O esgotamento hídrico ganha espaço no momento em que o Brasil está prestes a entrar em um colapso, com a clara possibilidade de um novo apagão.Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel),é a pior crise em 90 anos.A previsão é de que os reservatórios das hidrelétricas do Sudeste e Centro-Oeste cheguem ao fim de setembro com 15,4% da capacidade, volume menor do que o registrado na crise de 2001, quando o Brasil passou por racionamento compulsório de energia.
O Brasil está muito próximo de um colapso energético. O sistema hídrico, responsável por 60% do abastecimento de energia, está com níveis baixíssimos devido à falta de chuvas. Uma crise que fez com que se criasse uma nova bandeira tarifária, mais cara. Nem mesmo a Serra Gaúcha, que recebe investimentos e é sede de várias centrais hidrelétricas, está imune. Em virtude deste momento, as empresas que operam centrais hidrelétricas optaram por não fornecer qual está sendo a atual capacidade de produção e geração energética na nossa região.
Conforme o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), órgão responsável pela coordenação e controle da operação das instalações de geração e transmissão de energia elétrica do Sistema Interligado Nacional (SIN), se não houver oferta adicional a partir de setembro, não será possível atender à demanda dos meses de outubro e novembro, e o país corre o risco de ter apagões pontuais. Para pressionar o menor consumo, em 31 de agosto o governo federal anunciou um novo patamar de bandeira tarifária, que adiciona R$ 14,20 às faturas para cada 100 kW/h (quilowatts/hora) consumidos. Essa medida deve se estender até junho de 2022.
As empresas que operam as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) na região foram procuradas pela reportagem para informar como anda a situação dos reservatórios. No entanto, em função da gravidade da situação, optaram pelo silêncio.No RS, de acordo com dados da Aneel e da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema), há 68 PCHs. Deste montante, 19 estão em operação na Serra e outras nove em processo inicial de construção,com geração atual de 353,2 MW (megawatts). Além disso, um novo empreendimento energético entre Veranópolis e Nova Roma do Sul deve estar na lista nos próximos meses, saltando o total para 29.
Segundo Paulo Roberto Zuch, presidente da Associação Gaúcha de Fomento às PCHs (AgPCH), pode-se considerar que uma PCH de 1MW de potência instalada pode abastecer 3 mil pessoas. Para se ter uma ideia do potencial de geração de energia das PCHs da região, os 353,2 MW gerados (no potencial de geração a pleno) poderia atender um município ou região com 1,059 milhão de habitantes.
Longo Prazo
Zuch explica que o atual momento deve ser aproveitado para ampliar o debate em busca de soluções a longo prazo.
– Estamos passando por uma das piores séries históricas de falta de chuvas, isso impactou severamente no esvaziamento dos reservatórios. É importante aproveitarmos o momento para se debater principalmente as soluções, pois em geral o debate surge somente nos momentos de crise, pois tratam-se de soluções estruturantes e de longo prazo. No curto prazo, as soluções são muito limitadas.
Zuch aponta um dos caminhos possíveis, pelo menos para o atual cenário.
– É necessário debater sobre a construção de reservatórios em locais estratégicos e trazer maior segurança energética. Atualmente, a maneira mais econômica e viável de armazenamento de energia é através de reservatórios.
Fabiano Cislaghi Dallacorte, da gerência de Competitividade Setorial do Sebrae-RS, argumenta que é urgente ampliar a utilização de sistemas energéticos alternativos.
É muito mais gestão energética do que geração. Se resolvermos metade disso, já baixamos muito e abre um espaço na matriz energética.
FABIANO CISLAGHI DALLACORTE
coordenador Setorial de Energia e Metalmecânico do Sebrae-RS.
– Precisamos otimizar o que consome menos energia dentro de casa e nas fábricas. Cerca de 40% da energia consumida no Brasil são motores elétricos, sendo 20% não atualizados. Nós temos um caminho grande de renovação de máquinas para consumir menos energia. São investimentos mais baixos do que instalar sistemas biogás, eólica ou solar. É muito mais gestão energética do que geração. Se resolvermos metade disso, já baixamos muito e abre um espaço na matriz energética para ser usada em outras coisas – ressalta.
Geração local, mas distribuição a partir de uma central nacional
Termos tantas pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e outras usinas Hidrelétricas é algo positivo. Porém, isso não garante que a região esteja imune de uma possibilidade de um apagão.Um dos pontos a ser observado está na capacidade dos rios, que, assim como em outras localidades, podem sofrer com uma diminuição por questões climáticas, como a atual, com chuvas escassas ou sem a frequência de volume necessária.
Além disso, mesmo que operem na carga máxima,nem toda a energia que sai destas centrais fica para as cidades onde estão localizadas. Isso porque, todas as centrais fazem parte do Sistema Interligado Nacional (SIN), que, através de uma malha de transmissão, a interconexão do sistema elétrico garante a transferência de energia entre os submercados e permite o atendimento a quase todo o mercado consumidor nacional, de maneira segura e eficiente.
Para o diretor do MobiCaxias, Rogério Rodrigues, um maior incentivo destes empreendimentos para Caxias do Sul e na região contribuiria com a sustentabilidade no futuro.
– Estamos incentivando as PCHs, mapeando o potencial e capacidade para o futuro.Acima de tudo, estamos preocupados com energias limpas e renováveis, além das hidrelétricas, como a eólica e fotovoltaica. Queremos uma cidade sustentável – ressalta.
A questão também vem ganhando espaço nas pautas do planejamento estratégico que vislumbram as próximas duas décadas.
– Tem uma conexão com as pautas que estamos iniciando agora no que tange à preocupação e às tendências para o futuro. O consumo de energia atual tende a ser de crise. No (programa) Caxias 2040, incentivamos a preparação de estrutura para que tenhamos uma cidade e região preparadas. Em nível de mobilização, estamos atentos, mapeando e identificando a necessidade para o futuro,e vamos precisar ter mais do que temos ou estarmos mais capacitados – aponta.
Segundo Rodrigues, é preciso uma alteração na legislação deste modelo para que, então, o que for produzido fique por completo.
– Temos a preocupação, mas há uma estrutura hierárquica e de legislação. Mas o plano de ação para mudar está sendo feito passo a passo. Um deles é legislação, conhecimento, mapeamento desses projetos para poder minimizar. A questão eólica tem legislação e política, a fotovoltaica permite um controle e capacidade individual das residências e indústrias. Quem faz a gestão é a esfera federal, o Estado executa. Estamos tentando fortalecer a representatividade política para colocar essa pauta a longo prazo, como é o caso do Caxias 2040 – apresenta.
Benefícios socioeconômicos para além da produção energética
Empreendimentos que são 100% de capital privado ultrapassam as questões de energia para uma cidade ou região. Segundo as associações do setor, cada 1 megawatt (MW) instalado requer aproximadamente R$ 7,5 milhões em investimentos. Em média, um empreendimento deste porte pode gerar 300 empregos diretos e 900 indiretos na fase da obra. Com isso, todos os setores da economia local também passam a ser beneficiados.
Com relação à arrecadação fiscal, também há vantagens. O Imposto Sobre Serviço (ISS) é recolhido durante a obra e vai diretamente para os municípios envolvidos.Além disso, há um incremento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para a cidade na qual a casa de força é instalada.
Como grande parte das PCHs tem suas construções divididas entre duas e até três cidades, por vezes ocorrem divergências relativas ao projeto, principalmente no que tange às contrapartidas. O caso mais recente, noticiado pelo Pioneiro, ocorreu no empreendimento que ficará entre Veranópolis e Nova Roma do Sul, na Foz do Prata,e terá potência instalada de 49,3 MW, com investimento estimado em R$ 300 milhões. A empresa Creral, cooperativa de energia, com sede em Erechim, é a idealizadora.
A casa de força será instalada em Veranópolis, que ganharia o valor do ICMS. Porém, Nova Roma do Sul, solicitaria uma melhor contrapartida, que estaria em uma ponte, e não apenas em uma melhoria da balsa no Rio das Antas, já existente.
Paulo Roberto Zuch, presidente da Associação Gaúcha de Fomento às Pequenas Centrais Hidroelétricas (AgPCH), entende que a região só tem a ganhar ao receber estes investimentos.
– Segundo estudos da própria Aneel, todas as regiões onde PCHs foram instaladas tiveram aumento de seus IDHs (Índice de Desenvolvimento Humano). Elas levam desenvolvimento econômico e socioambiental para as regiões onde se instalam.Na grande maioria,não necessitam desapropriações, pois as áreas de reservatórios são pequenas – explica.
Mercopar terá espaço para promover debate
A Mercopar é o ambiente para projetar o futuro. Prova disso é a inserção da temática que mais preocupa os empreendedores no país. No dia 7 de outubro, ocorre em Caxias,durante a feira, o 5º Fórum de Geração Distribuída de Energia com Fontes Renováveis no Rio Grande do Sul.O evento será dividido em três eixos: Inovação, Regulamentação e Cidades Inteligentes com Novas Fontes de Energia.
Um dos organizadores do Fórum, Fabiano Cislaghi Dallacorte, é coordenador setorial de Energia e Metalmecânico do Sebrae-RS. Para ele, o debate de energia distribuída ganha ainda mais relevância com a aprovação do marco legal na Câmara dos Deputados e que segue para apreciação no Senado. O marco legal pretende dar incentivos ao uso das energias limpas e renováveis, mas também prevê uma compensação pelo uso das linhas de distribuição de energia elétrica. Os defensores desse texto argumentam que a geração distribuída incentiva a democratização da geração de energia elétrica a partir de fontes limpas e renováveis, diminuindo a utilização de usinas termelétricas e de combustíveis fósseis, que emitem poluentes.
– Até agora, não tínhamos uma segurança jurídica para fazer um investimento. Quando o consumidor ou empresa comprava o painel solar ou biodigestor, não tinha garantia de que o investimento voltaria em um tempo exato ou que teria esses créditos no futuro. Toda a regulamentação era feita sobre instrução normativa pela Aneel, que sofre pressões principalmente das distribuidoras de energia e outros. Com a aprovação, teremos segurança, ou seja, não tem mais mudança de rota – explica Dallacorte.
Essa geração distribuída, segundo Dallacorte, pode aliviar o setor hidrelétrico brasileiro, principalmente a longo prazo.
– A geração distribuída não torna as pessoas ou empresas imunes às crises energéticas, mas pode aliviar a rede, pois não fica dependente apenas das chuvas para encher os reservatórios. Hoje, 60% da matriz é hídrica, não é problema, porque é uma fonte positiva, mas dependemos do clima. Quando pudermos gerar do biogás ou solar e essa energia for injetada na rede, vai aliviar toda essa geração das hidrelétricas. Quanto mais sistemas gerando, menor a necessidade do consumo pelas fontes hídricas – pontua.
Dallacorte argumenta que isso poder vir a ser uma realidade com investimentos em armazenamento de energia. Algo parecido acontece em algumas propriedades rurais, em locais mais afastados e sem a possibilidade de cabeamento de energia. Para ele, o armazenamento de energia pode evitar que a sociedade e as indústrias sofram com possíveis crises, como a que estamos vivendo.
– Hoje não é viável, porque o investimento em baterias é altíssimo. Mas as empresas de baterias,laboratórios,entidades, estão pesquisando novos modelos para armazenamento, que possam ser mais leves, ter maior capacidade, menos custo de produção e menor impacto ambiental. Essa é a próxima fronteira da geração de energia. Está quase ao nosso alcance, a ponto de termos um investimento de R$ 50 mil a 100 mil para armazenamento pequeno e ter um retorno em 10 anos – avalia.
Destravar projetos, pede a indústria
A Federação das Indústrias do Estado do RS (Fiergs) entende que o agravamento da crise hídrica brasileira deverá se estender para além de 2021 e provocará impacto em todos os setores, inclusive, com reajuste no custo da energia.
Na avaliação do presidente Gilberto Porcello Petry, o país ainda não chegou ao patamar de 2001, quando houve racionamento compulsório. Para que isso não volte a ocorrer, ele diz que é fundamental um esforço do setor público para destravar projetos de empreendimentos do setor de energia para reduzir a dependência da fonte hídrica. A percepção é semelhante no Simecs, o Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul e Região:
– Nos preocupa um possível racionamento se não tivermos uma ativação programada das termoelétricas. O governo precisa de um planejamento estratégico para sua matriz energética, seu modelo industrial e como agregar valor às nossas commodities. O Estado tem um grande potencial de geração de energia limpa e renovável, que o tornaria grande exportador. Há inúmeros projetos de empreendimentos do setor de energia e devemos ter um esforço por parte do setor público para destravá-los – diz o presidente do Simecs, Paulo Spanholi.
O que são e como funcionam as PCHs
- Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) são definidas como usinas hidrelétricas menores em tamanho e em potência. Por meio da força e pressão da água, as PCHs geram uma energia entre 5 e 30 megawatts de potência. Sendo que 1 megawatt abastece até três mil pessoas.
- No trecho de rio escolhido para receber a hidrelétrica, são construídas uma barragem e um reservatório. A água é levada por meio das tubulações da usina até as turbinas, as quais irão se movimentar por conta da força e da velocidade da água. Essas turbinas são conectadas a um gerador, o qual transforma o movimento das pás das turbinas em energia.
- Uma das vantagens da construção de PCHs é que, ao contrário de grandes centrais, elas acabam inundando áreas menores (na foto, a PCH Passo do Meio). No entorno dos seus reservatórios, as PCHs são obrigadas a constituir Áreas de Preservação Permanentes (APPs), que variam entre 30 metros a 100 metros na extensão de todo o reservatório, recompondo a vegetação e protegendo a área.
- Além disso, as PCHs são fontes de energia limpa e permitem que, no mesmo rio, desde que em trechos afastados, se possa construir mais de um empreendimento deste porte.