Os caxienses estão ficando cada vez mais com as contas no vermelho. Segundo levantamento da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Caxias do Sul, com base no mês de abril deste ano, mais de um terço (34,8%) da população economicamente ativa no maior município da Serra, ou seja, 145.689 pessoas, estão em atraso no pagamento de pelo menos uma conta mensal. O resultado é 4% maior em relação ao registrado em abril de 2021 e vem crescendo desde o início de 2021 — revertendo a tendência de queda que vinha sendo observada pela entidade durante a pandemia.
Ainda de acordo com dados da CDL, a soma do valor das 329 mil dívidas em aberto na cidade chega a cerca de R$ 549 milhões. Cada morador de Caxias tem, em média, duas dívidas atrasadas e deve, em média, R$ 3.748,12. As pendências com bancos predominam com 57% dos atrasos, seguido por débitos no comércio, água, luz e serviços de telecomunicações. De acordo com o coordenador de Tecnologia, Informação e Inovação da CDL Caxias, Cleber Figueredo, o consumidor tem optado cada vez mais por fazer o pagamento com cartão de crédito.
— É uma tendência natural devido à migração do modelo padrão de crediário para o cartão de crédito. Ao ficar inadimplente com o cartão, o consumidor fica com débitos no sistema financeiro que administram essas contas. São passivos consideráveis, mostrando uma necessidade de educação financeira maior do consumidor na utilização do cartão de crédito — explica Figueredo.
Ao mesmo tempo, Figueredo avalia que o pagamento por meio de prestações mensais no crediário está voltando a ser considerado uma opção pelos caxienses. No mês de março, os lojistas consultaram 45% mais vezes os CPFs dos consumidores antes de autorizarem uma compra — um indicativo de como o setor vem recuperando os prejuízos da pandemia.
Ainda segundo a CDL, o comércio caxiense acumula queda de 2,18% em março no acumulado dos últimos 12 meses, número que vem reduzindo ao longo dos últimos meses. O coordenador de Tecnologia, Informação e Inovação da CDL Caxias explica que a lei do cadastro positivo, sancionada em 2019, fez com que a concessão de crédito ganhasse novos elementos.
— O perfil do crédito não é avaliado mais somente pela inadimplência. O sistema avalia também o comportamento em relação ao pagamento. Se pago a conta de água, luz e o cartão em dia, por exemplo, isso está somando dentro de uma pontuação conhecida como score, que também é consultado na hora de fazer uma compra. Isso ocorre porque o mercado busca conhecer mais o perfil do consumidor e o risco do lojista em oferecer crédito diminui. Ao incentivar o crediário, o lojista reduz o pagamento da taxa de administração para a operadora do cartão — justifica.
Sobre os 145 mil caxienses com alguma dívida atrasada, Figueiredo entende que é um movimento que está crescendo e merece ser analisado com atenção pelas famílias. Segundo o levantamento da CDL Caxias, a partir de abril de 2020, o número de inadimplentes estava com tendência de queda. O cenário coincide com o início da pandemia. Entretanto, com a crise econômica, inflação elevada e os constantes aumentos na taxa básica de juros, auxiliaram para o total de inadimplentes aumentar a partir de janeiro do ano passado.
Na visão dele, a alta da inflação — especialmente de itens como conta de luz e combustíveis — afetou a capacidade de pagamento das pessoas. Além disso, o consumidor passou a fazer compras fixas no crédito, incluindo comida. Como o juro subiu muito, as dívidas também ficaram mais caras. Entretanto, mesmo sem tendência de mudanças, o cenário deve se estabilizar. O uso de recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) pode ajudar a trazer mais tranquilidade para as famílias.
— Durante a pandemia, observamos queda na inadimplência. Mas, muito por conta do reaquecimento da pandemia, as pessoas se empolgaram um pouco mais nas compras e isso fez com que a inadimplência crescesse. Entendemos que, a longo prazo, esse cenário vai se manter, não deve aumentar muito, e deve voltar a cair futuramente devido a essa restrição de crédito — explica Figueredo.
Mesmo com um cenário de elevação nos custos e mais dificuldade das famílias, Figueiredo afirma também que é importante existir alguma reserva de recursos. Segundo ele, os imprevistos no orçamento são as maiores justificativas dos consumidores na hora de deixar de pagar alguma conta.
— Falta um planejamento. E qualquer imprevisto que aconteça, como a perda do emprego, algum incidente com a casa, com o carro, isso acaba provocando alguns desencaixes no orçamento e isso pode originar alguma dívida nova. Escutamos muitas histórias de pessoas que estavam com tudo em dia, mas, depois de um imprevisto, elas acabaram perdendo a capacidade e ficaram devendo — recorda.
Lazer em primeiro lugar, depois as contas
Para quem trabalha diariamente com o consumidor, os efeitos da retomada na economia mexeram diretamente com a maneira como o caxiense está fazendo o pagamento das contas. De acordo com o gerente de uma loja de eletrodomésticos de Caxias, Everton Soares, o fim dos auxílios pagos pelo governo ajudam a explicar porque a inadimplência cresceu. Além disso, conforme o gerente, as pessoas estão com acúmulo de contas: ao mesmo tempo que possuem uma dívida parcelada de anos anteriores, que precisam honrar, acabam também tendo que destinar recursos para atividades que estavam paralisadas na pandemia.
— Pelo que conversamos com as pessoas, há uma necessidade muito grande de voltar a sair para jantar, comemorar, ir em um show. E isso é uma conta a mais para as pessoas. E a parcela de um eletrodoméstico, por exemplo, acaba ficando para depois porque em primeiro lugar está vindo aquilo que não se podia fazer durante a pandemia — analisa ele.
Soares, que está há seis anos na função, observa também que a pandemia fez com que o consumidor olhasse mais para dentro de casa e optasse por renovar os itens do lar. Nos últimos anos, segundo ele, itens da linha branca, como geladeiras, fogões e cozinhas lideraram a preferência do consumidor na hora de comprar. A maioria dos pagamentos, cerca de 40%, são por meio de crediário, seguido por cartão de crédito e o pagamento à vista.
Inadimplência em alta no Estado e no país
Deixar de pagar as contas em dia não é um comportamento apenas local. De acordo com levantamento da Serasa, o mês de março fechou com 3.233.290 consumidores gaúchos inadimplentes. São quase 63 mil a mais do que no levantamento de fevereiro. Cada pessoa deve, em média, R$ 4.244,75 no Rio Grande do Sul.
No Brasil, o mês de março trouxe recorde de inadimplência, com 65,69 milhões de pessoas. A soma de todas as dívidas bate R$ 265,8 bilhões. O valor médio da dívida de cada inadimplente também aumentou, alcançando R$ 4.046,31 — mas está abaixo da média gaúcha e superior a caxiense.
Como escapar da inadimplência
Corte gastos: Se você está superendividado, precisará cortar os custos não essenciais. Revise gastos fixos, faça cortes e a economia se torna automática. TV a cabo, plano de dados do celular, serviços de streaming e academia devem ser repensados.
Pegue o melhor crédito: Em situações de superendividamento, busque um empréstimo com taxa de juro menor do que a taxa que você paga hoje. Em geral, cartão de crédito e cheque especial têm os juros mais altos. Se você pedir empréstimo com uma taxa mais baixa, a dívida irá crescer a uma velocidade menor. Existem sites que ajudam a comparar os empréstimos para encontrar aquele com juro mais baixo, como o eCred, do Serasa Experian. Para mais informações acesse o site.
Negocie as dívidas: Depois de analisar quanto você deve e quanto tem de dinheiro para pagar mensalmente, procure negociar com as empresas credoras, como loja, escola dos filhos, administradora do condomínio e banco, por exemplo.
Antecipe rendimentos: Peça para o seu chefe antecipar um recebimento que não cobre juros, como 13º salário ou férias.
Fonte: Associação Brasileira de Educadores Financeiros (Abefin)