Anderson Gabana ficou apavorado quando o telefone da sua empresa de instalação de ar-condicionado deixou de tocar no ano passado. Com os primeiros decretos da pandemia, a procura caiu drasticamente, e o jovem empresário de 28 anos quase paralisou. Quase. Ficar parado não era, logicamente, a solução, então, resolveu tirar da gaveta um plano antigo: fazer um curso de instalador de energia solar.
— Eu já pensava em investir em energia, mas não tinha coragem, porque era incerto. A pandemia fez criar a coragem na marra — conta.
Em apenas 10 dias, Gabana concluiu o curso de aprendiz solar online, que podia ser feito a qualquer momento do dia, conforme a disponibilidade do aluno. Aprendeu sobre o funcionamento da energia, cada componente que integra a cadeia e como fazer a instalação. Com o canudo em mãos, passou a oferecer o novo serviço.
O trabalho ainda é recente, mas Gabana já tem colhido bons resultados. Embora a AGTech tenha maior demanda por instalação de ar-condicionado, a energia solar tem sido mais rentável. Cerca de quatro projetos de energia são desenvolvidos por mês, mas, segundo ele, ainda há muito espaço para crescer.
— 2021 foi o estouro da energia solar, antes não se via. Talvez até pela pandemia, o pessoal está pensando mais na economia. As empresas também estão buscando essa tecnologia — percebe.
Eu já pensava em investir em energia, mas não tinha coragem. A pandemia fez criar coragem na marra.
ANDERSON GABANA
Empreendedor
E o retorno tem sido tão positivo que ele já tem metas bem definidas para os próximos meses:
— Quero abrir uma franquia online de ar-condicionado e ampliar a equipe para instalação de energia solar — planeja Gabana, que conta atualmente com três parceiros.
Além disso, o empreendedor decidiu que irá cursar Engenharia Elétrica, graduação que trará maior autonomia ao seu negócio. Com a formação no curso superior, poderá assinar os projetos da empresa – hoje, ele precisa contratar um engenheiro responsável.
"A gente deveria estar sempre estudando"
Não foi a primeira vez que Gabana precisou se reinventar e buscou formação profissional como saída. Em 2016, demitido de uma empresa metalúrgica e sem conseguir recolocação no mercado de trabalho, ficou sem chão. O jeito foi se qualificar. Fez cursos de eletricista predial e de instalador de ar-condicionado e abriu sua empresa.
— Eu fiquei sem norte na época. O que vou fazer? Não tinha emprego. Agora estou bem melhor, sou dono do meu próprio negócio — comemora.
Com a experiência de quem deu a volta por cima em dois momentos distintos, ele reconhece que a capacitação precisa ser constante, não somente quando uma crise bate à porta:
— A gente deveria estar sempre estudando. Como diz meu pai, quando o sapato aperta que a gente procura ajuda.
Formação
O curso de aprendiz solar online é oferecido pela Voltatec desde janeiro de 2020. Ele foi desenvolvido com base na formação presencial oferecida desde 2016 pela empresa.
Alternativa que deixou de ser apenas alternativa
Realizada com a profissão de psicóloga, Janay Caon Pieruccini viu as coisas tomarem um rumo totalmente diferente do que imaginava no ano passado. A prestação de consultorias foi fortemente afetada e não havia perspectiva para retomada tão logo. Foi aí que resolveu entrar de cabeça no seu segundo trabalho, a loja virtual de vinhos finos que havia inaugurado em fevereiro de 2020.
E como ela fez isso? Investindo em qualificação. Matriculou-se em cursos de uvas, de marketing de vinhos, de harmonização e de terroir. A alternativa deixou de ser apenas alternativa e virou coisa séria. Em setembro, ela abriu as portas da loja física, a Adega Dorna, que já está dando mais resultados que o e-commerce.
— A consultoria ficou ameaçada, com clientes cancelando. A pandemia fez com que eu acelerasse meu complemento de renda — explica.
Não fosse pela crise sanitária, que comprometeu a sua carreira, Janay acredita que não teria buscado tanta capacitação na área de vinhos. Certamente, teria investido na sua formação de psicóloga.
Agora, ela está tão envolvida com o universo dos vinhos que segue se especializando: está inscrita nos cursos de sommelier e de negócios de vinhos da Associação Brasileira de Sommeliers (ABS) e no curso de vinhos da Califórnia, da Enocultura.
Todas as formações são virtuais, modalidade que Janay dificilmente cogitaria antes da pandemia.
— Tenho buscado tudo que é curso. Eu não acreditava no online, tinha muito preconceito, mas perdi (o preconceito) — complementa.
Cursos de vinhos
- Em 2020, a ABS-RS (Associação Brasileira de Sommeliers RS) certificou 334 alunos em quatro diferentes formações. A média anual era 200 pessoas.
- O movimento Bella Ciao, ação iniciada pela ABS-RS em março de 2020, ofereceu 115 aulas gratuitas. Em 2021, já foram promovidas 18 apresentações. O Bella Ciao pode ser acessado no canal do YouTube da ABS-RS, com aulas novas todas as segundas-feiras.
- Durante a pandemia, houve um aumento de 50% na procura por cursos online. A associação espera que, neste ano de 2021, o número dobre, passando de 500 pessoas.
"Buscar conhecimento é uma boa estratégia"
A psicóloga Shania Pandolfo, 31 anos, sempre gostou de estudar, mas talvez não tivesse ainda estudado tanto quanto no último ano. Com mais tempo livre, passou a fazer uma série de cursos online – alguns gratuitos, inclusive. A maioria deles na sua área de atuação, recursos humanos.
— Me ajudou bastante e, trabalhando com recrutamento, a gente vê que quem teve as melhores oportunidades foi quem buscou conhecimento — constata.
Shania também se permitiu buscar outras formações, não apenas relacionadas à carreira. Procurou cursos voltados ao desenvolvimento pessoal e diz ter tido muitos ganhos.
— Foi uma oportunidade para crescer como pessoa e como profissional. Fiz vários cursos e tenho feito outros. A gente acaba descobrindo muita coisa e se conhecendo. Neste período, fomos convidados a olhar para dentro — reflete.
Shania tem feito tantos cursos que até já ganhou de uma agência um grátis. A meta deste ano é fazer cinco por mês. Parece bastante, mas, como as formações que ela procura são curtas, eles não levam muito tempo. É possível fazer um por semana ou até em menos tempo.
— Eu me identifico com o online, acho até mais prático. Alguns cursos que fiz antes da pandemia achei que não eram tão completos, mas as plataformas avançaram muito agora — acrescenta.
Tanta dedicação tem surtido efeito. Colegas elogiam o crescimento da psicóloga que atua em uma agência de recrutamento desde o final de 2019.
— Buscar conhecimento é uma boa estratégia para a evolução — conclui Shania.
Interesse por cursos rápidos
A crise econômica provocada pela pandemia fez surgir um profissional interessado em cursos mais curtos. A constatação é da diretora de ensino da Escola São Pelegrino, Andréia Baldo Marostica. Segundo ela, muitas pessoas têm procurado formações de menos tempo.
— Ficou mais intensa a procura por cursos mais rápidos, como de folha de pagamento e assistente fiscal. São pessoas que estão inseridas no mercado de trabalho ou que buscam trabalho — diz.
Ficou mais intensa a procura por cursos rápidos. São pessoas que estão inseridas no mercado ou que buscam trabalho.
ANDREIA BALDO MAROSTICA
Diretora de ensino da Escola São Pelegrino
É o caso de Roberto Araldi, 44. Formado em Gestão de Pessoas e trabalhando no RH de uma empresa de móveis de Antônio Prado, ele frequentou as aulas do curso sobre folha de pagamento no ano passado. Ele já planejava a capacitação antes mesmo de a crise do coronavírus explodir:
— Foi por uma necessidade que senti dentro da empresa. Eu já vinha pensando em fazer antes.
Embora a procura por cursos rápidos tenha aumentado, o número de alunos ainda é menor do que antes da pandemia na São Pelegrino. Apesar da oferta à distância, adaptada durante o período em que a escola esteve fechada, muitos alunos ainda preferem o formato presencial, explica a diretora de ensino.
Aumento de 60% na procura
Estudar ao longo da carreira para crescer profissionalmente é o desejo de 70% dos brasileiros, conforme pesquisa realizada pelo LinkedIn. O mesmo levantamento revela que 41% dos entrevistados acreditam que, como novas certificações, seus gestores terão melhores percepções a seu respeito.
Na pandemia, com o aumento do desemprego – com índice de 13,5%, segundo IBGE –, a necessidade de qualificação se intensificou. De acordo com uma pesquisa realizada pela consultoria de estratégia Oliver Wyman, aperfeiçoamento, aprendizado e crescimento de carreira estão no topo de prioridades e 57% dos entrevistados consideram o assunto "muito importante".
A busca por cursos para desenvolver novas habilidades também foi percebida em Caxias do Sul. Seja pela perda do emprego ou para se manter na função, muitas pessoas passaram a procurar oportunidades de capacitação ao longo do último ano.
Integrante do Sistema S, o Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) viu a procura por formações aumentar 60% no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado. A busca aumentou até mesmo na comparação com os três primeiros meses de 2019: 21%. A taxa de reversão, ou seja, de matrículas efetivas, é de 17%.
— Mesmo com o cenário não propício para o presencial e com as pessoas tendo de fazer escolhas financeiras, a gente percebeu uma maior procura — conta Priscila Brasil Figales, pedagoga do Senac.
Com tanta demanda, a escola precisou abrir turmas extras neste ano: cinco de gastronomia e quatro de informática básica. Os dois cursos, assim como os de idiomas e de desenvolvimento de sistemas, estão entre os mais acessados.
— Muitos procuram para mudança de vida, como cursos de gastronomia, porque viram ali uma possibilidade — acrescenta Priscila.
Os cursos do Senac são presenciais, mas chegaram a ser oferecidos de forma online no período em que a escola não abriu por causa do modelo de distanciamento.
NO SENAC
Primeiro trimestre de 2021:
- 60% foi o crescimento na procura por formações em comparação com igual período do ano passado.
- 21% foi o crescimento na comparação com o primeiro trimestre de 2019.
Saúde, gastronomia e tecnologia são mais procurados
Cursos nas área de saúde, confeitaria e tecnologia são os mais procurado no Instituto Mix, em Caxias. A escola de formação profissional oferece mais de 200 opções e registrou nos últimos noves meses, somente nos cursos de saúde, um aumento de 63% na procura em relação ao período anterior.
— Em saúde, tem atendente de farmácia, análises clínicas, e entra também pet shop. As pessoas têm optado por ter animal de estimação e é um mercado em expansão — explica Vinicius Rubbo, gerente comercial do Instituto Mix.
Os de confeitaria foi pela rentabilidade. As pessoas deixaram de ir a restaurante e estão comprando mais para comer em casa.
VINICIUS RUBBO
Gerente comercial do Instituto Mix
— Os de confeitaria foi pela rentabilidade. As pessoas deixaram de ir a restaurante e estão comprando mais para comer em casa — complementa Rubbo. No caso dessa categoria, o crescimento no interesse foi de 54%.
Ainda conforme o gerente comercial, mulheres têm procurado mais os cursos de saúde e homens, os de tecnologia. Os cursos de confeitaria têm interesse de ambos os sexos.
Os cursos na área da beleza, que historicamente registram alta demanda, tiveram menor procura neste ano de pandemia, destaca Rubbo.
O Instituto Mix tem cerca de dois mil alunos na cidade.
INSTITUTO MIX
Nos últimos 9 meses:
- 63% foi o aumento na procura por cursos na área da saúde em relação ao período anterior.
- 54% foi o crescimento do interesse por cursos de confeitaria.