A volta de Caxias do Sul à Região Uva e Vinho, definida no mês passado, parece natural. Como poderia a cidade reconhecida pela Festa da Uva pertencer à Região das Hortênsias? Na prática, essa mudança tem pouco impacto sobre o turismo no município. Trata-se mais de uma sinalização de identidade, ou seja, de onde Caxias se sente mais próxima não apenas geograficamente, mas culturalmente. Essa decisão não significa também um afastamento completo da região onde fica Gramado, o principal destino turístico do Estado. Lideranças envolvidas com o setor em Caxias estão focadas em solidificar a cidade dentro da marca Serra Gaúcha. Mas, afinal, o segundo maior município gaúcho é turístico ou não? Para profissionais ouvidos pela reportagem, apesar dos desafios que se impõem: é, sim.
Um dado pode ajudar a confirmar essa posição. Em 2020, Caxias do Sul recebeu 493 mil turistas. É isso que mostra uma pesquisa por amostragem do Ministério do Turismo, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O número foi levantado pelo coordenador do Programa de Pós-Graduação em Turismo e Hospitalidade da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Pedro de Alcântara Bittencourt César. Esse dado coloca Caxias como o segundo município que mais recebe turistas no âmbito de 49 cidades do Nordeste do Rio Grande do Sul. Está atrás apenas de Gramado, com quase 1 milhão de visitantes.
Uma diferença marcante, para além dos números, é o perfil dos turistas que cada cidade atrai. O professor menciona que Caxias recebe visitantes por diferentes motivos, e não apenas para o turismo de lazer, mais reconhecido popularmente. A cidade, por ser um polo regional, recebe estudantes, empresários, familiares de pessoas com enfermidades que procuram atendimento em Caxias, interessados em fazer compras ou usar serviços específicos que não existem nos municípios onde residem. Quando existe uma pernoite no município, essa pessoa já passa a contar como turista.
— O turismo de lazer, a gente teve um retrocesso de certa forma. Se a gente for pensar que no ano de 2010, nós tínhamos dois roteiros turísticos extremamente consolidados, estou falando do Caminhos da Colônia e o Estada do Imigrante, e outros em consolidação. A gente tem uma retração, porque hoje eu tenho atrativos onde era um roteiro. Ainda tenho bons atrativos lá dentro, mas eu tinha um poder de atratividade maior ao posicioná-los como um roteiro — avalia César.
Estratégias para posicionar Caxias
A diretora técnica da Secretaria Municipal do Turismo, Renata Costa, afirma que um dos trabalhos para alavancar mais o setor em Caxias é justamente a consolidação de roteiros existentes, junto com a capacitação dos empreendedores e a definição de um posicionamento de Caxias sobre quem é turisticamente. Outra etapa envolve o emprego de recursos financeiros para melhorias como a sinalização da cidade. Mas, para Renata, o que não faltam são atrativos. Ela cita, por exemplo, a diversidade de opções de entretenimento noturno e de gastronomia como pontos fortes do município, além das belezas do interior.
— Se eles (visitantes) vêm para estudar ou por questão de saúde, isso também é turismo, mas a gente quer que as pessoas entendam que elas podem degustar Caxias do Sul e ver que Caxias vai além de vir buscar o emprego, uma capacitação ou fazer um tratamento médico, que as pessoas podem degustar e ter bem estar e entretenimento em Caxias.
Autorreconhecimento
Na avaliação dos empreendedores do setor, o município mais populoso da Serra tem como uma das suas principais barreiras a serem superadas o autorreconhecimento como um atrativo turístico. Ainda é comum que a própria população diga que a cidade “não tem nada para atrair visitantes”.
— Me parece que teríamos que trabalhar um pouquinho na quebra de alguns paradigmas. Eu não suporto mais ouvir que Caxias não tem vocação turística. Mas como não? Com tudo o que nós temos aqui, com todas as cantinas, os roteiros, as rotas de cerveja, com pousadas, com hotéis, o nosso interior é maravilhoso, as nossas festas de colônia... É tanta coisa que nós temos, que quando a gente mapeou e, se for dar uma olhada, é uma coisa fantástica e, mesmo assim, a gente continua dizendo bobagem, continua dizendo que não tem vocação turística — comenta Lisete Oselame, uma das coordenadoras da Câmara do Turismo do Mobi Caxias.
Caxias será algum dia reconhecida apenas como uma cidade que aposta no turismo de lazer? Com indústria pujante, polo regional para serviços de saúde e educação e com um comércio forte e diversificado, é improvável que esta resposta seja sim. Isso não significa, no entanto, que o trabalho para o desenvolvimento turístico esteja parado e que as demais atividades anulem esse setor.
A presidente do Conselho Municipal do Turismo, Karen Leitão Sbabo, que é proprietária da agência Kstur, destaca o processo colaborativo para elaboração do Plano Municipal do Turismo, em tramitação na Câmara de Vereadores, como um avanço para o setor. Apesar de muitas ideias contidas no documento não terem sido aplicadas ainda, ela revela que as atrações em Caxias são tantas e tão diversificadas que na própria empresa ela tem encontrado dificuldades para condensar roteiros para turistas aproveitarem em apenas sete dias.
— Caxias quer ser o coração da Serra Gaúcha, com experiências turísticas verdadeiras, apresentando o verdadeiro turismo de experiência de que tanto se fala — reconhece.
Cooperação com a Serra Gaúcha
Um dos aspectos centrais no discurso de quem está envolvido no desenvolvimento turísitco em Caxias do Sul é a integração da cidade com outros destinos da Serra Gaúcha. É uma forma de aproveitar o turista que já vem à região para que permaneça por mais tempo na cidade.
— A gente não quer trabalhar no sentido da divisão, nós queremos exatamente o contrário. Queremos trabalhar no sentido de congregar toda a nossa região, independentemente de cada um, suas potencialidades ou origens — comenta Lisete Oselame.
Para o coordenador do Programa de Pós-Graduação em Turismo e Hospitalidade da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Pedro de Alcântara Bittencourt César, o mais importante é compreender quem é o turista que vem a Caxias hoje e o que pode ser feito para que ele fique um pouco a mais na cidade.
César exemplifica dizendo que é importante incentivar um turista que se desloca por trabalho para ficar por três dias a ficar um a mais para conhecer o lazer oferecido em Caxias. Com isso, aumenta o gasto na cidade e, segundo o professor, por conta da experiência ele pode querer voltar com a família em outra oportunidade. De acordo com ele, esse foi um movimento adotado em São Paulo nos últimos anos, o que ajudou a colocar a metrópole na rota do turismo de lazer.
— Acho que a gente já tem um público, não precisa aumentar. Já somos o segundo maior destino turístico do Nordeste do Rio Grande do Sul. A gente precisa qualificar para resolver a questão de aumentar a renda relacionada ao turismo, tempo de estada e reimpulsionar os roteiros.
Gastronomia é um dos pontos fortes de Caxias
A comida típica da Serra é adorada por visitantes de diferentes pontos do mundo. Além de se aproveitar dessa característica, Caxias tem uma a cena gastronômica que não se resume a ela. A cidade conta com uma variada oferta de produtos que remetem a diversos países. É o caso do Carême Café & Pâtisserie, em São Pelegrino.
— Nosso principal produto da Pâtisserie é o Éclair. Quando o definimos como o produto principal, o primeiro chef do café foi para França buscar a receita original e a base dos doces franceses. Como queríamos um produto diferenciado, seguimos nessa linha de doces — conta a gerente Daniele Cavion Valentini.
Esse produto diferenciado, é claro, atrai visitantes não só caxienses:
— Praticamente todos os dias recebemos pessoas que não são de Caxias, tanto dos arredores da Serra Gaúcha, quanto pessoas que estão a passeio conhecendo a região, em maior número de São Paulo e Rio de Janeiro.
Mesmo com a pandemia, as atrações nesta área continuam a crescer em Caxias. É o caso do Alto Ádige, um restaurante que oferece petiscos e bebidas em um ambiente arborizado com vista para a cidade, localizado no bairro Jardelino Ramos. Um dos destaques do local é um labirinto de azaleias.
— Turistas de fora da cidade ainda são poucos, por sermos uma opção nova de lazer. Mas estamos focados que temos potencial para sermos uma das referências turísticas de Caxias do Sul — comenta Peter Brugger, um dos proprietários do Alto Ádige.
No mesmo local, também está instalada a Cervejaria Uff Bier. A produção dessa bebida, inclusive, é um dos pontos elencados como atrativos turísticos de Caxias, que se posiciona como a quarta maior rota de cervejas artesanais do Brasil.