantidos a partir de um determinado investimento. Isso não existe no mercado cripto.