José Galló, presidente do Conselho de Administração da Lojas Renner SA, compartilha lições de mais de 30 anos de experiência no varejo que o levou a comandar uma rede com mais de 600 operações no Brasil, Uruguai e Argentina.
Neto de Hércules Galló, fundador do Lanifício São Pedro de Galópolis, destacou a crise vivida quando era presidente da extinta rede de lojas Imcosul na ocasião em que não havia dinheiro para pagar os salários de fim de ano. Como venceu esta e outras crises? Pensando nas pessoas e trabalhando com elas.
– Não tente enfrentar a crise sozinho. Compartilhe com seus colaboradores. Peça ideias, dê tranquilidade. As pessoas estão dispostas a ajudar – ensina.
Em 2015, o empresário foi o convidado do evento Tá na Mesa, promovido pela Federasul no fim de ano, e desejou Feliz 2018! Estava prevendo uma das piores recessões da história brasileira. Perguntado sobre somo seria a recuperação deste 2020, Galló disse que o Brasil subestimou a pandemia e, como consequência, ela deve se estender mais. Por isso ele prevê um Razoável 2021 e um Feliz 2022!
Qual é a primeira principal lição de uma crise?
Normalmente, uma crise começa com um grande momento de pânico, de medo. Eu vejo que há duas formas de se enfrentar o medo. A primeira delas é se assustar e ficar parado. A segunda é levar a crise para a segunda etapa, porque, no fundo, o medo provoca uma grande tensão, estresse e carga de adrenalina. Eu sempre, na minha vida, entendi o medo como uma atitude para o que eu posso fazer para sair do medo. O segundo momento é a realidade. O que é a crise? O que causa a crise? O que está acontecendo comigo, com a minha empresa? A gente só consegue avançar se percebe qual é o problema. Normalmente, falando em crises empresariais, você não está sozinho. Você é o líder, mas tem uma série de pessoas com você. Se você está com medo, elas também. Salutar é dividir o medo, ouvir as pessoas ao seu redor e descobrir a solução chamando as pessoas para participar. Muitas vezes o líder se acha o senhor da verdade, que só ele tem a solução. Eu posso ter uma ideia, mas posso enriquecer ela tendo a humildade de conversar para achar uma saída. Foi assim que passei por vários momentos de dificuldades.
Qual crise o senhor poderia usar de exemplo?
Uma delas em que eu era o presidente de uma empresa que hoje não existe mais, a Imcosul, que pertencia a um grande grupo financeiro do Estado. Houve a época em que os bancos tiveram grandes problemas, como o Banco Sul Brasileiro, Habitasul, Maisonnave, e essa empresa sofreu liquidação extrajudicial e todo o dinheiro estava nesse banco. Em uma liquidação extrajudicial, todos os seus bens ficam indisponíveis. Era o dia 18 de novembro, eu era o presidente da Imcosul, que tinha 100 lojas e 3 mil colaboradores, e eu fiquei sem um cruzeiro, que era a moeda da época, em caixa. Você imagina que dali a 10 dias dias eu tinha que pagar o salário dessas pessoas. Como eu saí dessa crise? Sempre em uma crise, a primeira coisa que a gente tem que pensar são nas pessoas. Tínhamos essas 3 mil pessoas espalhadas em 100 lugares diferentes. A primeira coisa que fizemos foi passar tranquilidade para elas. E nós começamos a negociar com os bancos, apresentamos um plano de recuperação, mostramos que tínhamos projetos e, com isso, conseguimos recursos para continuar tocando a empresa. Depois fomos negociar com fornecedores. No ambiente empresarial, se você é uma pessoa que é bem intencionada, que consegue entregar um plano, você sempre consegue encontrar alternativas.
Na crise que começou em 2014, lembro de ter participado de um evento de fim de ano em que o senhor desejava Feliz 2018! Já previa uma das piores recessões da história. Como será a recuperação deste ano? O senhor desejaria Feliz 2021 ou 2022?
Eu tenho a impressão que nós, aqui no Brasil, nos descuidamos no início dessa crise. Ela é um crise diferente, muito mais séria, porque envolve a saúde, não é somente uma crise de economia. Essa pandemia aconteceu em outros países e nós não tivemos a sabedoria de olhar para eles e nos prepararmos. Nós achamos que ia ser uma gripezinha. Ouvi lives de muitas empresas que tinham matrizes em outros países e, quando elas perceberam o que estava ocorrendo nesses locais, já se prepararam porque sabiam que viria para cá. Mas nós, como país, não fizemos isso. Com isso, a gente acaba estendendo essa curva mais do que deveria. Então a gente vê Estados que estão em um estágio maior ou menor... Eu diria que, provavelmente, vamos ter um certo controle maior dentro de dois a três meses. E o que a gente percebe, vendo pelo comércio, quando a gente consegue abrir as lojas, pelo exemplo da Renner, vende praticamente 70% a 80% do que na pré-crise. Mas o que temos são as interrupções, hora abre e hora fecha. Mas vejo que em 2021 vai haver uma recuperação, porque teremos uma queda de PIB de 6% a 8%, e talvez tenhamos uma recuperação de 3% a 4%. Eu diria que uma volta ao estágio pré-crise, certamente, vai ocorrer em 2022. Mas isso varia de setor para setor. Tem uns que sofreram mais e outros menos. Então para alguns a normalidade vai ocorrer já em 2021.
E como será para o varejo?
O varejo, no fundo, teve uma grande redução de consumo. Vamos entrar em 2021 com uma demanda reprimida. Com isso, eu imagino que a gente possa voltar em 2021 a ter, praticamente, uma normalidade.
De todos os aprendizados das crises, qual você destaca para auxiliar outras empresas a superar essas dificuldades?
Apesar de toda essa situação, o líder tem que mostrar confiança, resiliência, ele tem que mostrar visão de futuro, esperança. O líder deve ser um grande semeador de esperança e deve manter a sua equipe com esta visão também. Eu sei que é muito difícil, mas é impossível enfrentar uma crise com medo e desespero, porque aí não se chega a lugar nenhum.