Os Jetsons era uma série produzida pela Hanna-Barbera e exibida originalmente entre 1963 e 1964. Vinte anos mais tarde, voltou para as telinhas, apresentando em forma de desenho animado um mundo sempre utópico. Algumas das tecnologias presentes nos episódios, que tinha com protagonista, George Jetson, estão presentes nesse mundo estranho novo, fruto das consequências da maior pandemia que se tem notícia na história da humanidade. Entre as novas tecnologias, antecipadas pela turma dos Jetsons, estavam as videoconferências, uso dos robôs, clonagem e inteligência artificial.
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Nessa sexta reportagem da série Futuro da Economia, em que profissionais de diferentes áreas têm revelado possíveis cenários para o pós-pandemia, sugerindo soluções e apontado tendências para as próximas décadas, o tema é justamente as novas tecnologias. Mais do que revelar quando, enfim, poderemos usar carros voadores como nos Jetsons, o enfoque aqui é mostrar como as crises podem antecipar oportunidades. Um dos entrevistados para essa reportagem, o empresário Zeca Martins, fundador e diretor de Relações Institucionais da Fábrica Nacional de Mobilidades, que é também membro do Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia, é sintético e, ao mesmo tempo, profético em sentenciar:
— Eu costumo dizer que se fecham portas, mas se abrem muitas janelas — diz Martins, em uma clara referência ao mundo cibernético.
Uma dessas janelas está diretamente ligada ao setor da saúde. Márcio Luís Miorelli, fundador e presidente da Advanced IT, empresa com foco na gestão e monitoramento de banco de dados, contou que a pandemia acelerou o processo da telemedicina.
— Diversos dos nossos clientes entraram em projetos de telemedicina para habilitar os médicos a operar à distância.
Otimistas entendem que, em breve, o mundo voltará à sua normalidade, como se o vírus jamais tivesse estado por aqui. Realistas tratam desse futuro como sendo o "novo normal", em que as distâncias serão encurtadas bem mais por conta das novas tecnologias do que através dos meios de transporte. Esse novo trânsito, conforme nos explicam Martins e Miorelli, será percorrido por vias digitais, onde a circulação e a gestão dos dados será como um garimpo. A tecnologia nesse mundo pós-pandêmico, portanto, será mais presente e relevante do que foi até hoje, mas nem por isso será mais visível. Bem-vindos ao novo mundo da inteligência artificial.
MÁRCIO LUÍS MIORELLI
Fundador e presidente da Advanced IT
OPORTUNIDADES
"Eu tenho uma posição otimista. Da minha parte, enxerguei muitas oportunidades com essa situação. Tem muitas empresas que demitiram nessa crise, mas, na minha empresa, eu não demiti ninguém. Inclusive, nós temos planos de crescimento bem interessantes. Tivemos clientes solicitando adequações, mas também inovações como um diferencial de mercado. São solicitações desde a parte organizacional das empresas e processos, lançamento de novos produtos. Por exemplo, diversos dos nossos clientes entraram em projetos de telemedicina para habilitar os médicos a operar à distância. O uso da mobilidades por meio de aplicativos também vem crescendo intensamente."
E-COMMERCE
"Um das grandes inovações desse período é com certeza o e-commerce. Claro que é uma tecnologia que já existia, mas as empresas que não tinham uma plataforma de comércio virtual precisaram fazer isso logo. Grandes varejistas, mesmo com as portas fechadas, seguem comercializando. Mas e os pequenos e médios? Quem não pode esperar até a plataforma ficar pronta começou a usar o Whatsapp ou as redes sociais para enviar fotos dos produtos e preços. Percebo que as associações comerciais como as CDLs, por exemplo, estão preocupados em trazer os pequenos empresários para um mundo mais universal para que consigam fazer venda de uma forma mais simples e ágil."
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
"Cada vez mais temos a robotização e a indústria 4.0, tudo isso gera uma infinidade de dados, que são armazenados e podem ser compilados para que a gente possa extrair inteligência desses dados. Se tenho a informação de tudo que acontece na interação de médicos e pacientes, de milhares de consultas, eu posso fazer o cruzamento de informações gerando a inteligência. Por meio do software e pela evolução do sistema, vamos percebendo o que faz sentido ou não, no caso da medicina, ajudando no diagnóstico. A inteligência artificial pode ajudar a apontar as perspectivas de evolução dessa doença nos próximos seis meses, por exemplo. O machine learning nos aponta estatísticas, por meio de informações regressivas, históricos passados, projetando tendências dos próximos meses e anos."
SELF SERVICE DE DADOS
"Daqui para diante, teremos mais condições de nos abastecermos de informações por conta própria, é o que chamamos de self service de dados. Antes, quando eu queria instalar uma janela, eu tinha de contratar uma profissional. Atualmente, podemos pesquisar um vídeo no Youtube que mostra como instalar janelas. O conhecimento está mais explícito e mais disponível, sobre as coisas mais inusitadas que nunca iríamos imaginar. A tecnologia tem feito essa revolução em todas as gerações. Quem conseguir absorver vai ter ganhos. A democratização da informação vai, inclusive, dar condições às pessoas de se conhecerem melhor. Não se trata só de uma questão econômica, mas de crescimento e desenvolvimento pessoal."
ZECA MARTINS
Membro do Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia
QUESTÃO DE PROPÓSITO
"O mundo se deu conta de que a inovação era fundamental não só para os negócios, mas para o bem-estar das pessoas. É assim que começa o Movimento Capitalismo Consciente (criado e desenvolvido por John Mackey e Raj Sisodia), em que surgiram várias startups com propósitos. As pessoas mudaram, o mercado mudou. Está ocorrendo uma evolução do pessoal mais jovem. Eles estão buscando algo mais na sua relação com as marcas. Raj Sisodia foi quem me apresentou este conceito em 2015, em uma palestra na AmCham, em Porto Alegre. Hoje, é preciso pensar em cooperação, colaboração e compartilhamento. Pensando na vacina da covid. Se cada um ficar fechado no seu laboratório, vai se levar mais tempo do que se estiver em conexão com uma série de outros parceiros trabalhando em conjunto. Todo esse movimento dos softwares de códigos abertos aparecem em função dessa cooperação. Isso é muito interessante."
INTERNET DAS COISAS
"Em um futuro próximo, uma criança que for olhar pela primeira vez para um copo, quem sabe vai dizer: 'Serve para tomar água e para o que mais?'. É que as crianças já nascem mais fluídas com a questão da tecnologia. O que eu quero dizer com isso é que os produtos deverão ter mais de uma utilidade, porque será bom para os recursos naturais. Um tempo atrás, vi uma foto em que mostrava diversos equipamentos que hoje estão todos dentro deu um telefone celular. Lembro da primeira vez em que ouvi falar da internet das coisas. Foi na crise de 2014, e a impressão que dava era a de que não tinha luz no final do túnel. Quando começou a palestra do Fabiano Vergani (CEO da Bitcom) entendi como funcionava a internet das coisas, e entendi que a inteligência artificial ia viabilizar coisas que a gente nem imagina, e o universo de possibilidades que a tecnologia apresentava."
DIGITALIZAÇÃO
"Hoje, o marketplace não é mais uma oportunidade, mas uma necessidade. Eu nunca tinha ouvido falar nas plataformas Zoom e Google Meet. Mas agora está todo mundo acostumado a elas. Vejo que as reuniões são bastante interessantes, mais rápidas e mais produtivas. Evidente que o contato é sempre melhor, mas nem sempre é tão produtivo. Além disso, já vinha uma onda de digitalização bem crescente, mesmo antes da pandemia. Tudo o que as pessoas e as empresas puderem, vão digitalizar. Há empresas hoje que têm 100% dos seus funcionários trabalhando em casa, e tudo funciona, não há perda nenhuma. É por isso que a digitalização é um passo muito importante e necessário."
PÓS-PANDEMIA
"Um cara que trabalha na linha de montagem da indústria metalmecânica, a tendência é de que essas atividades possa ser mais automatizadas. E essas pessoas? Vão virar motoristas de aplicativo ou entregadores de comida? Não vai dar. Fico na dúvida se o motorista de aplicativo consegue uma renda ou só está gerando dinheiro para quem gere o aplicativo. Ao mesmo tempo, tudo virou delivery, tem até bênção delivery. Está se criando uma demanda para um mercado e esse negócio aqueceu pra caramba. Pensa um comércio, uma loja de venda de roupa, as pessoas não têm mais tanta necessidade por estarem mais em casa. Mas ao mesmo tempo, há um consumo maior de gás, de energia, de internet. A tecnologia então favorece uma outra relação com a vida, que acaba mudando o mercado. Eu costumo dizer que fecham-se portas, mas se abrem muitas janelas."