A indústria em Caxias já chegou a representar em torno de 50% da população economicamente ativa do município. Isso foi lá em 2011, quando o setor contava com mais de 88 mil trabalhadores. De lá para cá, entretanto, o setor amargou notável perda de representatividade. No passado, empregava em torno de 68 mil pessoas. Ainda assim, continua sendo a principal matriz econômica e empregatícia da cidade. Por isso, inevitavelmente, deve ser o mais afetado pela crise causada pelo coronavírus. Ao Pioneiro, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Caxias do Sul e Região refletiu sobre os impactos da crise nos quase dois meses de pandemia e as perspectivas para o mercado de trabalho no setor. Confira:
Pioneiro: Já são quase dois meses de pandemia. Qual sua visão da forma que o país e a cidade estão lidando com isso?
Assis Melo: Ainda é difícil saber muito bem em que fase estamos da pandemia. Mas a dificuldade do ponto de vista do trabalho vai se tornando pior. Precisamos buscar alternativas para que trabalhadores não sejam os mais prejudicados, não só do ponto de vista da saúde, mas do emprego e renda. Vamos passar por momentos difíceis, mas também precisamos encontrar alternativas para que o impacto seja o menos grave possível para o trabalhador.
As medidas adotadas até o momento são suficientes?
A Medida Provisória (936) é tímida ainda. Mas dada a circunstância é o que foi possível construir até o momento, mas é preciso, sim, que haja uma outra atitude por parte do governo federal, uma posição mais firme tanto no combate ao vírus, quanto na questão da economia. É preciso que haja investimento público para poder gerar emprego, talvez com fundo de emergência para garantir o mínimo de possibilidade de reação da economia. O que a gente pensa é que o Brasil precisa ter um Estado que invista na economia. Agora é hora de o Estado intervir.
Até o momento, chegaram muitas irregularidades até o sindicato? Quais são as mais comuns?
O que é mais comum é a questão das demissões. Mesmo que as empresas usem a questão da Medida Provisória, ainda assim as demissões ocorrem. A partir desta semana, vamos estar nos movimentando no âmbito judicial, pois não podemos admitir que façamos esforço junto ao sindicato patronal e a Secretaria do Trabalho do Ministério da Economia para se ter apenas um documento que não garanta, de fato, o emprego aos trabalhadores. Precisamos construir alternativas para que não ocorra a simplificação por parte das empresas, que é pôr na rua os trabalhadores.
Então, muitos acordos estão sendo desrespeitados?
Infelizmente, temos recebido muitas denúncias de empresas que usam o acordo da MP e mesmo assim demitem os trabalhadores. Por isso precisamos nos mobilizar e discutir judicialmente, pois não adianta as empresas não respeitarem o acordo. Caso haja alguma irregularidade, o trabalhador pode nos procurar.
Já há estimativa de quantas demissões foram?
Não temos dado preciso, mas acredito que já tenhamos cerca de dois mil desempregados neste período. Precisamos tomar medidas para frear esse número.
Acredita que algumas empresas usam a crise para justificar decisões arbitrárias?
Não podemos afirmar, claro que as dificuldades existem, mas estamos com apenas dois meses, e algumas empresas tomam como medida demitir os trabalhadores. É um momento diferente e não podemos buscar as velhas medidas ou simplificação delas, que é olhar para baixo e demitir o trabalhador.
Caxias já perdia um pouco da imagem cultural como cidade da indústria. Acredita que a metalurgia fique mais enfraquecida após essa crise?
Vivemos muitas transformações, não só da pandemia, mas acho que o fato de muita gente estar preocupada em voltar a trabalhar mostra que essa mentalidade do trabalho permanece. Mas é preciso garantir que o trabalho da nossa categoria seja valorizado e não precarizado. Muitas empresas demitem para depois contratar o trabalhador terceirizado ou através de MEI.
Esse aspecto de empresas optarem pelo "mais barato" tende a se agravar futuramente? Como evitar que isso aconteça?
Precisamos sempre estar nos organizando, o trabalhador é sujeito também dentro da economia, e uma das questões importantes é a força de trabalho. Se ele puder ter condição de se defender e se organizar para organizar sua força de trabalho, também teremos outro tipo de economia, e não um país onde o trabalhador fique na periferia do sistema. A gente precisa que o trabalhador se valorize também.
Muita gente ainda se mostra contrária aos sindicatos. Por que existe essa mentalidade? Alguns sindicatos fazem por merecer essa má fama?
O sindicato é instrumento dos trabalhadores, então ele vai ser "mais" ou "menos" de acordo com a participação dos trabalhadores. O sindicato em si é do trabalhador.
Preocupa que essas flexibilizações e acordos trabalhistas sejam um precedente para num futuro se tornarem medidas definitivas? É um risco?
Estamos sempre na regressiva, o momento é muito difícil para os trabalhadores. É momento que a gente luta para perder pouco, não é nem para ganhar. É claro que tudo isso posto pode se tornar definitivo, sim, mas é preciso haver unidade do trabalhador para enfrentar e evitar isso.
A longo prazo, demissões serão inevitáveis?
Demissões sempre fizeram parte, então o desafio contínuo é sempre enfrentar essa situação. Mas não teremos como enfrentar isso sem desenvolvimento econômico, sem fortalecimento da indústria, do mercado interno. Caso contrário será difícil, em nível de região, segurar o desemprego. Precisamos de uma nova orientação política para que os trabalhadores não sofram tanto.
Muitos trabalhadores são contra o isolamento social, até por medo dos riscos aos próprios empregos. Qual visão do sindicato sobre isso?
As pessoas têm de cuidar primeiro da saúde, não haverá economia sem saúde. O trabalhador deve preservar sua vida em primeiro lugar. Vejo vários empresários pressionando a retomada, mas eles não vão para o front, continuam se protegendo, se resguardando. Não podemos ter mensageiros da morte. A nossa posição é sempre pela proteção à vida, depois podemos tratar a questão economia. Não vamos proteger a economia colocando o trabalhador em risco.