Agosto deu sinais de uma leve retomada em Caxias do Sul com a criação de 411 vagas de emprego. Embora seja um bom sinal, o número é ainda muito pequeno diante dos postos fechados ao longo do ano, especialmente em março e abril — o segundo mês da pandemia teve o pior resultado na cidade, com saldo negativo de 5.267 vagas. No acumulado do ano, as baixas são de 6.594 postos, e o quadro só não é pior porque janeiro e fevereiro tiveram saldos positivos: 598 e 2.070, respectivamente.
O número tão elevado de demissões nos últimos meses e a dificuldade na recuperação dos empregos explicam, de certa forma, a cena que tem se tornado comum nos semáforos da cidade: não apenas a de pessoas pedindo ajuda, mas a de ambulantes.
— São pessoas que estão buscando alternativas de renda para se bancar. Com demissões, a tendência natural é procurar caminhos, e um deles é a informalidade — analisa Patrícia Palermo, economista-chefe da Assessoria Econômica do Sistema Fecomércio-RS/Sesc/Senac.
Além de quem tinha carteira assinada e foi demitido, há os trabalhadores que já viviam na informalidade, ou seja, atuavam em atividades sem registro que acabaram paralisadas por conta da crise provocada pelo coronavírus. Ou seja, o universo de trabalhadores sem emprego é bem maior do que mostram os dados oficiais.
— Tem os trabalhadores informais que às vezes a gente não enxerga como informais. Te faço uma pergunta: quantas pessoas tu conhece que dispensaram a faxineira e ainda não chamaram de volta por medo de contágio? — questiona.
Para a coordenadora do Observatório do Trabalho da Universidade de Caxias do Sul (UCS), professora Lodonha Maria Portela Coimbra Soares, infelizmente, o número de ambulantes tende a crescer quando encerrar a concessão do auxílio emergencial pelo governo federal — o benefício foi prorrogado até o final do ano, porém, em parcelas de R$ 300, e não R$ 600, como era até então. Em maio, uma lista divulgada pelo governo mostrava que 53 mil pessoas estavam aptas a receber o auxílio em Caxias.
— Claro que aumentou porque teve muito desemprego e de alguma forma as pessoas precisam sobreviver. De dois meses pra cá, com a flexibilização das medidas de distanciamento, está saltando aos olhos a presença de pessoas vendendo nos sinais — acrescenta Lodonha.
NÃO É NOVO
A quantidade de pessoas comercializando produtos nas sinaleiras da cidade, especialmente alimentícios, chama a atenção porque talvez não fosse um ponto de vendas comum. Mas isso não quer dizer que já não havia ambulantes nas ruas. Conforme a economista da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços (CIC) de Caxias do Sul, Maria Carolina Gullo, o movimento de informalidade não é de agora. A crise sanitária apenas agravou a situação.
— Em Caxias, já há ajuste de demissões desde 2018, mas claro que a pandemia piorou e expôs uma população que era invisível para nós, muitos possivelmente que não conseguiram voltar ao mercado de trabalho formal. E temos duas situações: pessoas que vendem produtos, desde roupas até biscoito, mas também temos crescimento de pessoas pedindo nas sinaleiras. Era algo que não víamos em Caxias — diz.
CAGED
Os dados de admissão e desligamento são do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, o Caged, divulgados mensalmente pelo Ministério da Economia.
Rapadura doce, trabalho duro
— Pé de moleque! Paçoca! — grita Cristiano Marcos Oliveira, 30 anos, enquanto caminha entre os automóveis na esquina da Perimetral Norte com a Rua Pio XII.
Há dois meses, o ponto virou seu "escritório". Todos os dias, de segunda a sábado, se desloca do bairro Santa Fé, onde mora, até o São José, para vender os doces que adquire de uma fábrica de Caxias.
— O pessoal gosta, o produto é bom. Já tenho clientes fiéis — conta.
Não é a primeira experiência do jovem com venda na rua. Há cerca de um ano, após ser demitido de uma empresa metalúrgica, passou a vender bergamotas com um parceiro em outro ponto da cidade. Mas resolveu "empreender" sozinho.
O produto escolhido já era conhecido por Cristiano. Ele vendia os doces para os antigos colegas de trabalho. Com o atual cenário de crise sanitária, só precisou adaptar o negócio com uso de álcool gel e máscara. Esposo de enfermeira, não pode vacilar nos cuidados.
— Chego em casa e tiro toda a roupa para lavar — relata o ambulante, natural de Minas Gerais e há pouco mais de dois anos em Caxias.
A aposta tem garantido um extra para auxiliar nas despesas de casa — ele buscou o auxílio emergencial do governo, mas teve o pedido negado. Tem dias em que é possível ganhar até R$ 100. Apesar de satisfeito, Cristiano não desistiu de ter novamente um trabalho com carteira assinada.
— Mesmo se eu conseguir um emprego fichado, vou continuar vendendo nas horas vagas — diz.
Entre ovos e sabão
O que era um dinheirinho extra acabou virando a única renda do músico José Ferraz da Luz, 53 anos. Sem poder tocar desde que as medidas de distanciamento foram adotadas por causa da pandemia, tem se virado com a venda de barras de sabão. Diariamente, sai de casa e se instala na esquina da Pinheiro Machado com a Montaury, no coração da cidade. Uma placa anuncia o produto e José faz negócio com quem demonstra interesse pelo sabão artesanal.
Cada barra tem meio quilo e custa R$ 5. Embora saiba fazer — e já tenha feito muito —, os sabões vendidos por ele são fabricados por outra pessoa. Por mês, chega a vender 850 pedaços.
— Época de pagamento dá mais movimento — diz.
O homem que vende também compra. Na semana passada, enquanto conversava com a reportagem, foi abordado por Darci Luis Gnoato, 57. Ele trazia duas sacolas cheias de ovos caipiras. José comprou duas dúzias, por R$ 7 cada.
— Vocês se conhecem? — pergunta a repórter.
— Não, mas o preço está muito bom — responde José.
Darci mora em Caxias do Sul, mas cria galinhas em Bom Jesus. Demitido da empresa onde trabalhava há pouco mais de uma semana, resolveu sair para vender os ovos.
— Não sei se vou continuar, vamos ver — diz.
Bala de goma
Sem emprego, vender balas no sinal foi a forma encontrada por Marcos (nome fictício), 52 anos, para garantir a sobrevivência. A ida para as sinaleiras de Caxias não é novidade. Ele já tinha feito o mesmo em sua cidade natal, mas foi discriminado pela própria família — por isso, inclusive, prefere não se identificar.
Marcos não tem um ponto fixo. Circula pelos semáforos de várias regiões da cidade, principalmente Centro e bairro Lourdes. Como logo cedo as balas não têm tanta saída entre os motoristas, chega para trabalhar no final da manhã e permanece até a noite. O expediente costuma terminar às 23h.
Em média, consegue ganhar por dia entre R$ 80 e R$ 90.
— Tem gente que pede dinheiro no sinal, nada contra, mas eu acho que tem que dar algo em troca — diz.
Informais foram os mais atingidos
Em maio, o Observatório do Trabalho da UCS publicou o estudo O trabalho em Caxias do Sul em tempos de pandemia. O informativo especial mostrava que a queda da taxa de população ocupada indicava que os mais afetados pelo distanciamento social eram os trabalhadores informais.
Dos 2,3 milhões de pessoas que deixaram o grupo dos ocupados na época no país, 1,9 milhão eram trabalhadores informais, sem carteira de trabalho assinada e sem CNPJ, que inclui os trabalhadores domésticos, os empregadores, os trabalhadores por conta própria e os trabalhadores familiares auxiliares.
Devido às ações para combate à covid-19, a taxa de informalidade passou de 41% para 39,9% no primeiro trimestre de 2020, conforme o Observatório.
MEIs
Em Caxias do Sul, conforme o Portal do Empreendedor, há 226 microempreendedores individuais (MEIs) registrados como Serviços ambulantes de alimentação.