Mesmo em meio a um cenário de incertezas provocado pela pandemia de covid-19, as cooperativas gaúchas faturaram R$ 52,1 bilhões em 2020, um crescimento de 6,4%. Na Serra, o desempenho foi melhor ainda. As cooperativas cresceram 13,7% e faturaram mais de R$ 4,5 bilhões. Aumentou também o número de sócios: incremento de 17,7% com mais 25 mil associados em 2020, conforme dados divulgados pela Organização das Cooperativas do Estado do Rio Grande do Sul (Ocergs) nesta semana.
O segredo? Na verdade, não há. A explicação para resultados tão positivos está em valores de solidariedade e cooperação, próprios do associativismo, na visão de Heloisa Helena Lopes, diretora-executiva da Casa Cooperativa de Nova Petrópolis e vice-presidente da Sicredi Pioneira.
— São nesses momentos de maior dificuldade que as pessoas se unem em prol de um objetivo, então, as cooperativas acabam crescendo, até porque elas têm esse olhar mais genuíno. O resultado de uma cooperativa é um meio para que ela possa exercer as suas funções sociais. Em meio a uma crise, a cooperativa tem o olhar mais voltado para o seu associado e também para o entorno, sua comunidade, promovendo o desenvolvimento local — argumenta Heloisa.
O resultado de uma cooperativa é um meio para que ela possa exercer as suas funções sociais.
HELOISA HELENA LOPES
diretora-executiva da Casa Cooperativa de Nova Petrópolis e vice-presidente da Sicredi Pioneira
Não são apenas números que ilustram o fortalecimento do movimento cooperativista. A inauguração da primeira etapa do restauro da Casa Rural, neste sábado (3), Dia Internacional do Cooperativismo, é um bom exemplo do que a força do cooperativismo é capaz. Foram 18 meses de trabalho para restaurar e readequar o imóvel histórico que abrigou a primeira cooperativa de crédito do país e está localizado na Linha Imperial, no interior de Nova Petrópolis. O espaço terá museu e arquivo histórico, além de sala para atividades pedagógicas, e deve ser aberto para visitação até março do próximo ano.
— Para que esse projeto tivesse resultado, nós tivemos o apoio de muitos parceiros. O proponente é a Casa Cooperativa e tem apoio da Sicredi e patrocínio das cooperativas Piá e Nova Aliança. É um investimento de alto valor. Não seria possível sem o apoio — destaca Heloisa, acrescentando que o investimento foi de mais de R$ 1 milhão.
Desenvolvendo o turismo
O restauro do prédio que foi a primeira sede própria da antiga Caixa Rural, além de preservar a história do cooperativismo, promete desenvolver o turismo em Nova Petrópolis. Conforme o secretário de Turismo, Indústria e Comércio, Rodrigo Santos, o município terá uma nova alternativa de roteiro fora do centro, em uma localidade que está no trajeto dos visitantes que seguem para Gramado.
— Hoje temos um grande fluxo de turistas que passa por Nova Petrópolis e muitos, de forma despercebida, pela Linha Imperial — observa.
Secretário de um município considerado berço do cooperativismo brasileiro, Santos frisa que mais do que impulsionar o turismo ou gerar renda, o associativismo criou algo muito mais valioso em Nova Petrópolis: a cultura de participação popular e comunitária.
— Posso trazer como destaque o programa Nova 2050, que projeta a cidade para daqui 30 anos. Foi construído pela comunidade. Eu vejo como maior retorno do cooperativismo essa participação, todo mundo se sente parte das decisões — avalia.
Nova Petrópolis tem ainda a Cooperativa Piá que gera 850 empregos na cidade. Ela responde por 23,98% do ICMS de Nova Petrópolis.
Saiba mais
:: O prédio em arquitetura em Art Déco, construído em 1954, foi a primeira sede própria da antiga Caixa Rural, pioneira no cooperativismo de crédito na América Latina. Anos depois, tornou-se a Sicredi Pioneira. Mais de R$ 1 milhão foram investidos no restauro e readequação do espaço.
:: A Casa Neumann, localizada na mesma praça da Casa Rural, foi adquirida recentemente pela Sicredi. Ainda não há projeto para o local, mas a ideia é transformar a Linha Imperial em um complexo que retrate a história do cooperativismo e promova a inovação.
Live solidária
Para marcar o Dia Internacional do Cooperativismo, celebrado sempre no primeiro sábado de julho, uma live será realizada pela Casa Cooperativa, às 18h, no canal da entidade no YouTube.
O bate-papo irá abordar passado e futuro do cooperativismo. Durante a live (e antes também), os participantes poderão ajudar a campanha para compra de alimentos para pessoas em situação de vulnerabilidade.
Os valores podem ser doados por meio do Pix, com a chave de e-mail facoparte@sicredi.com.br, ou escaneando o QR code presente na tela durante o evento.
Cooperativas vinícolas se aperfeiçoaram e cresceram
Além das cooperativas de crédito, é forte na Serra, desde a década de 1930, a presença das cooperativas vinícolas. Tão forte que em 1952 elas formaram a Fecovinho (Federação das Cooperativas Vinícolas do Rio Grande do Sul). Atualmente, são cinco cooperativas vinícolas representadas pela entidade reunindo mais de 4 mil famílias.
Neste ano, além da união de esforços típica do associativismo, o clima ajudou e a safra das cooperativas vinícolas do Estado chegou a 210 mil toneladas, o que possibilitou regularizar os estoques.
— As nossas cooperativas, na sua essência, já trabalham em conjunto e isso só reforça a importância do movimento que mesmo durante a pandemia manteve os postos de trabalho, suas atividades, atendimento aos clientes, o que contribuiu com um equilíbrio socioeconômico — afirma o diretor-executivo da Fecovinho, Helio Marchioro.
Nos últimos 20 anos, as cooperativas superaram os 100% de crescimento em volume de uvas e faturamento devido ao aperfeiçoamento da gestão e profissionalização, tecnologia na produção e na indústria, agregando valor com o aumento do portfólio ao inserir os espumantes, sucos e vinhos.
Comitê Jovem
As cooperativas da Serra se tornaram referência de qualidade e ganharam reconhecimento com a escolha neste ano de duas representantes da região para o Comitê Nacional de Jovens da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB). Pamella Fernandes, do Sicoob, foi eleita em abril coordenadora, e Jessyca Bolzan, da Fecovinho, como vice-coordenadora. O mandato é de dois anos.
— O principal objetivo do comitê é mostrar que o jovem tem potencial e força de trabalho, desde que seja incentivado. Queremos criar ações para motivar as cooperativas a atrair os jovens. No caso da agricultura, muitos estão voltando para o campo, mas queremos que ele continuem nas cooperativas como os pais — destaca Jessyca.
Mãos dadas também na agricultura
Depois de um início de pandemia difícil para a Cooperativa de Agricultores e Agroindústrias Familiares de Caxias do Sul (Caaf), principalmente por conta da suspensão das aulas presenciais — a rede de ensino é um dos seus principais mercados — o cenário começou a melhorar neste ano. A cooperativa retomou de 30% a 40% dos contratos para merenda escolar e ampliou outros com as Forças Armadas.
Com o cooperativismo, você consegue fazer com que as pessoas percebam que o individualismo não leva a nada.
JUAREZ RIGHEZ
vice-presidente do núcleo da Serra da Econativa
Com um grupo grande de produtores de maçã, a Caaf passou a vender para outros estados, como Paraná e São Paulo. A cooperativa também resolveu investir em infraestrutura para melhor atender os novos clientes. Neste mês, o endereço da sede deixa de ser o de São Luiz da Sexta Légua. O novo espaço, no Jardim das Hortênsias, terá 1,2 mil metros quadrados _ o atual tem 270 metros quadrados.
— Estamos ainda com um passivo, mas estamos investindo. É um passivo contornável até o final do ano. Dentro das nossas projeções, será superado — afirma Marcos Regelin, gerente da Caaf.
Os 10 novos contratos conquistados neste anos garantem faturamento de R$ 6 a R$ 7 milhões a mais, segundo Regelin, o que está possibilitando a reposição de vagas que foram fechadas no ano passado.
— Nós, de forma individual, teríamos sofrido mais. A tendência em momentos de crise é sair, desistir. Graças a união, conseguimos permanecer no mercado — valoriza.
Vice-presidente do núcleo da Serra da Econativa, cooperativa de produtores orgânicos, Juarez Righez concorda que em conjunto foi mais fácil atravessar os primeiros meses de pandemia. Enquanto agricultores dependentes da venda nas feiras sofreram com a ausência de clientes, a cooperativa viu a demandar aumentar cerca de 40% no início da crise sanitária. Hoje, segundo ele, está estabilizado em torno de 20% a menos do que o padrão normal.
— Com o cooperativismo, você consegue fazer com que as pessoas percebam que o individualismo não leva a nada. Todo e qualquer sistema que não tem cooperação não vai para frente. Para a agricultura familiar, fortalece muito, porque você consegue agregar não só uma pessoa, mas a família — argumenta Righez.
A Econativa tem 75 associados de 13 municípios da região. A rede Zaffari está entre os principais clientes da cooperativa.