Muito antes da pandemia do coronavírus, ou da greve dos caminhoneiros, ou de todas as crises econômicas e políticas que a Serra Gaúcha também tem enfrentado nas ultimas décadas, já se dizia que Caxias do Sul precisava solucionar os problemas de mobilidade e de transportes. Essa crise sanitária pela qual o mundo todo passa atualmente só coloca uma lupa gigante no entrave de logística.
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Não por acaso, o grupo Mobilização por Caxias (MobiCaxias) tem insistido nas pautas de infraestrutura, como as construções do Aeroporto da Serra Gaúcha e de, pelo menos um, terminal portuário no Litoral Norte, além das obras de duplicação das rodovias RS-122 — de Farroupilha a São Vendelino — e da RSC-453 e RS-486 (Rodovia Euclides Triches), além da ampliação da BR-448 (Rodovia do Parque), até a RS-240 no município de Portão, Vale dos Sinos (essa extensão teria o nome de Rodovia da Serra). Está na lista de reivindicações ainda a implementação do modal ferroviário de transporte de passageiros e de carga na Serra Gaúcha.
Enquanto esse mundo ideal não se faz presente, as empresas de logística da região precisam se virar como podem para transportar produtos e insumos, apesar das restrições por conta das medidas de prevenção à covid-19 e da falta de infraestrutura de mobilidade. Um dos termômetros, e que também revela como anda o setor industrial, sobretudo na Serra Gaúcha, é a Estação Aduaneira Porto Seco, que fica em Caxias. É no Porto Seco onde ocorrem os despachos de importação e exportação que abastecem as empresas na Serra.
Mauro Vencato é o supervisor comercial do Porto Seco e revela que, desde o final de março, percebeu uma "queda violenta" na demanda, seja de entrada ou saída de cargas. Para ele, há dois fatores que evidenciam esse menor movimento. Primeiro, a paralisação da China ainda no início deste ano, e depois, de outros países da Europa e dos Estados Unidos, de onde vêm muitos produtos, máquinas e insumos para a Serra. Segundo, a instabilidade do dólar faz com que muitas empresas esperem a cotação baixar para retirar suas encomendas do Porto Seco, consumando a importação.
— O mês de abril terminou bem fraco, tivemos uma queda na faixa de 45% a 50%. Diferenciamos processos de volume financeiro, porque só se consuma um processo de importação, por exemplo, quando a empresa paga os impostos e retira o produto do Porto Seco. Então, em termos de processo, numa comparação de abril de 2019, com abril de 2020, se manteve praticamente o mesmo. Mas o volume financeiro reduziu em 17% em abril deste ano. Na mesma comparação, tivemos uma queda de 43% em processos de saída de cargas — revela Vencato.
Menor produção, menos transportes
Esses dados refletem a realidade do mercado na região, sobretudo, na indústria, um dos polos produtivos mais significativos do Brasil. A pesquisa da Sondagem Industrial, divulgada em 23 de abril, pela Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs) revela que 65,9% das empresas gaúchas do setor registraram queda na produção em março em função da crise provocada pelo coronavírus.
Além disso, a mesma pesquisa aponta que oito em cada 10 empresas enfrentam dificuldades para conseguir insumos e matérias-primas. Dentre essas, a dificuldade é muito grande para 24,5%. Em função da crise, 78,5% enfrentam problemas com a logística de transporte de seus produtos, insumos e matérias-primas. A dificuldade é ainda maior para 28,2% das empresas que responderam à pesquisa.
Entre os principais impactos causados pela pandemia do coronavírus nas empresas, foram apontados no levantamento a redução do faturamento (72,3% das respostas), o cancelamento de pedidos e encomendas (56,6%) e a inadimplência de clientes (55,4%). Para atestar essas constatações, Vencato revela que, no mês de abril de 2020, houve redução de 34% no valor dos produtos importados em relação a 2019.
— Somos um termômetro um pouco atrasado. Digo isso porque os problemas que ocorreram na China, de não embarcar produtos, máquinas e matéria-prima, estamos refletindo agora. Porque a importação é um processo demorado, de até 180 dias — explica Vencato.
Reação gradual a partir de abril
A Plimor, com sede em Farroupilha, completa 45 anos em 2020. Atende São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, além da Argentina. Desde a segunda quinzena de março, a empresa sentiu o impacto imediato na demanda do transporte de cargas. Nas entregas para a Argentina, por conta do fechamento das fronteiras imposto pelo governo, a empresa teve queda de 100% das entregas. Já no mercado interno, houve diminuição de até 40%, conforme o relato de Guilhierme Bortoncello, diretor comercial da Plimor.
— O setor de transportes como um todo foi muito afetado, não só o rodoviário de cargas, mas também o aéreo e marítimo. Nós sentimos um impacto maior no final do mês de março, quando tudo parou. Foi um choque de realidade, porque a queda foi de 40%, em março na comparação da primeira com a segunda quinzena — explica Bortoncello.
No mês de abril, revela o diretor comercial da Plimor, a queda estabilizou e ocorreu até um aumento na demanda. Em relação à queda acentuada no final do mês de março, Bortoncello diz que houve um incremento de 15% da demanda. Mesmo assim, está 25% menor no comparativo com o período anterior à crise do coronavírus.
— Ao longo das semanas, principalmente a partir do dia 10 de abril em diante, por atendermos a uma infinidade de segmentos, conseguimos suprir um pouco da queda com o e-commerce. Mas obviamente, não voltou ainda como era antes — justifica.
"Inverter" operações para evitar perdas
A Conexlog é uma empresa de solução de transportes que nasceu online. Há três anos no mercado, trabalhava, até a pandemia invadir o Brasil, essencialmente com transporte aéreo. No entanto, com a redução drástica no número de voos em cerca de 90%, Roni Passos, diretor geral Conexlog, precisou avaliar a atuação da sua empresa.
Passos explica, que, para sobreviver no mercado brasileiro, com tanta concorrência e tantas crises, é preciso estar atento e inverter operações do dia para a noite. Na época da greve dos caminhoneiros, a saída foi utilizar o modal aéreo. Agora, com o coronavírus, a Conexlog rapidamente inverteu sua atuação.
— Antes da pandemia, nosso modal era essencialmente aéreo. Mas tivemos de nos reinventar. Se antes tínhamos apenas 10% de transporte rodoviário, agora estamos trabalhando com 70% dessa modalidade — explica.
Enquanto a Associação Brasileira de Logística e Transporte de Carga (ABTC) aponta que as medidas de isolamento devido à pandemia provocaram uma queda de 43,9% no volume de transporte de cargas no Brasil, a Conexlog, depois de inverter seu modal de atuação, teve um incremento no faturamento de 12%.
Passos acredita que duas das prioridades para a região deveriam ser a construção do Aeroporto da Serra Gaúcha, em Vila Oliva, e do porto no Litoral Norte.
— A gente já tem um baita de um problema, porque o atual aeroporto está em uma localização terrível. Eu trabalho com logística há 21 anos, e é a mesma coisa sempre: no inverno, fecha o aeroporto, e nos resta transportar a carga por uma estrada que é muito ruim. Caxias é uma cidade com um potencial imenso e está na mão de um aeroporto "agrícola". Chamo assim, porque um aeroporto que não tem o mínimo de instrumentos para operar é agrícola.
Em uma viagem, em outubro de 2019, Passos encontrou o então prefeito Daniel Guerra em uma conexão em São Paulo. Conversaram sobre as alternativas para a entrada e saída de cargas de Caxias.
— O Daniel (Guerra) defendia o aeroporto, e me disse que tinha ido a Brasília para tratar disso. Mas eu disse pro Daniel, temos de ter tanto o aeroporto quanto o porto. Não dá pra ser só um.
Com ou sem crises, os entraves e desafios de logística da Serra Gaúcha permanecem. Até quando?