Aos poucos, carros e motocicletas silenciosos são vistos nas ruas de Caxias do Sul. No Rio Grande do Sul, 1.138 novos carros elétricos foram emplacados no primeiro semestre deste ano. O número é 25,19% maior do que o mesmo período de 2020, quando foram 909 unidades, segundo dados da Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE).
Para quem está do lado de fora, a falta do barulho do motor é a principal diferença dos veículos elétricos para os a combustão. Nas revendedoras, o relato é que a curiosidade pela nova tecnologia ainda é o principal chamariz dos automóveis elétricas. As pessoas chegam atraídas pela causa ambiental ou, simplesmente, pela evolução que o motor elétrico representa para a indústria.
— A maioria é por esta curiosidade de saber como funciona, como é o dia a dia, quais os benefícios e se compensa o investimento inicial. Vem com o interesse neste mundo novo. Mais de 90% dos clientes já estudaram sobre ou tiveram algum contato com carro elétrico, por exemplo, no exterior — aponta Adriane Santarem, sócia do Grupo DRSul.
A principal dúvida é sobre a autonomia e o tempo de recarga. Adriane entende que essa preocupação vem dos primeiros modelos e notícias que surgiram, mas explica que as baterias evoluem rapidamente. Hoje, os veículos elétricos possuem uma autonomia de 200 a 300 quilômetros. Para o ano que vem, a expectativa é de já ter automóveis que possam viajar 700 quilômetros sem necessidade de recarga.
Sobre o tempo para carregar completamente a bateria, o cálculo depende da capacidade do automóvel e da potência do carregador. Os vendedores e os motoristas, contudo, admitem que há necessidade de ficar parado por horas — por isso os carregadores públicos costumam ficar em locais com conveniência, como shoppings e postos de combustíveis.
No entanto, essa preocupação só se justifica para quem planeja usar o carro elétrico para viagens longas. Essas, sim, precisam ser planejadas. Para o uso diário na cidade, os motoristas comparam o veículo com um celular, que você deixa carregando enquanto dorme.
— Só carrego em casa e numa tomada comum, no carregador portátil que vem junto. Deixo durante a noite e no outro dia está carregado. Não perco tempo com isso e não teve uma alteração efetiva na conta de luz — conta a aposentada Eva Ines Lisboa Pizzamiglio, 66 anos.
Eva conta que seu primeiro interesse no Nissan Leaf, que adquiriu em novembro do ano passado, foi pela questão ecológica de não emitir gás carbônico, mas que aprovou totalmente o modelo.
— Primeiro, é a questão do barulho. Não gosto de barulho de carro e este é zero, completamente silencioso. É um carro com um bom arranque, o que gosto bastante e ajuda na nossa cidade que tem muito morro. E, como falei, é um carro com zero gasto — conclui.
Gasto para "encher o tanque" reduz mais de 65%
Em sua área urbana, Caxias do Sul possui 14 pontos para carregamento de veículos elétricos, incluindo revendedores, hotéis, shopping e pizzarias. Em todos os locais, o serviço é gratuito. Outra vantagem são os incentivos a tecnologia limpa. No Rio Grande do Sul, os carros totalmente elétricos são isentos de IPVA.
Para quem carrega na tomada de casa, a economia é calculada entre 65% e 80% na comparação com a gasolina. O economista José Paulo Soffredi, 64, dono de um Volvo XC40, faz anotações de todos os seus gastos e confirma o cálculo.
— No combustível, eu gastava R$ 600 por mês. Agora, gasto de R$ 150 a R$ 200. No condomínio que moro, eu fotografo o contador que tenho na garagem, envio para administradora e pago esta diferença. Outra vantagem é só pagar uma vez por mês (quando vem a conta de luz) — relata.
Soffredi afirma ser um entusiasta de carros e tecnologia, por isso tinha o desejo de ter um carro elétrico desde 2009. Ele estudou e fez alguns testes, mas só encontrou um modelo queria em 2020, quando adquiriu um híbrido. No último mês de dezembro, ele trocou e comprou o Volvo 100% elétrico.
— Estou falando de um carro potente, quase um superesportivo, e que estou gastando uma merreca. É um carro muito rápido e sensível (ao pedal de aceleração). O tempo de recarga, para mim, não importa. Porque é chegar em casa e plugar na tomada, igual a um celular. Não faz diferença se demora, pois estou em casa ou dormindo — conta o economista.
Sobre viagens longas, Soffredi conta que opta pelo carro da esposa, que é a combustão. No entanto, lembra que já foi até Florianópolis (SC), visitar uma irmã, com o veículo elétrico.
— É preciso planejar. Verifiquei onde tinha e quais postos tinham carregadores mais potentes. Decidi ir por Lages, que era mais rápido (para carregar) e ficava ao lado de um shopping. Almocei e meu carro já estava carregado. Em Florianópolis, deixei o carro em outro shopping e fui passear com a minha irmã no carro dela. Fui e voltei de Santa Catarina de graça, sem qualquer problema de planejamento — exalta.
Essa economia tem interessado as empresas caxienses. A DRSul aponta que cada vez mais pessoas jurídicas da área de transporte de carga e de pessoas procuram pelos automóveis elétricos, como a Vésper Cargas Expressas, que adquiriu um Kangoo no início de julho.
— A iniciativa foi pela questão ecológica, de fazer a nossa parte como empresa para tentar melhorar o meio ambiente. O projeto também inclui placas solares para gerar esta energia na garagem. O espaço e a potência são muito bons, a autonomia é que ainda estamos avaliando — conta a coordenadora administrativa Camila De David, 35.
A bateria do utilitário tem autonomia de 200 quilômetros e demora seis horas para carregar totalmente. Por enquanto, a Vésper utiliza a Kangoo em coletas e entregas em Caxias do Sul e cidades próximas.
— Ainda não temos um levantamento (da economia), mas, antes, abastecíamos todos os dias. Agora, ficou de graça carregar, só depende do sol. Sempre que está parada, mantemos carregando na tomada. Então, não precisamos parar de trabalhar, porque está sempre recarregada. Só para distâncias mais longas é que precisa planejar melhor — explica Camila.
Desconhecimento e preço alto de compra são entraves
Todos os envolvidos com carros elétricos acreditam que essa tecnologia é o futuro. Motoristas e vendedores também destacam a velocidade de evolução desta indústria e dos automóveis. Para Adriane Santarem, até 2024, o mercado brasileira já terá pelo menos seis modelos elétricos por marca, aumentando as opções para os motoristas.
Com tantas vantagens, o que impede que os carros elétricos dominem as ruas gaúchas? Para os proprietários, o primeiro empecilho é a falta de conhecimento sobre a tecnologia.
— As pessoas não estão preparadas. Tem medo da conta de luz. Sempre há um receio com novidades. O que falta é ter mais carros nas ruas. Onde estaciono, sempre aparecem dois ou três curiosos, que notam que o carro não fez barulho e fazem as mesmas perguntas, principalmente sobre o gastos — comenta Eva.
— Existe muito mito e medo. Para além da autonomia e da recarga, lembro que muito se falou que o Brasil não teria estrutura para carros elétricos. O mundo não tinha infraestrutura no início (da escala industrial da tecnologia), mas está sendo formado. Se olhar nos aplicativos (especializados em carros elétricos), já temos pontos de recargas em distância razoável em qualquer direção. E cresce cada vez mais — afirma Soffredi.
Outro ponto central é o custo inicial para comprar um automóvel elétrico. Para este mês, a Renault lançou o Kwid, que é o modelo mais barato, por R$ 146.990. Para comparação, o modelo a combustão foi lançado com valor de R$ 55.990. O investimento inicial necessário dificulta a popularização dos motores elétricos. Ainda assim, em Caxias, a DRSul já tem 13 novos Kwid encomendados na pré-venda.
— Carro elétrico é mais caro, porque ainda é um projeto novo. Sempre que compra um lançamento está pagando junto o desenvolvimento deste novo projeto, desta nova tecnologia. É um custo maior, mas que se absorve nos anos de uso. Gasta muito menos para abastecer, não tem manutenção e tem incentivos do governo, como não pagar o IPVA. O nosso cálculo é que se paga em quatro anos — estima Adriane, sócia da DRSul.
Motocicletas gastam R$ 0,03 por quilômetro
Nas motocicletas, as diferenças do veículo elétrico para o a combustão são mais perceptíveis. Primeiro, porque o barulho é mais marcante. Muitos motociclistas valorizam o som do motor, enquanto que o modelo elétrico é silencioso. O outro é a questão da tecnologia que, por ser elétrica, já permite mais apetrechos e serviços, como rádio, GPS e display LCD. Ainda assim, a grande vantagem é a economia e praticidade.
— Faço igual ao meu celular. Uso o dia inteiro e, quando chego em casa, coloco na tomada. Quando preciso sair, já está carregada. Gasto uns R$ 15 a mais na conta de energia elétrica, um valor irrisório. Antes, era R$ 300 em gasolina por mês, fora a manutenção. A elétrica não precisa trocar filtro e óleo — conta o corretor de seguros Ivonir Bueno, 52, que comprou sua Voltz EVS em maio.
O motociclista relata rodar de 30 a 50 quilômetros por dia. O veículo tem três modos de condução, sendo que econômico atinge a velocidade de 40km/h e o esportivo alcança os 120km/h.
— Tu sentes a potência, mesmo não fazendo barulho, principalmente no acelerador. Já tive motos mais potentes, mas esta é diferente. É uma potência com resposta muito mais rápida. Pisou no acelerador e é instantâneo. Outro ponto que uso bastante é a ré para estacionar em casa. Nas outras, é preciso descer e empurrar — salienta Bueno.
Aberta em julho do ano passado, a revenda da Voltz oferece dois modelos: Scooter e Street. Neste pouco mais de um ano, foram 200 motocicletas vendidas e 35 ainda para serem entregues.
— Ainda tem bastante dúvida sobre força e potência. Sim, a tecnologia já tem força e irá suprir todas as demandas do dia a dia. O nosso público, no início, era daqueles que queriam ser os pioneiros, mas agora o que vemos é o pessoal que busca economia. O custo é de R$ 0,03 por quilômetros rodado — ressalta o empresário Wagner Sartori.
A Voltz é especializada em motos elétricas, e o modelo mais barato é vendido a R$ 15.990. Uma moto a combustão de modelo novo é vendida entre R$ 8.330 e R$ 13.290, dependendo da marca e dos acessórios.