Pelas mãos desses profissionais, se tem o alimento do dia a dia, a possibilidade de uma mesa colorida e uma vida com uma alimentação mais saudável. Mas em Caxias do Sul, não dá para se precisar o número exato de pessoas envolvidas na agricultura hoje, nem se basear em dados oficiais para criar políticas públicas de auxílio ao agro. Isso porque o último censo agropecuário realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foi em 2017, o que impossibilita atualização constante de dados.
Segundo o titular da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Smapa), Rudimar Menegotto, o censo de 2017 foi importante, pois informa os estabelecimentos rurais, entretanto, ele não dá o número de famílias que trabalham com a agricultura o que, na sua visão, é uma falta.
– Os dados são importantes até para tu dimensionares e ver onde você pode ajudar. Esses dados que o IBGE fez em 2017 são importantes para a gente saber, mas eles não são completos, é importante também saber a população que você tem hoje – defende.
Para driblar essa dependência da fonte oficial, a prefeitura vem buscando uma plataforma de gestão na Secretaria Municipal de Agricultura para aquisição desses dados, através da Escola Família Agrícola da Serra Gaúcha (Efaserra) ou das universidades locais que tenham cursos na área da agricultura. Com isso, o município poderia ter dados mais atualizados e sem longos intervalos entre resultados.
– Temos a Emater, que também tem um papel fundamental, mas nada melhor que o município ter essa ferramenta, e nós estamos buscando essa ferramenta justamente para ter esses dados, onde o município está atendendo e onde ele precisa atender. É importante saber as famílias que dependem da agricultura em Caxias para saber uma população estimada, não se tem isso. O que se tem hoje é os mais de 2,7 mil estabelecimentos rurais, que mais ou menos se imagina umas 3,5 mil famílias que trabalham na agricultura, no mínimo – prevê Menegotto.
Com certeza a mão de obra é familiar sim, sabemos que em algumas culturas predomina quase total a agricultura familiar.
RUDIMAR MENEGOTTO
Secretário de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Caxias do Sul
Esse dado é importante, pois, de acordo com o titular da pasta, 80% do perfil do agricultor caxiense é da agricultura familiar, mas, este é um dado que também é guiado pelo conhecimento local e “achismo”, pois não existe uma fonte oficial. Para Menegotto, a esperança seria o censo demográfico que ia acontecer em 2020, adiado pela pandemia de covid-19 e que deve ocorrer de agosto a outubro deste ano, para se ter o perfil dos habitantes e também do agricultor.
– Mas com certeza a mão de obra é familiar sim, sabemos que em algumas culturas predomina quase total a agricultura familiar. Nós tínhamos no cadastro de vitícolas (de uvas) que, praticamente dos 3,8 mil hectares existentes em Caxias, 1,6 mil famílias, e praticamente 90% passava do familiar – pontua o secretário, referindo-se à cultura com maior área plantada na cidade.
Engana-se, no entanto, quem acha que a cultura de Caxias fica restrita apenas à uva. Apesar de ser a mais vista e conhecida, a maior cidade da Serra Gaúcha tem uma riqueza de culturas agro. A maçã é outra protagonista, em números de toneladas, assim como também tem outras frutas, como pêssego, cáqui, morango, ameixa, assim como as hortaliças, tipo tomate, cenoura e beterraba, conforme dados da Emater.
– O cáqui, o IBGE fala, inclusive, que é uma das cidades com maior área (de cultivo) no país, que também é comercializado em vários locais no país – destaca o secretário de Agricultura.
NA MESA DOS GAÚCHOS
Toda essa grandeza nutricional chega à mesa não só dos caxienses, mas de gaúchos do resto do Estado, principalmente os moradores da capital Porto Alegre. Mas, muito além do Rio Grande do Sul, essa produção ultrapassa os limites estaduais e é transportada para todas as regiões do Brasil, do Norte ao Sul, Leste ao Oeste.
– O morango é muito produzido, grande parte dessa produção vai para fora, sei de propriedades que mandaram até para Manaus. O tomate também é muito importante, cresceu muito no cultivo protegido – comenta Menegotto.
Quem corrobora com a informação é o gerente regional da Emater Caxias, Mauro Tessari:
– Fica aqui, abastecendo o Estado, como Porto Alegre, e também vai para outros Estados, principalmente as frutas, tipo cáqui, pêssego, ameixa, uva, vão para outros Estados do país, do centro (do país), São Paulo, outras regiões – acrescenta Tessari.
Frutas para 18 Estados brasileiros
Enviando morangos para 18 Estados brasileiros, a Granja Andreazza, instalada no interior de Caxias e tocada por Cláudio Andreazza, 64 anos, e seu filho Mateus, 32, também leva maçã para grande parte do país, abastece parte do mercado da soja e fortalece a suinocultura do Rio Grande do Sul.
“É a vida toda aqui, nasci aqui e estou até hoje, com 64 anos, morando aqui. Já passamos por muitas coisas, muitos atropelos da vida.”
CLÁUDIO ANDREAZZA
64 anos, da Granja Andreazza
– É a vida toda aqui, nasci aqui e estou até hoje, com 64 anos, morando aqui. Já passamos por muitas coisas, muitos atropelos da vida. E hoje nós estamos trabalhando mais com morango, milho, soja e temos suinocultura, além de um pequeno pomar de maçã – compartilha Cláudio.
E não menos importante, é nas sextas-feiras de Ponto de Safra que o casal Miguel, 61, e Margarete Pedrotti, 62, encontra seus consumidores para comercializar seus produtos. A área, que anos atrás era dominada pelos parreirais de uva, teve espaço aberto para os legumes e verduras.
A gente procura fazer variedades com qualidade, para a gente chegar no Ponto de Safra e ter 12 variedades e vender, agradando todo o cliente. Não é em exagero, nós colhemos menos, mas em mais variedades.
MIGUEL PEDROTTI
61 anos, representante da agricultura familiar
– Aqui era tudo parreiral, aí os pais começaram a envelhecer, tiveram dificuldade em manter e eu fui ajudando. Aí teve uma época que os parreirais deram pouco lucro, aí conversei com o pai para terminar com os parreirais e começar com a lavoura e ele viu que não tinha mais condições, tiramos os parreirais e começamos as lavouras. É muito bom trabalhar com parreirais, não vou dizer que não, mas como a nossa área é pequena, como produzimos muitas variedades, nos atrapalha – conta o agricultor, que frisa gostar de chegar à feira na Praça Dante Alighieri com, pelo menos, 12 variedades de produtos para agradar todos os clientes.
Tecnologia a favor do produtor
Atualmente, se as mãos calejam com o tempo, a tecnologia vem como uma aliada para a saúde do produtor, que tem seu desgaste e sua exposição reduzidos nos campos, na operacionalização da lida. De acordo com o gerente regional da Emater, Mauro Tessari, atualmente não é raro encontrar nas propriedades máquinas, tratores, equipamentos mais avançados e até mesmo cultivos tecnológicos, como estufas, coberturas plásticas e irrigação.
– A tecnologia cresceu muito em Caxias, a gente pode ver até pela área de cultivo em ambiente protegido. Isso faz com que hoje nós vendamos muito produto para fora do Estado, então a tecnologia favoreceu para que isso acontecesse. Além de (Caxias) ser o maior produtor de hortifrutigranjeiro do Rio Grande do Sul, se vende também para diversos Estados do país – ressalta o secretário Rudimar Menegotto.
A gente nem sonhava em plantar verdura antigamente, desde que largamos do tomate. Daí um dia veio essa ideia. Quem agradece são as nossas costas, que aqui não trabalhamos agachados.
JORGE PALANDI
70 anos, que trabalha com hidroponia
Foi dentro de uma estufa que os irmãos Palandi iniciaram sua aventura com a hidroponia (cultivo sem solo) há 10 anos. Hoje, já são quatro estufas, que totalizam 20 metros quadrados e milhares de pés de hortaliças na estrada para a localidade de São Braz, próximo à Rota do Sol.
– Sempre atuamos na agricultura, comecei com 17 anos plantando tomate, depois fomos para maçã. Daí chegou a idade, o serviço da maçã era mais pesado, e aí descobrimos a hidroponia para ter um trabalho mais leve. Fomos crescendo, colocando mais, e agora quase que nem dá volta. A gente nem sonhava em plantar verdura antigamente, desde que largamos do tomate, daí um dia veio essa ideia. Quem agradece são as costas, que aqui não trabalhamos agachados – brinca o produtor Jorge Palandi, 70 anos.
Ele diz que nem sempre é fácil. Por exemplo, a folga entre a safra da maçã que havia antigamente, hoje não existe mais, pois todos os dias é necessário ver se os pés já podem ser tirados da água ou fazer mudas para plantar. Outra questão é o custo da operação.
– A tecnologia existe, mas ela custa caro aqui pra nós, porque tu não consegue repassar o custo inteiro (ao consumidor). Então passamos trabalhando, nos virando, as coisas vão acontecendo. A gente nem imaginava antigamente plantar que não fosse na terra. A gente vê que a terra só serve para fixar, então a gente partiu para esse lado, continuamos até hoje, e acho que parar vai ser difícil. Na fruta, ficaram meu filho e meu sobrinho, e eu e meus irmãos com a parte mais leve, que quase se torna a mais pesada – diz Palandi.
Manter o toque da mão na terra
Enquanto uns desbravam os meios tecnológicos, outros buscam manter a mão na terra. É o caso do casal José, 64, e Lurdes Guerra, 60, que lidam com dois hectares de plantação sozinhos. Anteriormente, com a ajuda dos filhos que moravam com os pais, ainda era possível ter uma área maior de plantio, todavia “tocam como pode”.
Através do toque na terra, a gente coloca a nossa dedicação. Sempre procuramos dar o melhor para receber o melhor.
LURDES TERRA
60 anos, que faz cultivo manual
– Colher, adubar, tratar e plantar é tudo manual. Já preparar o canteiro é com trator. É impossível a gente fazer tudo manual. Não somos tudo rústico, a gente acaba apelando também (para a tecnologia). Mas através do toque na terra, a gente coloca a nossa dedicação, sempre procuramos dar o melhor para receber o melhor – opina dona Lurdes, enquanto cuida da plantação de brócolis.
Menegotto fala que muitas máquinas não substituem o trabalho manual, pois muitos produtos não são fáceis de plantar e colher.
– É um produto que é vendido in natura, não existe máquina para tudo. Não se consegue máquina para colher morango, para colher tomate, a própria uva in natura não se consegue. Então temos muita mão de obra manual porque não tem alternativa ainda, não tem como alguns produtos serem colhidos com máquina – complementa.
O AGRO EM CAXIAS
Os dados são escassos referentes à agricultura em Caxias do Sul. A prefeitura trabalha com os dados abaixo:
/ 2,7 mil estabelecimentos rurais.
/ 3,5 mil famílias trabalham com a agricultura.
/ 1,6 mil famílias na vitivinicultura.
/ Pelo menos 28 diferentes culturas são cultivadas em solo caxiense.*
/ Principais destaques: produções de uva, maçã, que lidera o ranking anual em toneladas, tomate, cáqui e hortaliças.
/ Caxias do Sul é o maior produtor de hortigranjeiros do Estado.
/ É o principal município abastecedor da Ceasa Serra e um dos principais da Ceasa Porto Alegre.
/ A produção caxiense de hortaliças abastece cerca de 80% do Estado além de várias cidades do país.
* Dado referente a setembro de 2020.
fontes: prefeitura de Caxias do Sul e cadastro vitícola