Uma selfie aqui, outra foto discreta de casal acolá. É quase como se turistas se sentissem intrusos na rotina da população gramadense no frio de julho de 2020. Há quatro meses, o município da Região das Hortênsias vivencia dias estranhos: ruas vazias, comércio parcialmente inoperante e a escassez de visitantes dão o ar de cidade pacata a uma estrutura acostumada a receber cerca de 6,5 milhões de turistas ao ano.
O abalo da crise acaba sendo mais perceptível em julho, quando tradicionalmente visitantes vêm à Serra gaúcha atraídos pelas baixas temperaturas. O esvaziamento dos pontos turísticos, restaurantes fechados e as lojas vazias formam um cenário atípico para quem estava acostumado a uma realidade completamente diferente.
– É bem diferente a cidade estar vazia nesta época. Na manhã (de quinta-feira), atendemos umas seis pessoas. Em épocas normais, a loja estaria sempre lotada desde a abertura – relata a gerente de uma loja de chocolates, Karina Vieira.
Cerca de 86% do Produto Interno Bruto (PIB) de Gramado são gerados pelo turismo, que contribui em mais de R$ 1,5 bilhão anualmente para a economia local. A época mais efervescente do ano é o tradicional Natal Luz, nos meses de novembro, dezembro e janeiro. Julho, entretanto, é o segundo período de maior apelo turístico e o mês que alavanca o movimentado segundo semestre da região.
– Esse período está muito abaixo. Normalmente, é muito bom pela questão do frio e as férias escolares. Em termos de movimento quase se equipara ao Natal Luz. É uma perda muito grande para nós. E se já estava complicado, essa mudança de bandeira (da laranja para a vermelha) matou de vez. Muitos cancelamentos, muita gente com medo. A nossa ocupação média histórica é sempre acima de 70% nesta época e não vamos atingir 20%, talvez nem 15% – lamenta o presidente do Sindicato da Hotelaria, Restaurantes, Bares, Parques, Museus e Similares da Região das Hortênsias (SindTur), Mauro Salles.
Nos pontos mais simbólicos do coração da cidade, como os arredores da Igreja São Pedro, Fonte do Amor Eterno, Palácio dos Festivais, Rua Coberta e Largo da Borges de Medeiros, a movimentação é quase de passagem. A maioria dos estabelecimentos na área central opta por permanecer fechada diante da falta de turistas e das restrições impostas pela bandeira vermelha no Modelo de Distanciamento Controlado.
– As pessoas estão fugindo de aglomerações e o baixo movimento na cidade reflete esse momento. O turismo é um cluster e no momento que falta um membro desse cluster, todo ele é prejudicado. Quando uma parque deixa de funcionar, a família não reserva o hotel e, por consequência, não vai frequentar o restaurante – avalia Rafael Carniel, presidente da Gramadotur.
Após a retomada, em meados de abril, a ocupação da rede hoteleira da cidade registrou progressivamente percentuais de 10%, 16%, em maio, e 20% em junho. De acordo com o presidente da Gramadotur, a expectativa é poder alcançar 30% em julho, embora as restrições da bandeira possam reter o índice.
Restrições de funcionamento
Para Carniel, as incertezas da classificação das regiões no programa do governo do Estado desgastam ainda mais o desempenho do setor.
– É preciso haver revisão da condição do abre e fecha, o turismo já não está mais aguentando essa oscilação. Somos o segundo destino turístico do Brasil em número de habitantes e isso demandou muito investimento e mão de obra qualificada e que está tendo que ser demitida neste momento. Precisamos de um olhar especial sobre a realidade da região.
– Não adianta manter hotelaria e fechar restaurante, bar. Não queremos descontrole, bagunça, mas não podemos parar totalmente – pontua o presidente do SindTur.
Estranheza para o visitante
Passeando na Rua Coberta, sem ter muito do que usufruir com relação a serviços, o casal de Guarulhos (SP), Celso Leite e Andréia Cunha, vivencia o contraste de uma outra experiência que tiveram na cidade, há quatro anos, quando escolheram Gramado como o destino para a lua de mel.
– Tivemos visões completamente diferentes. A primeira vez que viemos estava bem cheia de gente. Mas a cidade continua bonita, mesmo com todas as lojas fechadas – relata Andréia.
Embora lamentem não poder aproveitar a experiência completa, Celso, que atuava como agente de viagem e perdeu o emprego na pandemia, afirma ter empatia com a situação:
– Ficamos tristes porque imaginamos o que os donos de negócios estão passando. Bom não está para ninguém, mas para nós, por não estar lotado de gente, o risco acaba sendo menor, pois nos dá segurança com relação à contaminação pelo coronavírus. E o local que nos hospedamos nos inspira confiança e cuidado.
Já Aline Maccari, da cidade de Itapema (SC), que visita a cidade pela quinta vez, relata que a experiência tem sido bastante diferente de todas as outras.
– Desta vez está tudo deserto. A gente dá um jeito de aproveitar, mas seria melhor se os bares e restaurantes estivessem abertos – comenta.
"Movimento caiu de 90% a 95%"
Há 25 anos no mercado, a Brocker Turismo, uma das mais conceituadas agências de turismo receptivo do Estado, amargou, desde o início da pandemia, uma retração de mais de 90% dos negócios.
– Não termos turistas, principalmente nesta época do ano de férias e inverno, é muito triste. Já não tivemos na Páscoa, quando estávamos com tudo organizado. Mas infelizmente é uma situação que o mundo está passando e temos de lidar. Nosso movimento caiu de 90% a 95% – aponta a empresária e diretora da empresa, Any Brocker.
Ela também indica a mudança de classificação do distanciamento controlado como um constante transtorno administrativo:
– Comunicar esse abre e fecha é muito sério. Além de todo o problema de chamar o funcionário, tirar de suspensão, colocar para trabalhar e depois tirar de novo. É um transtorno muito grande em termos operacionais e muito caro. Por outro lado, a imagem que fica é ruim, pois os turistas não sabem se tá aberto ou fechado. O turista que chegou no último final de semana, no início dessa semana fechou tudo e é difícil para eles entenderem.
Para o futuro, Any comenta que a empresa busca reestruturar os seus produtos. Embora tenha tradicionalmente clientes de todo o Brasil como principal público, ela acredita que o turismo regional será a alternativa para implementar uma nova estratégia para o negócio:
– Estamos focando na reestruturação dos produtos, dos passeios, principalmente tentando focar turista regional, entender o que ele busca e aprimorar essa experiência. No final de março, no início da pandemia, 80% dos clientes da Brocker Turismo remarcaram seus pacotes para 2021 e 20% cancelaram as suas vindas.
NÚMEROS
Capacidade hoteleira
:: Gramado possui 18.258 leitos de hotéis e 8,3 mil leitos de aluguel de temporada.
:: Entre abril e junho, a cidade registrou, no máximo, 20% de ocupação.
:: A expectativa é que em julho ocorra um incremento de 30%.
Turismo em Gramado
:: Representa em torno de 86% do PIB do município (entre R$ 1,5 bilhão e R$ 1,8 bilhão).
:: Entre 6 milhões e 6,5 milhões de visitantes por ano.
Fonte: Gramadotour
Na lista de viajantes
De acordo com o site de reservas Booking.com, Gramado é um dos destinos mais adicionados em listas de viagens de brasileiros, conforme levantamento feito entre maio e junho. A plataforma permite que usuários criem relações de cidades que gostariam de visitar. Além de Gramado, Rio de Janeiro (RJ), Campos do Jordão (SP), Monte Verde (MG) e Porto de Galinhas (PE) completam o ranking.