A crise causada pela pandemia de covid-19 causou impacto negativo na economia, gerando paralisação de atividades, fechamento de empresas e desligamentos de empregados. Contudo, também causou um fenômeno chamado de empreendedorismo por necessidade. Talvez esteja aí a explicação para Caxias do Sul aparecer como segundo município do Estado entre os 10 que mais abriram empresas, incluindo os Micro Empreendedores Individuais (MEIs), no primeiro trimestre dos últimos três anos. A cidade da Serra perde apenas para Porto Alegre.
O ranking foi divulgado pela Junta Comercial, Industrial e Serviços (Jucis) do Rio Grande do Sul. Os dados sobre empresas são do próprio órgão estadual, somados ao dado sobre os MEIs que se cadastram diretamente no governo federal, mas cujos registros são informados às Jucis em 24 horas.
A Junta registrou a constituição de 27.278 empresas no primeiro trimestre de 2021 no Estado. Esse número representa o maior aumento em quantidade dos últimos três anos, sendo registrada uma alta de 7,96% entre 2019 e 2020 e 32,10% entre 2020 e 2021. Caxias do Sul teve aumento de 11% do primeiro trimestre de 2019, quando foram abertas 2.396 empresas, para o mesmo período de 2020, quando foram registradas 2.660 aberturas. Já neste ano, o percentual de crescimento, considerando janeiro a março, em relação a estes mesmos meses do ano passado, foi de 31%, com 3.493 aberturas.
A presidente da Jucis do Estado, Lauren de Vargas Momback, acredita que a elevação se deve, sim, ao fenômeno chamado de empreendedorismo por necessidade:
— É aquela pessoa que acabou perdendo o emprego e teve fazer um MEI ou abrir uma Ltda (limitada) para desenvolver uma atividade por conta própria.
Em contrapartida, 1.198 empresas e/ou MEIs foram extintas neste primeiro trimestre na cidade, 20% a mais do que no mesmo intervalo de tempo de 2020 e de 2019, que tiveram praticamente o mesmo número de extinções, 993 e 992, respectivamente. Lauren explica que o dado sobre as extinções não corresponde à realidade de fechamento de empresas, mas sim àquelas que deram baixa na Junta Comercial nesses meses. Isso porque inclui as extinções provenientes de decisões judiciais que só ocorrem ao final do processo e, também, as que fecharam há tempos, mas só deram baixa depois. Considerando apenas o dado apresentado, o saldo entre aberturas e extinções em Caxias é positivo em 2.295.
Cenário preocupante
No Estado, a Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas do Rio Grande do Sul (FCDL-RS) divulgou dados da Jucis que mais de 22.500 estabelecimentos encerraram suas atividades no primeiro trimestre de 2021. Um incremento de 31% sobre o total registrado no mesmo período de 2020, que foi 17.182. Cenário considerado preocupante pela entidade, que chama a atenção para o fato de quase 90% se tratarem de micro e pequenos negócios, os mais afetados pela crise econômica decorrente da pandemia.
— As micro e pequenas empresas não estão conseguindo manter seus fluxos financeiros e sofrem dificuldades extremas para conseguir honrar seus compromissos com colaboradores, fornecedores e pagamento de tributos. Por causa desse desequilíbrio financeiro, milhares delas fecharam suas portas em definitivo e isso é muito grave, já que as MPEs são as principais geradoras de emprego e renda em todo o Brasil — comentou, em nota divulgada pela entidade, o presidente da FCDL-RS, Vitor Augusto Koch.
Um negócio é encerrado e outro abre
A pandemia foi o motivo final para que Iolanda de Freitas Demari, 69 anos, encerrasse o negócio que tinha há 40 anos em Caxias. A perda de um familiar para a doença a fez repensar sobre ter mais tempo para a família, além disso, já vinha tendo que investir para manter a loja de roupas aberta.
— Pensei sobre vários aspectos. Que a covid estava levando pessoas queridas. Que trabalho há muito tempo. Foram bons momentos, mas chega um ponto que temos que sentir que se fecha um ciclo. Quanto tempo ainda iria esperar para dar um tempo para a família? A pandemia veio para eu questionar até que ponto valia a pena continuar. E foi um ano de labuta. Começávamos um mês sabendo que precisa de pelo menos um "x" para dar conta, e as coisas não aconteciam, por causa do abre e fecha, os clientes com medo em casa... Todo o comércio sentiu muito isso — ponderou Iolanda.
A empresária avisou aos clientes sobre o fechamento da Caravelle por meio de uma rede social, como uma espécie de despedida. O afastamento da atividade para a qual dedicou quatro décadas da vida só foi suavizado porque Iolanda acabou vendendo a loja para a gerente que trabalhou com ela durante 15 anos. Agora, ajuda a nova dona, Tatiane Zanol, 33 anos, a organizar tudo para a reabertura que deve ocorrer nos próximos dias. Tatiane deixou de ocupar uma vaga de emprego formal, com carteira assinada, para abrir a própria empresa Ltda, a Benedetta.
— Quando se está a bastante tempo em uma empresa, como meu caso, para começar de novo em outro emprego, com cargo que tinha e o salário que tinha, é praticamente impossível. Foi um empurrão e uma oportunidade para abraçar algo que eu já trabalhava, que conheço e que é o meu chão para dar sequência. O risco é grande e estamos cientes de que, enquanto não tiver grande parcela vacinada, o negócio vai estar meio restrito. Mas isso vai passar, com certeza, está mais próximo disso, e com a volta das escolas a vida das pessoas começa a movimentar — projeta, otimista, a empresária.
Abertura e extinção de empresas (incluindo MEIs) em Caxias:
Abertura
1º trimestre de 2019 - 2.396
1º trimestre de 2020 - 2.660
1º trimestre de 2021 - 3.493
Extinção
1º trimestre de 2019 - 992
1º trimestre de 2020 - 993
1º trimestre de 2021 - 1.198
Dados da Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Caxias:
Abertura em 2021
Janeiro fevereiro - 1.624
Março - 1.180
Total do trimestre - 2.804
Extinção em 2021
Janeiro - 412
Fevereiro - 360
Março - 470
Total do trimestre - 1.242
Os CNPJS de Caxias do Sul:
:: Caxias do Sul encerrou 2020 com 68.073 CNPJs ativos. Somados os 2.804 novos do primeiro trimestre deste ano, são 70.877, atualmente.
:: Dos novos empreendedores deste ano, 1.365 são MEIs (cerca de 48,7%). Do total de CNPJs na cidade, 35.453 são MEIs (50% do total), um crescimento de 4% em relação aos 34.088 que existiam ao final de dezembro de 2020.
:: O número de MEIs abertos em fevereiro foi 490% maior do que as abertas em janeiro em Caxias — 685 e 116, respectivamente.
:: De fevereiro para março, houve redução na abertura nessa modalidade em torno de 17%, com 564 novas.
Empresas em funcionamento em Caxias por setores (os dados de março ainda não foram divulgados pelo Ministério da Fazenda):
:: Serviços - 33 mil (47,3%)
:: Indústria - 12 mil (17,2%)
:: Construção civil - 6 mil (8,6%)
:: Comércio - 18,5 mil (26,5%)
:: Agronegócio - 200 (0,3%)
:: Total - 69.700
Fonte: Receita Federal
Entre os novos negócios abertos, quase 50% são MEIs
A Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Emprego de Caxias tem números um pouco diferentes dos da Jucis. A explicação pode estar na demora entre o cadastro feito na Jucis (que aponta quantidade maior de empresas abertas no primeiro trimestre em Caxias) e o pedido de CNPJ feito à Receita Federal (que é a fonte de dados globais da prefeitura e tem número menor). Por outro lado, a Jucis não tem os registros de empresas de sociedade civil. Então, um escritório de advocacia, por exemplo, pode ter um CNPJ e não constar no dado da Junta Comercial.
De toda a forma, o crescimento nas aberturas se confirma. Segundo a secretaria, Caxias tinha 68.073 CNPJs ativos ao final de dezembro de 2020. Nos três primeiros meses, foram criados 2.804 novos, somando 70.877 no fim de março. Entre os novos, 48,7% (ou 1.365) são MEIs. O salto de crescimento dessa modalidade na cidade ocorreu de janeiro deste ano, quando foram criados 116 novos, para fevereiro, que teve 685 novos, um aumento percentual de 490%. Em março, houve pequena redução na quantidade de aberturas, ficando em 564 novos. Caxias acabou o primeiro trimestre com 35.453 MEIs (50% do total de CNPJs ativos atualmente na cidade).
Na divisão por setores, o de serviços segue sendo aquele com maior número de empresas no município. Até o final de fevereiro, eram 33 mil, quase a metade (46%) do total (69.700 em números arredondados). Os dados de março por setor ainda não foram divulgados pelo Ministério da Fazenda. Esse segmento dos serviços foi um dos mais afetados pela pandemia, já que envolve bares, restaurantes, hotéis, salões de beleza e etc.
Segundo o Sindicato Empresarial de Gastronomia e Hotelaria — Região Uva e Vinho (Segh), nestes três primeiros meses do ano, foram abertos 168 novos empreendimentos nos segmentos de gastronomia, bares e hotelaria na cidade. A maioria deles são microempreendedores individuais. Ainda conforme o Segh, a estimativa é de que houve 5% de fechamento em relação ao total de 1.824 empresas representadas pelo sindicato e 10% de desligamentos de empregados nesse mesmo período.
— Com este período de bandeira preta, estes percentuais devem aumentar. Muitos não têm recurso para fechar a empresa nem para demitir neste momento — comenta Vicente Perini, presidente da entidade, referindo despesas que envolvem essas medidas.
Na sequência dos setores numericamente mais expressivos, vem o comércio, também bastante atingido pela pandemia, com 18,5 mil empresas, a indústria, com 12 mil, a construção civil, com 6 mil, e o agronegócio com 200 CNPJs. Esses três últimos não pararam as atividades. As extinções, segundo o município, ficaram em 1.242: 412 em janeiro, com queda de 12,5% em fevereiro, que registrou 360, e aumento de 30% em março, que chegou a 470 extinções. Não há dados regionalizados ou municipais de quantas empresas estiveram ou estão com atividades paralisadas em função da pandemia ou outro motivo.
Medidas do governo estadual e vacinação colaboram
Para a presidente da Jucis do Estado, Lauren de Vargas Momback, medidas adotadas pelo governo estadual podem ter colaborado para as novas aberturas registradas no primeiro trimestre. Uma delas foi a isenção da taxa de abertura para quatro tipos empresariais, considerados os pequenos empreendedores: Ltda, Eireli (Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, é um tipo societário de microempresa no qual é exigido apenas um sócio, o proprietário), individual e cooperativa. O valor varia de R$ 89,95 a R$ 155,77. Entre todas, a Ltda, que reúne pelo menos dois sócios, foi a que mais cresceu em quantidade. Isso se deve, provavelmente, à característica de não necessitar de um valor mínimo de capital. Já a Eireli necessita de capital social inicial de cem salários mínimos, provável motivo pelo qual não tenha tido aumento nesse período de pandemia. A cooperativa, que é a associação de um grupo de pessoas, apesar da expectativa de crescimento do Estado, teve pouco aumento. E a modalidade individual é quando uma pessoa abre sozinha uma empresa.
A isenção das taxas começou em 26 de outubro de 2020, por 90 dias, para os 497 municípios. Ao final do período, diante da constatação do aumento de aberturas, o governo prorrogou a medida por mais 60 dias. Em março deste ano, houve nova prorrogação de prazo, que termina em 22 de junho.
— O Estado foi o segundo do país a isentar, o primeiro foi São Paulo, que isentou por 60 dias e, depois, voltou a cobrar. O Rio Grande do Sul isentou e mantém até agora. É o único Estado que vai ficar por oito meses sem cobrar as taxas de constituição desses quatro tipos empresariais — ponderou Lauren.
Outra medida que facilita a abertura e isenta de pagamento o pequeno empreendedor é a assinatura avançada. Ela foi implantada no Rio Grande do Sul em 5 de março e já teve impacto, segundo a Jucis, no número de novas empresas. O processo é feito pelo site da Junta Comercial. O empresário assina o documento por meio de reconhecimento facial ou home banking de forma gratuita, sem a necessidade do certificado digital, que custa entre R$ 200 e R$ 420, com validade entre um e três anos. O site da Jucis (jucis.rs.gov.br) tem as informações sobre como obter uma assinatura avançada.
Para a presidente da Junta, a chegada da vacina também pode ter gerado um cenário de mais confiança ao empreendedor.
"Queria algo em que fosse a dona do meu negócio"
Nessas variações de aberturas e de extinções, é preciso considerar também que uma mesma pessoa pode migrar de um tipo de empresa para outra causando um fechamento e uma abertura na sequência. Esse é o caso da esteticista Caroline Pizato, 24 anos. Ela abriu uma empresa de RH, com uma sócia, em dezembro do ano passado. O negócio era uma agência de empregos voltada para a área da beleza com atendimento presencial e não deu certo. A sociedade foi desfeita e a empresa, extinta em março deste ano. Caroline resolveu se tornar uma microempreendedora individual (MEI) e presta serviço de marketing digital nas áreas de gestão, finanças e posicionamento de marca. Para isso, fez uma parceria com um salão de beleza.
— Damos dicas, cursos e treinamentos online para profissionais e para salões e empreendedores também. Sou mãe há pouco tempo. Estava em casa e decidi que estava na hora de voltar (ao mercado de trabalho). Sempre trabalhei no ramo da beleza, mas queria algo em que fosse a dona do meu negócio e decidi por esse caminho — explicou Caroline.
Segundo a empreendedora, o meio digital trouxe segurança ao negócio nessa época em que várias atividades presenciais ficaram dependentes do modelo de distanciamento controlado do governo do Estado para poderem operar.
— Tendo o serviço online, posso atender a hora que quiser, quando quiser, não interfere em nada a bandeira e a situação atual em que estamos — ponderou.
MEIs receberam mais atenção em Caxias
O número de MEIs em Caxias fez com que o município voltasse mais a atenção a esse tipo de empreendedor. Neste ano, foi instituído canal direto por meio de WhatsApp para que as pessoas não precisem se deslocar até a prefeitura. Os novos empreendedores também não precisam mais ir até a sede administrativa para assinar o termo para poderem expedir nota fiscal. Isso é feito de forma online. Segundo o secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Emprego, Élvio Gianni, antes, duas mil pessoas por mês iam até a prefeitura para fazer isso. Muitas também reclamavam que não eram atendidas ao telefonar. Agora, o contato pode ser feito por meio da rede social.
— A Sala do Empreendedor olha com muito carinho para esses MEIs, porque são pessoas que perderam o emprego na empresas em que trabalhavam e estão tentando se manter, abrindo uma MEI e fazendo o que sabem e tocando a vida. Queremos facilitar a vida das pessoas, desburocratizando. A sala passa a ser referência para eles, não só no momento de constituir a empresa, mas também por ser uma espécie de consultoria. Não só de dar um número para a pessoa, mas de orientar para que a empresa dela se mantenha ou cresça — declarou.
Para o gestor, a tendência é que a quantidade de MEIs aumente ainda mais:
— Por dois motivos: uma é a relação empregado-empregador que mudou, e outra é a questão de sobrevivência, porque a pessoa perdeu o emprego formal, mas tem alguma habilidade e abre uma empresa e vai à luta.
O baixo custo também está relacionado. Os MEIs têm custo de cerca de R$ 60 por mês (5% do salário mínimo recolhido pelo governo federal, para fins de aposentadoria). O município fica com uma parte de R$ 2 ou R$ 3.
O MEI é uma forma de trabalhar legalizada, a baixo custo, poder emitir nota fiscal, ser contratado e ter acesso a financiamentos e linhas de crédito, e para fins de aposentadoria.
— As pessoas pensam que o MEI não gera imposto ao município, e é verdade, porque até R$ 7,6 mil, não pagam impostos para emitir nota fiscal, mas fazem o mercado circular e a economia girar. Ele não gera diretamente impostos ao município, mas ele gera indiretamente, para o mercado — conclui o secretário.
Semana do MEI
O Sebrae realiza, entre os dias 10 e 14 de maio, a Semana do MEI. Pelo segundo ano, o evento terá edição online, em função da pandemia. A programação é gratuita e oferece palestras, oficinas e seminários para melhorar os negócios, além de orientação empresarial sobre gestão, inovação e finanças, obrigações e benefícios do microempreendedor individual. Informações no site sebrae.com.br/semanadomei.